Análise Política
A cada eleição vem o desafio de tentar projetar qual será o fator
decisivo para o eleitor. Desde a vitória de William Jefferson Clinton na
corrida à Casa Branca, em 1992, o senso comum adotou o “é a economia,
estúpido” celebrizado pela marquetagem dele. A economia, os empregos, a
inflação seriam os vetores-chave para o eleitor oscilante definir em
quem vai votar. Mas é sempre bom ter um pé atrás com o senso comum.
Mesmo que seja para, ao final, concordar com ele. Sempre é bom dar uma
olhada nas demais variáveis.
E a Covid-19? Desde a eclosão da beligerância armada na Ucrânia, ela
desapareceu da tela das preocupações da opinião pública.
Mas os números
são objetivos, e teimosos.
Neste momento, a média móvel diária de mortes
nos últimos sete dias está na casa dos quinhentos. A de casos, em
cinquenta mil.
Das outras vezes em que bateu nesses patamares nos dois
anos da pandemia adotaram-se, ou já estavam em vigor, medidas duras.
Desta vez, a regra é o liberou geral, o abandono completo das
providências sanitárias. Inclusive do uso das máscaras.
Qual a racionalidade de abolir o uso de máscaras quando morrem quinhentos por dia de Covid-19?
Deve haver alguma explicação científica, mas não é disso que se trata.
Se, eventualmente, as curvas continuarem elevadas ali no desfecho da
campanha eleitoral, e se o liberou geral continuar a regra, como o
eleitor vai reagir?
Qual argumento ele vai aceitar melhor? Que o que
tinha de ser feito, especialmente a vacinação, foi feito e que o negócio
é tocar a vida ou que as providências draconianas adotadas nos dois
anos anteriores foram exageradas, como certamente argumentará o
presidente e candidato à reeleição?
E qual será o peso da agenda conservadora e das questões relacionadas à
segurança pública?
Aqui eu arriscaria dizer que ambas vão ser
relativamente menos importantes que quatro anos antes. No primeiro caso,
é sensível que o conservadorismo arrefeceu em escala global, e no
Brasil perdeu parte da substância de anos atrás. Perdeu “momentum”. No
segundo, as pesquisas são unânimes ao apontar que saúde, inflação e
empregos ganharam peso nas preocupações do eleitor. Efeitos da Covid-19 e
das consequências.
Mas e se a tese de James Carville, o estrategista de Clinton em 92, estiver novamente certa? E se for “a economia, estúpido”?
Como previsto, esta passagem de ano está assistindo a uma recuperação,
lenta mas recuperação, da atividade e do emprego, e as projeções de
mercado apontam para um menor aquecimento dos preços, decorrente da
política monetária.
Qual será o impacto inflacionário do aumento no
custo dos combustíveis decorrente da crise internacional?
Como o BC vai
reagir?
Corremos o risco de abortar a recuperação e chegar à eleição com
a economia patinando?
Todas as pesquisas mostram Jair Bolsonaro competitivo para outubro,
indicam que a luta da terceira via para tirar o presidente do segundo
turno é batalha morro acima. Mas os desafios, especialmente na economia,
que o governo tem pela frente nestes meses não são triviais.
O
principal deles: como minimizar o impacto da crise planetária sobre a
vida material dos brasileiros sem perder a marca de “defensor e protetor
dos mecanismos do livre mercado”?
E tem a pauta da corrupção. Ela parece meio fora de moda. Mas vai saber...
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político