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domingo, 13 de março de 2022

Uma barreira não trivial - Alon Feuerwerker

Análise Política

A cada eleição vem o desafio de tentar projetar qual será o fator decisivo para o eleitor. Desde a vitória de William Jefferson Clinton na corrida à Casa Branca, em 1992, o senso comum adotou o “é a economia, estúpido” celebrizado pela marquetagem dele. A economia, os empregos, a inflação seriam os vetores-chave para o eleitor oscilante definir em quem vai votar. Mas é sempre bom ter um pé atrás com o senso comum. Mesmo que seja para, ao final, concordar com ele. Sempre é bom dar uma olhada nas demais variáveis.

E a Covid-19? Desde a eclosão da beligerância armada na Ucrânia, ela desapareceu da tela das preocupações da opinião pública.   
Mas os números são objetivos, e teimosos. 
Neste momento, a média móvel diária de mortes nos últimos sete dias está na casa dos quinhentos. A de casos, em cinquenta mil
Das outras vezes em que bateu nesses patamares nos dois anos da pandemia adotaram-se, ou já estavam em vigor, medidas duras. 
Desta vez, a regra é o liberou geral, o abandono completo das providências sanitárias. Inclusive do uso das máscaras. 
Qual a racionalidade de abolir o uso de máscaras quando morrem quinhentos por dia de Covid-19?

Deve haver alguma explicação científica, mas não é disso que se trata. Se, eventualmente, as curvas continuarem elevadas ali no desfecho da campanha eleitoral, e se o liberou geral continuar a regra, como o eleitor vai reagir? 

Qual argumento ele vai aceitar melhor? Que o que tinha de ser feito, especialmente a vacinação, foi feito e que o negócio é tocar a vida ou que as providências draconianas adotadas nos dois anos anteriores foram exageradas, como certamente argumentará o presidente e candidato à reeleição?

E qual será o peso da agenda conservadora e das questões relacionadas à segurança pública? 
 Aqui eu arriscaria dizer que ambas vão ser relativamente menos importantes que quatro anos antes. No primeiro caso, é sensível que o conservadorismo arrefeceu em escala global, e no Brasil perdeu parte da substância de anos atrás. Perdeu “momentum”. No segundo, as pesquisas são unânimes ao apontar que saúde, inflação e empregos ganharam peso nas preocupações do eleitor. Efeitos da Covid-19 e das consequências.

Mas e se a tese de James Carville, o estrategista de Clinton em 92, estiver novamente certa? E se for “a economia, estúpido”?

Como previsto, esta passagem de ano está assistindo a uma recuperação, lenta mas recuperação, da atividade e do emprego, e as projeções de mercado apontam para um menor aquecimento dos preços, decorrente da política monetária.  
Qual será o impacto inflacionário do aumento no custo dos combustíveis decorrente da crise internacional? 
Como o BC vai reagir? 
Corremos o risco de abortar a recuperação e chegar à eleição com a economia patinando?
 
Todas as pesquisas mostram Jair Bolsonaro competitivo para outubro, indicam que a luta da terceira via para tirar o presidente do segundo turno é batalha morro acima. Mas os desafios, especialmente na economia, que o governo tem pela frente nestes meses não são triviais. 
O principal deles: como minimizar o impacto da crise planetária sobre a vida material dos brasileiros sem perder a marca de “defensor e protetor dos mecanismos do livre mercado”?

E tem a pauta da corrupção. Ela parece meio fora de moda. Mas vai saber... 

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


terça-feira, 17 de março de 2020

Bolsonaro e os sócios da epidemia - Gazeta do Povo

Guilherme Fiuza - Vozes

Os sócios da epidemia

A imprensa disse que o presidente tinha testado positivo para coronavírus. Essa foi a manchete que circulou para milhões de pessoas. O nome disso é vexame.

Tradicionais veículos de comunicação noticiaram que o presidente Bolsonaro tinha coronavírus. Algum tempo depois o próprio presidente divulgou boletim atestando resultado negativo para o seu exame. Isso é muito grave. Os veículos que deram a notícia foram diretos: o presidente da República tinha testado positivo para coronavírus. Essa foi a manchete que circulou para milhões de pessoas. Algumas matérias atribuíam a informação a um filho do presidente. Outras atribuíam a informação aos outros veículos que deram a notícia. O nome disso é vexame.

