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quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Por que os aiatolás do Irã jogam o jogo mais perigoso do Oriente Médio? Leia artigo da Economist

O Estado de S. Paulo

O objetivo do regime iraniano neste momento, como ao longo da década recente, não é provocar uma guerra direta com o Ocidente e seus aliados, mas semear incertezas e instabilidades

Sinais de alerta de que a guerra de Israel com o Hamas pode vir a se tornar uma conflagração maior no Oriente Médio piscam por todos os lados. Os Estados Unidos mandaram uma segunda frota de ataque com porta-aviões, liderada pelo USS Eisenhower, ao Golfo Pérsico. “Há probabilidade de escalada”, afirmou o secretário de Estado americano, Antony Blinken, em 22 de outubro. Crescem as chances de mais ataques praticados por grupos aliados ao Irã contra forças dos EUA. “Nós não queremos ver um segundo ou terceiro front se desenvolver”, continuou Blinken.

Temores também crescem no Líbano sobre a possibilidade de Israel usar a cobertura dos americanos para lançar um ataque preventivo. 
Israel esvaziou suas cidades próximas à fronteira libanesa, e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, alertou que, se o Hezbollah, uma milícia apoiada por Teerã no Líbano, entrar no conflito, as consequências para o país serão devastadoras
Uma razão para Israel ter postergado sua ofensiva em Gaza pode ser para incrementar suas preparações para uma escalada no front setentrional. O ministro de Relações Exteriores do Irã afirmou que a região parece um “barril de pólvora”.
 
Os governantes autocráticos do Irã podem ter nas mãos um dos palitos de fósforo capazes de incendiar seu pavio: um “eixo de resistência”, uma rede de aliados violentos por toda a região. 
O regime iraniano passou duas décadas construindo essa capacidade no Iraque, no Líbano, na Síria e no Iêmen
Teerã preda lugares onde a política local é fraca, onde é fácil enviar operadores e armas e onde nenhum ator externo é capaz de desafiá-lo, de acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, um centro de análise com sede em Londres. 
A capacidade do Irã de provocar caos à distância — por meio do Hamas, do Hezbollah, da infinidade de milícias xiitas no Iraque e dos houthi, no Iêmen — pode dar mais peso a Teerã do que suas capacidades militares convencionais, que são relativamente fracas.
O objetivo do regime iraniano neste momento, como ao longo da década recente, não é provocar uma guerra direta com o Ocidente e seus aliados, mas semear incertezas e instabilidades. No mesmo momento que trafega num limite para se tornar uma potência nuclear, o Irã também mantém uma ambiguidade estratégica com o eixo. 
Teerã nega estar no comando ao mesmo tempo que fornece armamentos a grupos armados, como os houthis, dando-lhes treinamento e usando-os como fachada para conduzir ataques — como o ataque a mísseis contra a Saudi Aramco, em 2019, que fez diminuir temporariamente em 5% a produção global de petróleo. 
O propósito é intimidar o Ocidente tanto quanto complicar seu cálculo. 
 
A atual crise evidencia oportunidades e problemas da estratégia do Irã. Teerã financia o Hamas há muito, mas não parecia saber antecipadamente a respeito de seu ataque contra Israel em 7 de outubro, de acordo com autoridades ocidentais cientes do assunto. 
Ainda assim, pareceu capitalizar sobre as atrocidades do Hamas e mobilizar o eixo de resistência. 
Hezbollah e Israel trocaram fogo com o apoio explícito, respectivamente, do Irã e dos EUA. 
Ao menos 19 combatentes do Hezbollah foram mortos. 
Os houthis, que controlam a capital do Iêmen, lançaram três mísseis de cruzeiro de médio alcance e vários drones, recentemente adquiridos do Irã, contra a cidade portuária de Eilat, em Israel (interceptados por um destróier americano). 
E milícias xiitas apoiadas por Teerã na Síria e no Iraque ampliaram seu conflito atacando repetidamente, com foguetes e drones, bases que abrigam soldados americanos (Washington retirou sua presença diplomática do Iraque como resultado).
 
Para o Irã, há certos benefícios óbvios. A conflagração em Gaza congelou — mesmo que apenas temporariamente — as conversas sobre normalização de relações entre Israel e Arábia Saudita
Os aiatolás do Irã, xiitas, não podem suportar a ideia de ser isolados enquanto Estados liderados por sunitas e Israel passam a cooperar mais. O impulso iraniano para deslegitimar os Acordos de Abraão continua: em uma região com ministros de Relações Exteriores muçulmanos na Arábia Saudita, em 18 de outubro, o Irã instou os países muçulmanos a impor um embargo de petróleo contra Israel. 
Teerã está apoiando pedidos para que o Egito receba palestinos de Gaza, talvez na esperança de agravar tensões entre Israel e seu mais antigo aliado árabe.
 
