O Estado
Democrático de Direito instituído pela Constituição de 1988 consagra o
“sistema representativo” (artigo 1º, parágrafo único).
Como não podemos
reunir milhares de pessoas em assembleias populares, os cidadãos
outorgam uma “procuração” para representantes governarem e produzirem
leis em seu lugar. O voto é o instrumento do “contrato social” a que se
referiu o filósofo genebrino Jean Jacques Rousseau.
Recorrentemente,
os meios de comunicação social noticiam desvios de conduta em todas as
esferas de poder e unidades federativas. A repetição interminável de
ações criminosas na vida pública traz a descrença no regime democrático.
É lamentável.
No entanto,
não contribui para o desenvolvimento da democracia o não comparecimento
dos eleitores às urnas.
Muito menos contribui o seu comparecimento para
anular o voto ou votar em branco.
O ideal é escolher, entre tantos
candidatos, aquele cuja biografia recomenda a investidura em mandato
político.
Apesar da tão propalada decepção dos brasileiros com a
política, é possível encontrar pessoas de bem em seu meio.
Platão
defendia a dedicação das pessoas virtuosas à vida pública. Caso elas se
afastem da política, o espaço passará a ser ocupado por indivíduos de má
índole (Gaston Bouthol, in Sociologia da política. Lisboa: Livraria
Bertrand, trad. Djalma Forjaz Neto, 1976, p. 20).
Ao se
abster de votar ou anular o voto, o cidadão brasileiro corre sério risco
de entregar a direção dos destinos da comunidade a pessoas menos
qualificadas. Se está saturado com o comportamento de alguns maus
políticos, deve puni-los nas urnas. Pode, ao mesmo tempo, escolher os
mais aptos para gerir os interesses legítimos da população. A nossa
democracia está em crise. A Justiça brasileira é morosa e ineficiente.
Tem adotado medidas repressivas e decisões em descompasso com as
expectativas da Nação.
Porém não
basta xingar maus políticos e o Poder Judiciário. Muitos dos que
reprovam duramente os corruptos e seus aliados, são os mesmos que elegem
candidatos almejando benesses pessoais. Diversos homens públicos são
aplaudidos pelo slogan “rouba, mas faz”. Esses eleitores não idealizam
os representantes que administrarão e elaborarão leis em nome da
comunidade, mas os “amigões do peito” que vão resolver seus problemas e
lhes conceder vantagens, ainda que ilegais (Rogério Medeiros Garcia de
Lima, Ética para principiantes, jornal Estado de Minas, Belo Horizonte,
28.06.2007).
Cidadania é um caminho de mão dupla...
De resto, preocupa a intervenção indevida de personalidades estrangeiras nas eleições vindouras do nosso País.
Os atores
hollywoodianos, Leonardo Di Caprio e Mark Ruffalo estimularam, pelas
redes sociais, o voto dos jovens eleitores brasileiros com idade entre
16 e 18 anos, cujo alistamento não é obrigatório (artigo 14, § 1º,
inciso II, letra “c”, da Constituição da República).
Em 5 de
maio passado, um dia após o fim do prazo para o alistamento eleitoral, o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou que, no total, 2,04 milhões
de novos eleitores, nessa faixa de idade, registraram-se para votar em
2022. Esse número, ainda parcial, já é 47,2% maior do que a adesão
registrada em 2018:
“Letícia
Bahia, diretora executiva da Girl Up Brasil, o braço nacional de uma
organização criada nos EUA em 2010 para oferecer subsídios para
elaboração de políticas públicas para adolescentes à Organização das
Nações Unidas, (afirmou) que ‘este ano, a questão do voto jovem ganhou
uma conotação muito eleitoral pela tendência do eleitor dessa faixa
etária de ter um voto mais progressista’”.
Fico a
imaginar qual seria a reação da esquerda e da mídia se alguma
personalidade estrangeira estimulasse o voto do eleitorado de direita...
Diante
dessas interferências, a democracia exige, em nome da paridade de armas,
que o eleitorado adulto também seja alvo de campanhas em favor do
comparecimento à votação nas eleições de 2022.Especialmente,
eleitoras e eleitores com idade igual ou superior a 70 anos, cujo voto é
facultativo (artigo 14, § 1º, inciso II, letra “b”, da Constituição da
República).
A
propósito, alertou o experiente jornalista Alexandre Garcia
(Constituição do Chile é aviso para quem resolve não ir votar, Gazeta do
Povo, Curitiba/PR, 04.07.2022):
“Ontem,
no Chile, foi entregue ao presidente, um jovem de 35 anos, solteiro, a
nova Constituição, aprovada pela assembleia constituinte de 156
integrantes. Essa Constituição prevê aborto, fim do Senado (que tem 200
anos), diminuição do poder da polícia e mais direitos sociais. Os
constituintes que fizeram essa Constituição foram eleitos por 36% dos
eleitores. E, agora, os eleitores estão dizendo nas pesquisas que querem
antecipar o referendo de 4 de setembro sobre a Constituição, que não
aprovam. Apenas 25% a 33% concordam com essa nova Constituição, a
maioria discorda.
“Mas o
que estava fazendo essa maioria quando a assembleia constituinte foi
eleita em maio do ano passado? Ficou em casa? Pois é: assim como na
Colômbia, onde 18 milhões ficaram em casa e 11 milhões elegeram o
presidente. É uma lição que a gente precisa aprender. Por lá, eles têm
voto facultativo; aqui é obrigatório, mas depois de 70 anos não precisa
votar e os demais que não votarem têm uma sanção leve. Fica a lição: se
você abrir mão do seu poder de votar, não pode se queixar depois se for
eleito alguém errado, alguém que vá destruir a sua família e deixar um
péssimo futuro para seus filhos, netos e bisnetos”. Se você abrir mão do
seu poder de votar, não pode se queixar depois se for eleito alguém
errado, alguém que vá destruir sua família e deixar um péssimo futuro
para seus filhos, netos e bisnetos.”
*
Rogério Medeiros Garcia de Lima é desembargador do Tribunal de Justiça
de Minas Gerais, Doutor em Direito Administrativo pela Universidade
Federal de Minas Gerais e professor universitário.
** Publicado na edição 306 do Jornal Inconfidência (31/07/2022).