Responda com calma: se você pretende que a sua marca de mídia tenha credibilidadeou seja, que as informações que ela divulga sejam consideradas verdadeiras por quem as recebe – você vai noticiar que o presidente de um país está infectado pelo vírus de uma pandemia que está paralisando o mundo a partir do que alguém te falou?

Ah, mas esse alguém é filho do presidente... E daí? Meia hora depois o filho do presidente estava negando que tivesse declarado que o pai testou positivo. Ele se enganou? Foi mal interpretado? Foi caluniado? É claro que nada disso interessa a quem queira fazer jornalismo minimamente sério. É assim que vocês apuram fatos? De acordo com a moderna técnica do disse me disse? Nem se fossem todos os filhos do presidente. Nem se fosse o médico do presidente. Nem se fosse o Papa. Qual o problema de dar a notícia com o atestado do exame nas mãos?

Para imprensa séria, nenhum. O problema é para quem não quer oferecer informação, mas estardalhaço. Aí não dá mesmo para esperar. Pega qualquer porcaria que te contarem no salão de cabeleireiro e joga no ventilador – embalada na sua marca de compromisso com a verdade, que assim vai virando aos poucos sinônimo de fake news de grife.

E se Bolsonaro tiver coronavírus? Aí a notícia muda, mas o vexame fica intacto. Se você se propõe a informar e não checa devidamente a informação que distribui, você está especulando. E se você vende especulação fantasiada de notícia, você é um delinquente. 
Existe um estado de beligerância entre governo e imprensa, nos Estados Unidos e no Brasil? Existe. E como os supostos arautos da liberdade de expressão pretendem, em sua missão de bem informar, pregar o respeito à imprensa? Inventando notícia? Publicando chute? Mentindo?

Assim fica difícil, companheiros. O público já identificou a manobra patética de vários veículos de comunicação, outrora respeitáveis, tentando melar o resultado das eleições no grito – tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Agora, no meio de um pandemônio que é a reação desesperada da humanidade a uma epidemia de gripe, onde tudo que se precisa é serenidade e bom senso, aparecem vocês tentando vender espetáculo mórbido – e falso.
A democracia esperava mais, muito mais de vocês.
Você conhece mesmo o impacto do jornalismo?

Guilherme Fiuza, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo


sábado, 24 de agosto de 2019

Pedido de Moro para Toffoli revogar decisão sobre Coaf irritou Bolsonaro - O Globo




Presidente decidiu inviabilizar a presença do ministro no governo

[o ministro Moro realmente 'pisou nos tomates'. Sua atitude foi inadequada politicamente e representou evidente quebra da hierarquia. 

Moro, ministro da Justiça, é subordinado ao Presidente da República, chefe do Poder Executivo,  que é JAIR BOLSONARO e o ministro Dias Tofolli é presidente do STF, portanto, chefe do Poder Judiciário.

É inconcebível que um ministro de Estado, subordinado ao presidente da República, 'atropele' o presidente e trate diretamente com o chefe de ou Poder da República. No caso, a quebra de hierarquia se configurou, independente do presidente Bolsonaro ser militar, portanto mais cioso da hierarquia.

E, politicamente, foi um desastre, visto que a decisão de Toffoli,  apesar de exarada em um processo de 2003, tem sido interpretada como adotada para favorecer o presidente Bolsonaro.

Resta a Moro pedir o boné ou ter uma conversa franca com Bolsonaro - que é quem pode demiti-lo - e assumir que errou feio, praticou um um ato de 'indisciplina' e. politicamente também foi um desastre. O presidente pode até entender a dificuldade de um ex-juiz agir politicamente e de forma disciplinada - visto que em termos de decisões judiciais um juiz ainda que contrariando um desembargado não está sendo indisciplinado - é algo que demora um pouco a ser alcançado.]

O abalo da relação entre Jair Bolsonaro e Sergio Moro — que atingiu seu ápice nesta semana com as declarações do presidente de que é ele, e não o ministro, quem manda na Polícia Federal — começou a crescer há quase um mês. Mais precisamente na tarde de 28 de julho, quando Moro foi ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, pedir que ele fizesse uma revisão da decisão em que restringiu o compartilhamento de relatórios do antigo Coaf , hoje Unidade de Inteligência Financeira (UIF), com os ministérios públicos e a Polícia Federal. O movimento do ministro irritou o presidente Jair Bolsonaro. 

Desde que soube do pedido de Moro a Toffoli e a outros ministros do STF, Bolsonaro decidiu inviabilizar a presença do ministro no governo. Os dois já vinham tendo alguns desentendimentos desde o início do ano. O pedido foi a gota d’água. A petição para suspender investigações iniciadas com base em relatórios detalhados do ex-Coaf fora feita pelo advogado Frederik Wassef em nome do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente. 




Tão logo foi informado do interesse de Moro em reduzir o impacto da decisão de Toffoli, Bolsonaro chamou o ministro para uma reunião no Palácio do Alvorada. No encontro, foi direto ao assunto, com uma breve introdução. Primeiro, o presidente disse que nunca pediu qualquer favor ao ministro. Disse também que Moro nunca ofereceu qualquer ajuda a ele. Mas, naquele momento, precisava deixar as coisas claras. — Se o senhor não pode ajudar, por favor, não atrapalhe! — disse Bolsonaro, segundo relatou ao GLOBO uma fonte com bom trânsito entre familiares e amigos do presidente. 

A partir dali, a conversa teria subido de tom e, ao final, o ministro deixou o Alvorada com o semblante carregado. Dias depois, Bolsonaro foi informado de que Moro, mesmo após o tenso diálogo, continuava fazendo gestões em favor da revisão da decisão de Toffoli. No mesmo instante, o presidente resolveu que ampliaria a beligerância contra o ministro da Justiça.

Saída forçada
Na sexta-feira, O GLOBO informou que o movimento de Bolsonaro teria como objetivo “desidratar” Moro, tendo em vista alto custo político da demissão do ministro mais popular do governo. Um interlocutor próximo ao presidente disse, numa recente conversa entre amigos, que a fase do enfraquecimento do ministro já passou. A estratégia agora seria fechar todos os espaços de Moro no governo. 

Não por caso, desde a quinta-feira da semana passada, Bolsonaro deu nada menos que quatro entrevistas para falar da substituição do superintendente da Polícia Federal (PF) no Rio, Ricardo Saadi. As declarações causaram surpresa e alimentaram rumores sobre a crise no relacionamento entre o presidente e o ministro. Na última quinta-feira, o presidente elevou o tom, ao dizer que poderia demitir mesmo o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, uma escolha de Moro. Perguntado se não seria uma interferência, dispensou meias palavras, afirmando que é ele quem manda na PF. 

A declaração foi interpretada por aliados e críticos do ministro como mais um recado para forçar Moro a pedir demissão. Se não pode mandar na PF, o ministro da Justiça não teria muito o que fazer no governo. O raciocínio era repetido por políticos e policiais, que esperavam uma reação de Moro. O GLOBO tentou, sem sucesso, falar com o ministro sobre os desentendimentos com Bolsonaro.

Em Salvador, delegados da PF divulgaram ontem carta na qual afirmam que a instituição não deve ficar sujeita a “declarações polêmicas” do presidente. Assinada pela Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), o documento marcou o encerramento de evento sobre combate à corrupção organizado em Salvador pela entidade.
“A Polícia Federal não deve ficar sujeita a declarações polêmicas em meio a demonstrações de força que possam suscitar instabilidades em um órgão de imensa relevância, cujos integrantes são técnicos, sérios e responsáveis. Em outros governos, por diversas ocasiões, a instituição sofreu pressões e tentativas de intervenção. Diante do que parece ser mais uma delas, é necessário e urgente que a Polícia Federal conquiste garantias constitucionais e legais para se tornar, de fato e de direito, uma polícia de Estado e não de governo”, diz a nota. 

Deltan critica
Em entrevista ao jornal “Gazeta do Povo”, o coordenador da Lava-Jato, procurador Deltan Dallagnol, fez pela primeira vez críticas diretas ao presidente Jair Bolsonaro por declarações e atos recentes que sugerem interferência em órgãos de investigação. Ele disse que Bolsonaro se afasta da luta contra a corrupção. “O presidente Jair Bolsonaro, ao longo da campanha eleitoral, se apropriou de uma pauta anticorrupção. Agora, o que vemos é que ele vem se distanciando desta pauta de corrupção quando coloca em segundo plano o projeto anticrime do juiz federal Sergio Moro. Ele coloca em segundo plano essa pauta quando faz mudanças no Coaf e desprestigia o auditor da Receita que trabalhou na Lava-Jato”, disse Dallagnol.  

O Globo - Aguirre Talento