A turbulência regional também significa mais dinheiro para o Irã, pelo menos por agora. O preço do barril de petróleo subiu mais de US$ 5 desde 7 de outubro. 
Os EUA estão ansiosos para conter a inflação anteriormente à eleição no país, no próximo ano, e têm permitido tacitamente ao Irã exportar mais petróleo, apesar de formalmente manterem as sanções. “Esses barris iranianos são muito importantes” para Joe Biden, afirma Ahmed Mehdi, analista do setor petroleiro radicado em Londres. 
A produção chegou a 3 milhões de barris ao dia, seu nível mais alto desde que o governo Trump impôs sanções, em 2018. Ano após ano, afirma Mehdi, as exportações aumentaram mais de um terço.

Mas a guerra por procuração em escalada contra os americanos e seus amigos implica em grandes riscos para o Irã. Em Teerã, as autoridades gabam-se afirmando que voltaram a ser “estadistas”; o presidente Ebrahim Raisi — considerado por muitos no Ocidente um pária linha-dura — conversou com o presidente francês, Emmanuel Macron, nos dias recentes. Os iranianos comuns estão menos impressionados.

Uma guerra regional poderia desencadear um novo ciclo de protestos no Irã. A estudante iraniana Armita Geravand, que desmaiou após ser espancada pela polícia da moralidade, em 1.º de outubro, segundo ativistas locais, teve morte cerebral declarada — uma notícia que poderá ressuscitar o ultraje que levou manifestantes às ruas do Irã em 2022, após a morte sob custódia das autoridades iranianas de Mahsa Amini, que havia sido presa por não usar o véu obrigatório às mulheres no país
A população do Irã está cansada das aventuras de seu regime no exterior e relutante em suportar mais sofrimento pela Palestina. Protestos convocados pelo governo têm tido baixo comparecimento. Um minuto de silêncio numa partida de futebol em Teerã pelos mortos em Gaza foi interrompido por gargalhadas sonoras. “Nem Gaza, nem Líbano”, entoaram manifestantes das janelas de suas residências. “Nós sacrificamos nossas vidas pelo Irã.”

A guerra nas sombras do Irã é um jogo delicado, e a capacidade de Teerã de controlar seus aliados não é clara. Desde que os EUA assassinaram Qassem Suleimani, um dos formuladores do eixo de resistência, três anos atrás, a autonomia dos satélites iranianos. Conforme lançam ameaças de guerra juntamente com seus foguetes, eles poderão achar difícil recuar de sua retórica. Cada um estabeleceu “limites” para determinar intervenção contra Israel e o Ocidente. Não responder poderia ferir sua credibilidade com apoiadores locais. Uma invasão terrestre de Israel a Gaza poderia fazê-los forçar a mão.

Os aliados do Irã também têm de equilibrar suas aspirações militares com os interesses dos países que os abrigam. De acordo com autoridades iranianas, o presidente sírio, Bashar Assad, disse ao Hezbollah que não tem nenhum desejo de acudir aos seus chamados por ataques contra Israel de seu território. Do ponto de vista de Assad, o Hamas o traiu quando se aliou à rebelião contra seu regime, em 2011, após ele ter permitido ao grupo permanecer em segurança na Síria. Agora, Assad não quer lutar pelo Hamas.

O Líbano teme ser mais um peão de sacrifício. Seus xiitas são o maior grupo religioso do país, mas suas outras 17 denominações sectárias oficiais formam maioria. Reveladoramente, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, famoso por seus discursos beligerantes, evitou expressar-se publicamente de seu bunker em Beirute desde que os combates começaram. 
A ameaça de guerra pôs fim à esperança de uma ressuscitação do turismo no Líbano. 
A firma de seguros Lloyd’s sinalizou que poderá retirar cobertura no país, e a Middle East Airlines, maior empresa aérea libanesa, está estacionando parte de sua frota na Turquia. 
Os EUA aconselharam seus cidadãos a deixar o Líbano. O primeiro-ministro libanês afirmou que “a decisão sobre guerra e paz” não está em suas mãos.

Se os aliados do Irã atacarem interesses dos EUA, ou possivelmente Israel, o mais provável é que os americanos retaliem inicialmente contra eles em vez de seu financiador. Ainda assim, a aposta iraniana é alta. A decisão do Irã de mobilizar o eixo de resistência sinaliza que, no longo prazo, o regime ruma ao isolamento e à autocracia. 

Apenas um mês atrás, Teerã celebrava uma troca de prisioneiros com Washington e a iminente transferência para o Irã de US$ 6 bilhões em rendimentos do petróleo congelados.  
O aiatolá Ali Khamenei abençoou pela primeira vez conversas diretas desde que o governo Trump abandonou o pacto nuclear. 
Alguns falavam de uma nova trégua. Agora essa perspectiva se arruinou — e as chances de uma guerra maior, catastrófica, mesmo que ainda baixas, são perigosamente altas. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Internacional - O Estado de S. Paulo - The Economist


domingo, 15 de agosto de 2021

Contra a lei - Ser incômodo, ou falar o diabo do Supremo, da CPI, etc. não é crime. Ou passou a ser?

O Estado de S. Paulo - J. R. Guzzo
 
O ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB e figura de maior destaque na direita brasileira de hoje, diz coisas horríveis do Supremo Tribunal Federal, dos seus ministros, do presidente do Senado, daCPI da Covid”, dos governadores de Estado e de muita outra coisa grande que forma as “instituições brasileiras”
Quantas pessoas, no Brasil de hoje, pensam exatamente como ele a respeito de tudo o que tem dito? 
Ninguém fez a conta ainda, mas está na cara que é gente que não acaba mais – o que faz de Jefferson o homem mais incômodo do País para o STF e o sistema político que existe em torno de suas decisões.
Roberto Jefferson, sem dúvida, é um barril de pólvora à espera de um fósforomas ser incômodo, ou falar o diabo do Supremo, da CPI, etc. não é crime. Ou passou a ser? Para o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e para o seu inquérito destinado a investigar “atos antidemocráticos”, é crime, simmotivo pelo qual mandou prender o ex-deputado, que a partir de agora está na cadeia sem data para sair, [a prisão preventiva é uma pena perpétua "à brasileira", se sabe quando entra e não se sabe a data da saída.  
Nem o 'refresco' que favoreceu o Lula - condenações anuladas - pode ser aplicado, não há condenação = não se anula o que não existe.] e sem direito de defesa pleno, como aconteceu com outros indiciados pelo ministro. Por que não? 
Se até deputado em exercício do mandato foi preso nesse inquérito (o homem está com tornozeleira até hoje) e a Câmara aceitou sem dar um pio, um cidadão como Jefferson, que não tem imunidade nenhuma, não é o menor problema para o STF.

O inquérito do ministro Moraes, naturalmente, não considera que Roberto Jefferson, durante este tempo todo, está só falando – o que poderia levar a acusação para os delitos de calúnia, injúria ou difamação, os únicos que se pode cometer da boca para fora, e não permitem a prisão de ninguém. Embora a peça de acusação contenha páginas e páginas com uma maçaroca de declarações que Jefferson fez à imprensa nos últimos tempos, o que os acusadores querem é outra coisa.

 Eles querem demonstrar, isto sim, que o ex-deputado não apenas fala, mas faz. Faz o quê? Atos contra o STF, o Congresso e o estado de direito em geral – incluindo, por exemplo, discursos de incentivo para a população invadir o Supremo e tocar os ministros para fora de lá a tapa, mesma receita que tem para a “CPI da Covid” e outros componentes das “instituições”. Ao fazer isso, estaria agindo para acabar com a democracia no Brasil – e, aí, é proibido por lei.

Como aconteceu com outras prisões decretadas por este inquérito, não há sinal, quanto a Roberto Jefferson, de que ele esteja organizando, secretamente, um grupo armado para tomar o governo – como os bandos de “luta armada” que existiam antigamente. 
Não se provou a ocorrência de reuniões clandestinas, nem a distribuição de tarefas “revolucionárias”
Não se descobriu gente usando codinome. 
Não foram encontrados, até agora, depósitos de armas e munições. 
Não há indícios de operações financeiras ou movimentação de dinheiro para pagar as despesas que a derrubada da democracia exige. 
Há dinheiro, incentivo e ações para organizar movimentos de protesto contra STF, Congresso, etc. – mas nada disso está fora do direito de fazer manifestações de protesto em público.
Em suma: fala-se muito, e Jefferson é realmente um homem que fala com teores de TNT que ninguém mais tem, nem de longe, na política brasileira de hoje. 
Mas de atos efetivos contra a democracia, como esses descritos acima,
nada. Onde está a conspiração? 
Onde estão, além dos discursos, entrevistas e postagens nas redes sociais, os atos efetivamente antidemocráticos? 
É o contrário. Ato contra a democracia, por ser contra a lei, é prender Roberto Jefferson e manter vivo o inquérito ilegal do ministro Moraes e do STF. É defender a democracia destruindo a democracia. 
 
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo