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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Palestinos, um povo sem pátria e sem direitos - Guga Chacra

Meu pai, filho de libaneses, nasceu no Brasil e é brasileiro. 
Meus filhos nasceram nos EUA com pais brasileiros e são americanos. Afinal, tanto os EUA como o Brasil seguem a vertente de jus solis para concessão da nacionalidade. Isto é, se você nasceu nesses países, automaticamente terá a nacionalidade. 
Ao mesmo tempo, filhos de americanos e brasileiros nascidos no exterior mantêm o direito à cidadania. 
Por este motivo, meus filhos têm também a cidadania brasileira mesmo sendo de Nova York. 
Seria a aplicação do jus sanguinis, ou direito por sangue à nacionalidade.
Algumas nações, no entanto, aplicam apenas o jus sanguinis na quase totalidade dos casos, ignorando o jus solis. É o que ocorre no Líbano. 
Eu, que sou neto de libaneses, tenho o direito à cidadania libanesa mesmo sendo de São Paulo. 
Uma pessoa de origem palestina da minha idade nascida em Beirute não tem o direito a ser cidadão libanês, a não ser em raros casos
O que se aplica a mim também vale para milhões de brasileiros que são descendentes de libaneses, independentemente da religião. No meu caso, até estive várias vezes no Líbano.  
Mas alguns descendentes no Brasil jamais pisaram em Beirute e ainda assim têm mais direitos do que um refugiado palestino que nasceu e cresceu em Sídon, Trípoli ou na capital libanesa
Isso porque seus antepassados nasceram do outro lado de uma fronteira artificial criada por franceses e britânicos após o colapso do Império Otomano. Como o avô deles era de Haifa e não de Zahle, não são aceitos como cidadãos do Líbano. 
 
Estas pessoas de origem palestina ficam restringidas a viver em campos de refugiados e enfrentam restrições para trabalhar em uma série de profissões
 O argumento libanês para não conceder cidadania a esses palestinos nascidos no Líbano é de que, primeiro, isso afetaria a balança sectária libanesa, na qual o poder se divide entre cristãos de diversas denominações, xiitas, sunitas e drusos. 
Em segundo lugar, porque, na visão libanesa, essa é uma questão a ser resolvida entre Israel e Autoridade Nacional Palestina, pois esses refugiados têm origem no que hoje é território israelense.
 
Israel, por sua vez, concede a cidadania a qualquer pessoa nascida no país desde que um dos pais seja cidadão israelense. 
Isso não se aplica a palestinos nascidos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, que são controladas e ocupadas ilegalmente por Israel.  
Já judeus residentes nos assentamentos na mesma Cisjordânia são cidadãos israelenses. 
Filhos de israelenses nascidos no exterior e todos os judeus que imigrarem para Israel também têm o direito à cidadania. 
Mas cristãos e muçulmanos (e seus descendentes) nascidos em vilas palestinas que tenham sido expulsos ou deixado o que hoje é Israel em 1948 ou vivam sob ocupação na Cisjordânia e Faixa de Gaza não têm direito à cidadania israelense e tampouco a um Estado independente. 
 
Portanto, os palestinos no Líbano, Cisjordânia e Faixa de Gaza (além dos na Síria e Egito) são, sim, refugiados porque não são cidadãos dos países ou territórios ocupados onde vivem.  
Caso houvesse uma Palestina independente ou eles virassem cidadãos libaneses, israelenses e sírios, a situação seria resolvida. 
Palestinos no Chile, por exemplo, são chilenos e não são considerados refugiados. 
Mais jus solis e menos jus sanguinis. Quem questiona a existência de refugiados palestinos deveria ver as leis de cidadania no Líbano, Israel e Síria.  
Se fosse como no Brasil, não haveria problemas. 
Filho de palestino, libanês ou israelense nascido no Rio é brasileiro. Assim que deveria ser.

Guga Chacra, colunista - O Globo

 

 


sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Para o STF de Alexandre de Moraes, vale até punir os filhos pelos atos dos pais - Gazeta do Povo

J.R. Guzzo - Vozes

O ministro Alexandre de Moraes, no exercício de suas funções como chefe do inquérito policial criado há quatro anos para investigar supostas atividades contra o Estado de Direito no Brasil, suspendeu as contas bancárias da filha de um dos investigados, o jornalista Oswaldo Eustáquio – que há um ano buscou asilo no exterior.

A menina tem 15 anos de idade. No momento, está sem dinheiro para pagar o lanche dos irmãos menores na escola. 
As contas de sua mãe, naturalmente, também estão congeladas, de maneira que ela está sem nenhuma fonte de renda – pois a remuneração e os bens do seu pai, é claro, estão bloqueados desde o começo. 
É um momento de pura e simples barbárie – um dos piores na escalada de destruição da lei e dos direitos individuais que o Supremo Tribunal Federal conduz atualmente no Brasil.

    De aberração em aberração, e sem nunca encontrar alguma objeção ao que faz, o STF está criando uma situação de selvageria na Justiça brasileira.

Não se trata, absolutamente, de discutir Eustáquio, ou que ele fez
O escândalo é o que estão fazendo com a sua filha. 
Ela não cometeu infração nenhuma. 
É menor de idade e, por lei, teria de contar com a proteção da autoridade pública – e não estar sendo perseguida pela Suprema Corte de Justiça da República. Mais: um dos princípios mais elementares da lei, no Brasil e em qualquer democracia, é que os efeitos das ações do infrator não podem jamais se estender à sua família
Punir os filhos pelos atos dos pais, ou vice-versa, é coisa que só se faz hoje na Coreia do Norte e em outros infernos da tirania mundial. 
É onde nos levou a conduta policial do STF: nosso sistema de justiça, agora, tem semelhanças com o Judiciário norte-coreano.
 
O motivo apresentado para se fazer o bloqueio da conta é uma agressão à lógica comum. O ministro Moraes diz que a conta da garota está servindo de “escudo” para as atividades “antidemocráticas” do pai. 
Quais são essas atividades? O inquérito não consegue, objetivamente, descrever uma única delas. 
Eustáquio, por sinal, não foi condenado até agora por nada; o próprio Moraes escreve que há apenas “fortes indícios” contra ele. 
Se não há atividade criminal definida, como poderia haver “escudo”?
A conta não é escudo de coisa nenhuma – é apenas um meio para a menina manter-se viva. 
 No entendimento do STF, porém, o dinheirinho do lanche vira uma ameaça à democracia brasileira.
 
De aberração em aberração, e sem nunca encontrar alguma objeção ao que faz, o STF está criando uma situação de selvageria na Justiça brasileira. 
 
Um preso sob custódia da autoridade morre nos cárceres do STF por falta de tratamento médico adequado – apesar de atestados oficiais dizendo que ele corria risco de vida e tinha de ser removido para um hospital. 
Pessoas são condenadas a 17 anos de cadeia por estarem presentes a um quebra-quebra em Brasília. 
A menina de 15 anos é punida por delitos que o seu pai ainda não cometeu – enquanto não for condenado, é inocente, e mesmo que fosse culpado, ela não pode pagar por seus atos.
 
A justificativa para tudo é que os perseguidos são “bolsonaristas” que querem “destruir a democracia”
Se é assim, não têm mais direito à proteção da lei; o que define a culpa no Brasil do STF não é o que o sujeito fez, mas quem ele é. O “campo progressista”, em peso, acha que não há nada de errado com isso.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



J.R. Guzzo
, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 


terça-feira, 25 de julho de 2023

A mãe, o baile e o discurso - Revista Oeste

 Roberto Motta 

Ficam as três imagens queimando nossas retinas e contaminando o ar de nossa democracia com um cheiro cada vez pior, insuportável

 

Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução Redes Sociais/Shutterstock

Três imagens marcaram as últimas semanas. Essas imagens, tomadas em conjunto, oferecem uma explicação sobre o Brasil melhor do que a maioria das análises de economistas, jornalistas e juristas.

A primeira imagem é a de uma mãe.

A experiência da maternidade é poderosa. Nada interessa mais a uma mãe do que o bem-estar dos seus filhos. Não há nada que uma mãe tema mais do que ser separada deles. 

Na República Federativa do Brasil, até bem pouco tempo atrás, nenhuma mãe amorosa, dedicada e correta temeria ser separada de seus filhos por iniciativa do Estado. Isso mudou.
Rodou nas redes sociais um vídeo que mostra uma mãe reencontrando seus dois filhos, crianças ainda pequenas. 
A mãe não consegue parar de chorar. Quem viu as imagens ficou com um nó na garganta.
A mãe ficara presa vários meses. O pai das crianças, seu marido, ainda está preso.

Vejam isso! Uma mãe, que após 6 meses, saiu do “campo de concentração” criado a partir do 8 de janeiro e revê seus 2 filhos.Como não se emocionar com tamanha injustiça e barbárie.Imprensa tendenciosa,antiética e esquerdista essa mulher tem alguma característica de “terrorista”?🇧🇷 pic.twitter.com/nXct8lXGct— Edinaldo Marques (@EdinaldoMarques) July 10, 2023

.....


A prisão do pai e da mãe, e de milhares de outros brasileiros, por razões semelhantes, deixou um cheiro ruim no ar da democracia.

A segunda imagem marcante é a de um baile. Uma banda toca no convés de um navio. Pessoas movem seus corpos ritmicamente. 
Uma dessas pessoas é um dos homens mais poderosos do país. 
Ele tem a chave para aprovação de legislação na Câmara dos Deputados.

O homem é um jurista do Estado — poderoso, bem-remunerado e cheio de privilégios. Ele está em um local inapropriado para seu cargo — um evento político

Uma das coisas que ele permitiu — ou promoveu — foi a aprovação, em altíssima velocidade, de um projeto que altera a cobrança de impostos. É uma mudança, feita na própria carne da Constituição, que afetará a vida de todos os milhões de brasileiros por várias gerações. Na realidade, os efeitos são imprevisíveis, porque o projeto não foi discutido adequadamente nem acompanhado de qualquer estudo sério. [saiba mais sobre o pode do tal homem, clicando aqui.]

Não houve tempo. Era preciso aprová-lo rapidamente. Por quê?

Há quem diga que a velocidade foi estimulada pela liberação de bilhões de reais em “emendas” parlamentares (“emenda” significa “dinheiro”). Houve quem dissesse que a razão da pressa fora o show no navio. A embarcação tinha hora para zarpar.

Se isso for verdade, foi o show mais caro da história.


O cheiro ruim aumenta.
 

Cruzeiro do Safadão | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Na terceira imagem, um homem faz um discurso. O homem é um jurista do Estado — poderoso, bem-remunerado e cheio de privilégios. Ele está em um local inapropriado para seu cargo um evento político. Suas palavras são inadequadas para sua função. 

Na maioria das democracias, elas seriam suficientes para sua remoção imediata da posição que ocupa e para o início de procedimentos de responsabilização.

No Brasil, sabemos que nada acontecerá.

Ficam as três imagens — da mãe, do baile e do discurso — queimando nossas retinas e contaminando o ar de nossa democracia com um cheiro cada vez pior, insuportável.

Leia também “Os piores entre nós”

REVISTA OESTE, ÍNTEGRA DA MATÉRIA


Coluna Roberto Motta - Revista Oeste







quinta-feira, 15 de junho de 2023

A descrença na justiça brasileira afeta desde o cidadão comum até juízes - Alexandre Garcia

Vozes -  Gazeta do Povo

Fachada do edifício sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ)| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Eu quero saber se você consegue explicar isso para os seus filhos, netos, sobrinhos, para as crianças em geral, ou até para os seus alunos. O caso ocorreu em São Paulo. Na verdade aconteceu em Brasília.

No dia 28 de agosto de 2019, um traficante com o pomposo nome de Leonardo 20, mas também com o sobrenome de Alves de Lima, estava de moto, conduzindo dois quilos de cocaína, na Vila Andrade, São Paulo. Quando viu uma viatura policial, se assustou, subiu na calçada, largou a moto e tentou fugir.  
Os policiais o capturaram, revistaram a moto e encontraram 2 quilos de cocaína. Foi preso e condenado a 10 anos de prisão por tráfico. Muito justo. Justiça feita, transitou em julgado, ponto final.  
Só que o processo veio para Brasília, para o Superior Tribunal de Justiça. Esse Leonardo 20, também conhecido como Batatinha, foi solto no dia 7. Sabem por quê?  
O juiz, Sebastião Reis Júnior disse que a prova é ilícita. Por quê? A prova não vale. Portanto, a condenação é nula.  
Porque o único motivo foi o nervosismo dele.  
Não tinha mandado de busca e apreensão, não tinham uma suspeita forte de um crime sendo cometido, de flagrante. 
Então ele foi vítima da ação policial por causa do nervosismo dele. E o juiz decidiu isso, mandou soltá-lo.

Parece o André do Rap. Pois é, como é que você contaria isso para os seus filhos?

Gabriela Hardt
Vejam só, lá em Curitiba, a juíza Gabriela Hardt frustrou-se hoje porque um outro juiz com mais tempo de serviço ocupou a vaga que ela queria, em Florianópolis, porque ela queria se livrar da Lava Jato.  
Ela era juíza substituta de Sergio Moro. 
Ela que condenou Lula pelo sítio de Atibaia, que teve melhorias e tal. 
Foi ela. Mas o juiz titular, depois que Sergio Moro saiu foi Bernardo Appio, que foi afastado por boas razões. 
Eu imagino que ela esteja sentindo a mesma coisa que o senhor e a senhora estão sentindo agora ao ouvirem a história do traficante de São Paulo. Descrença na justiça. Profunda tristeza. Ela deve estar pensando o que está fazendo na Lava Jato, se não adianta nada.
 
Contas de Bolsonaro
Por falar em Atibaia, como não tem Atibaia no currículo de Bolsonaro, nem triplex lá em São Paulo, a justiça de São Paulo está bloqueando contas bancárias do ex-presidente, num valor superior a R$ 500 mil, porque ele não usou máscara em São Paulo. 
E foi multado e tem que pagar as multas, como se a máscara fizesse alguma diferença para os 700 mil mortos, né? 
Porque estava todo mundo usando máscara e morreram 700 mil
Há coisas incríveis desse período no Brasil e talvez, um dia, a gente ainda vai estudar melhor.

CPMI na praia
E por fim, o deputado que é presidente da CPMI, a qual todos queremos que investigue os atos do 8 de janeiro. Na segunda-feira, dia dos namorados, ele estava passeando com a mulher no calçadão de Ipanema. Ele é deputado pela Bahia, e aí foi roubado.  
Pegaram uma correntinha de ouro, um escapulário, que acabou sendo devolvido porque pegaram o ladrão. 
Mas eu pergunto para o senhor e para a senhora: o que os senhores estavam fazendo na segunda-feira? Não estavam trabalhando? Criando riqueza, produzindo para pagar imposto? 
 A senhora e o senhor pagam imposto até fim de maio. 
Num ano inteiro, a senhora e o senhor trabalham até fim de maio pra sustentar o deputado, a CPMI, o Congresso Nacional, o Estado brasileiro. E o senhor e a senhora, pagadores de impostos, gostariam muito - eu gostaria - que na segunda-feira a CPMI estivesse trabalhando para descobrir mais do que foi contado até agora, a narrativa contada. 
A gente quer que se descubra mais. Está sendo impossível. Mas numa segunda-feira, o presidente da CPMI estava passeando no calçadão de Ipanema.
 

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

 

segunda-feira, 13 de março de 2023

O nascimento do ‘império do mal’ (Segunda parte) - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Segundo estimativas de vários historiadores, a Cheka, a primeira polícia secreta da Rússia, executou 100 mil pessoas dos chamados “inimigos de classe” durante o Terror Vermelho

Vítimas da fome do Holodomor. Região de Kharkiv, Ucrânia, 1933 | Foto: Alexander Wienerberger/Wikimedia Commons

Vítimas da fome do Holodomor. Região de Kharkiv, Ucrânia, 1933 | Foto: Alexander Wienerberger/Wikimedia Commons 

Depois da vexaminosa apologia do comunismo no Carnaval no Brasil, resolvi embarcar em uma trilogia de artigos sobre o comunismo e registrar que a história, pelo menos aqui em Oeste, jamais será esquecida e que jamais banalizaremos o mal. 
Aqui, não deixaremos que o descalabro de uma escola samba em homenagear a ideologia que promoveu a matança de mais de 110 milhões de pessoas no mundo, e que é enaltecida por figuras como Flávio Dino, Gleisi Hoffmann, o próprio Lula e toda a nata do PT, passe em vão.
 
Seguiremos defendendo os fatos e mostrando que a história que alimenta a esquerda precisa ser mostrada aos nossos filhos e netos, para que eles façam o mesmo em nome da liberdade e da verdade. 
É claro que há muito mais detalhes em toda a história, detalhes de brutalidade com requintes de crueldade que raramente são trazidos ao debate quando se romantiza o comunismo. 
Aqui, para a nossa resenha semanal, que nossa pequena trilogia possa servir como um pequeno guia a ser entregue aos jovens, para que eles possam fazer suas próprias pesquisas — e descobrir a verdadeira cadeia genética do horror e da barbárie.
 
Sigamos.
Logo após a Revolução Bolchevique, Lenin estabeleceu a Cheka, a primeira polícia secreta da Rússia. 
À medida que a economia se deteriorava durante a Guerra Civil Russa, Lenin usou a Cheka para silenciar a oposição política, tanto de oponentes quanto de seus adversários dentro do próprio partido político (a reedição de certos atos ao longo da história, inclusive agora, não é mera coincidência…). No entanto, essas medidas não deixaram de ser contestadas, e um membro de um partido socialista rival atirou no ombro e no pescoço de Lenin quando ele saía de uma fábrica de Moscou, em agosto de 1918, ferindo-o gravemente. 
 
Após a tentativa de assassinato, a polícia secreta de Lenin instituiu um período conhecido como Terror Vermelho, uma campanha de execuções brutais em massa contra os apoiadores do regime czarista, as classes altas da Rússia e quaisquer socialistas que não fossem leais ao Partido Comunista de Lenin.
 
Segundo algumas estimativas em comum entre vários historiadores, a Cheka pode ter executado até 100 mil pessoas dos chamados “inimigos de classe” durante o Terror Vermelho, entre setembro e outubro de 1918. 
O líder da Cheka, Feliks Dzerzhinsky (cuja estátua ficava do lado de fora da sede da KGB em Moscou até depois da queda da União Soviética), proclamava que “qualquer um que ousar espalhar o menor boato contra o regime soviético será preso imediatamente e enviado para um campo de concentração”. Na prática, execuções em massa e enforcamentos sem julgamento começaram quase que imediatamente. Ser visto como o “tipo errado” de pessoa para o regime ou estar no lugar errado na hora errada, ou simplesmente possuir uma arma de fogo, era o suficiente para alguém receber uma sentença de morte de tribunais revolucionários recém-formados.

Esses tribunais sancionaram expurgos dos mais variados tipos, desde membros sobreviventes da família imperial russa até camponeses proprietários de terras, estabelecendo o tom para as próximas décadas. Mesmo durante os períodos de relativa tranquilidade doméstica, a sombra do terror de Estado pairava sobre a população.
 
A matança sem freios e sem precedentes do “império do mal” estabelecia mais um tijolo em seu pilar genético de pura barbárie. Esse é o regime enaltecido por uma escola de samba e por políticos da esquerda no Brasil.
 
Joseph Stalin
A Revolução de Outubro desencadeou a Guerra Civil Russa, que durou os primeiros anos do mandato de Lenin. 
O Exército Vermelho do ditador venceu a guerra, consolidando o poder do novo governo soviético. 
Em 1922, o governo de Lenin assinou um tratado com a Ucrânia, a Bielorrússia e outros países menores na região para formar a União Soviética
Nesse mesmo ano, a saúde de Lenin começou a piorar, depois de os médicos removerem a bala de seu pescoço, que estava alojada desde a tentativa de assassinato, em 1918. Em 21 de janeiro de 1924, o líder comunista morreu, de um derrame, aos 53 anos.
 
“Mostre-me o homem e eu lhe mostrarei o crime”, dizia o chefe da polícia secreta mais implacável da era de terror do sucessor de Lenin
Lenin havia começado sua carreira revolucionária como um marxista que queria dar poder político aos trabalhadores e aos camponeses. No entanto, quando ele morreu, o atual governo soviético que ele havia estabelecido era muito diferente do tipo de socialismo que ele defendia. 
Seu sucessor, Joseph Stalin, tornaria essa diferença ainda mais marcante — e mais bárbara. Sua concentração de poder começou em 1922, quando se tornou secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista. Na década de 1930, ele começou o Grande Expurgo, no qual matou rivais políticos e outras pessoas que ele considerava perigosas para o sistema. Stalin forçou ex-companheiros a darem falsas confissões em julgamentos de fachada, para depois mandar fuzilá-los.

Quando Stalin assumiu a liderança comunista, ele se concentrou em consolidar o controle do partido e do país por todos os meios necessários. A NKVD (Naródnyy komissariát vnútrennikh del — nome russo para a agência que foi originalmente encarregada de conduzir o trabalho policial nas prisões e campos de trabalhos forçados) havia substituído a Cheka, em 1922, para desempenhar um papel fundamental no apoio à cultura draconiana do ditador de “seguir a linha do regime ou pagar o preço”.
Enquanto a Cheka perseguia os inimigos do partido bolchevique, a NKVD visava membros bem posicionados do partido que Stalin via como rivais em potencial, incluindo funcionários do governo, oficiais do Exército e a guarda mais antiga do partido soviético. 
A polícia secreta de Stalin usou tortura e fabricou evidências para obter “confissões”.  
Julgamentos altamente públicos, cujos veredictos nunca foram questionados, provocaram terror generalizado — assim como o decreto de Stalin permitindo que famílias inteiras de suspeitos de traição fossem executadas.
 
A Era do Grande Terror mostrou à humanidade forças do mal jamais imaginadas. 
Uma era alimentada por homens que são enaltecidos por políticos brasileiros até hoje, como Jandira Feghali, que já fez uma publicação em suas redes sociais exaltando Stalin na data de aniversário do genocida: “Olha pro céu, meu amor, vê como ele Stalindo”, postou a parlamentar, com uma foto de Stalin ao fundo. 
Feghali é filiada ao Partido Comunista do Brasil e em seus discursos ela clama por defender os direitos humanos de cidadãos necessitados e das minorias. Seria cômico se não fosse profundamente trágico.
 
O Grande Terror
O Grande Terror, um termo retrospectivo que os historiadores tomaram emprestado da Revolução Francesa, refere-se ao paroxismo do derramamento de sangue organizado pelo Estado que dominou o Partido Comunista e a sociedade soviética durante os anos de 1936 a 1938.
O Grande Terror, também conhecido como Grande Expurgo, foi exatamente a campanha brutal stalinista para eliminar membros dissidentes do Partido Comunista e qualquer pessoa que ele considerasse uma ameaça ao regime. Embora as estimativas variem, a maioria dos especialistas acredita que pelo menos 750 mil pessoas foram executadas durante o Grande Terror, que começou por volta de 1936 e terminou em 1938. 
Mais de 1 milhão de sobreviventes foram enviados para campos de trabalhos forçados, conhecidos como Gulags. 
Esta operação implacável e sangrenta causou um terror desenfreado em toda a União Soviética e impactou o país por muitos anos.
 
Depois da ascensão ao poder de Stalin, alguns membros do antigo partido bolchevique começaram a questionar sua autoridade
Em meados da década de 1930, Stalin acreditava que qualquer pessoa ligada aos bolcheviques ou ao governo de Lenin era uma ameaça à sua liderança e precisava ser eliminada.
O primeiro evento do Grande Terror ocorreu em 1934, com o assassinato de Sergei Kirov, um proeminente líder bolchevique, que foi assassinado na sede do Partido Comunista. 
Após a morte de Kirov, Stalin lançou seu expurgo por completo, alegando que havia descoberto uma perigosa conspiração de comunistas anti-stalinistas. O ditador começou a matar ou prender qualquer suspeito dissidente do partido, eventualmente eliminando todos os bolcheviques originais que participaram da Revolução Russa de 1917.
 
Stalin usou termos como “inimigo do povo” e “sabotadores” para descrever aqueles que eram caçados durante o Grande Expurgo (as mesmas expressões usadas para os atuais questionadores — um incômodo para qualquer ditador — também não são pura coincidência, há método). A matança e a prisão começaram com membros do partido bolchevique, oficiais políticos e militares, mas o expurgo se expandiu e incluiu cidadãos comuns, camponeses, minorias étnicas, artistas, cientistas, intelectuais, escritores e até estrangeiros. Essencialmente, ninguém estava a salvo do perigo.
 
Convencido de que todos poderiam estar tramando um golpe, Stalin executou 30 mil membros do Exército Vermelho e assinou um decreto que tornava as famílias responsáveis pelos crimes cometidos por um marido ou pai.
Isso significava que crianças de até 12 anos também poderiam ser executadas. 
Ao todo, cerca de um terço dos 3 milhões de membros do Partido Comunista foi expurgado. Leia-se assassinados.
E o processo alimentou-se a si mesmo. Os acusados, sob forte pressão física e psicológica de seus interrogadores, citavam nomes e confessavam crimes bizarros, para tentar poupar sua vida ou pelo menos a de familiares. Milhões de outros se envolveram na busca frenética de “inimigos do povo” e entregaram conhecidos às garras do regime e às execuções sumárias.
 
Foi também sob o comunismo de Stalin que homens como Lavrentiy Beria foram criados. Beria gabava-se de poder provar a conduta criminosa de qualquer pessoa, até mesmo de inocentes: “Mostre-me o homem e eu lhe mostrarei o crime”, dizia o chefe da polícia secreta mais implacável da era de terror do sucessor de Lenin. Beria visava “o homem” primeiro, para depois encontrar ou fabricar um crime. 
O modus operandi de Beria era presumir que o homem — muitas vezes escolhido a dedo — era culpado e então preencher os espaços em branco mais tarde com acusações também escolhidas a dedo.
Não é curioso como esse tipo de conduta, esse nível de desvio de caráter, pode viajar no tempo, atravessar mares e oceanos e aterrissar em lugares como o Brasil no século 21?
 
Gulags
Não há dúvida entre historiadores de que as táticas brutais de Stalin paralisaram o país e promoveram um clima de terror generalizado. Milhares de vítimas alegaram que preferiam ser mortas a serem enviadas para suportar as condições torturantes nos infames campos de trabalhos forçados — os Gulags. Muitos dos que foram enviados para os Gulags acabaram sendo executados a sangue frio.
 
Embora a maioria dos historiadores estime que pelo menos 750 mil pessoas foram mortas durante o Grande Expurgo, há um debate se esse número é bem maior. 
Alguns especialistas acreditam que o verdadeiro número de mortes é pelo menos duas vezes maior, já que muitas pessoas simplesmente desapareceram, e os assassinatos foram muitas vezes encobertos. 
Outros acreditam que é impossível determinar um número exato de mortos, mas que ele pode ser até cinco vezes maior do que os livros contam. 
Além das execuções, os prisioneiros nos campos de concentração também morriam de exaustão, doença ou fome.

Joseph Stalin permaneceu no poder como ditador soviético até sua morte, em 1953. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele também foi responsável pelas execuções de centenas de prisioneiros de guerra e traidores, especialmente cidadãos poloneses.
Não posso encerrar esse nossa segunda parte sobre o “império do mal” sem mencionar uma das maiores atrocidades cometidas pelo ídolo de Dona Jandira Feghali: o Holodomor.
 
Holodomor
Em 1928, Stalin implementou o Primeiro Plano Quinquenal, que era o plano econômico de seu governo para transformar a União Soviética em uma república industrial. Na plataforma do ditador estava a coletivização da agricultura, e, para isso, os membros do Partido Comunista confiscaram as terras, o gado e as ferramentas agrícolas dos camponeses, forçando-os a trabalharem em fazendas coletivas de propriedade do Estado. Stalin e a União Soviética agora tinham controle direto sobre as ricas terras agrícolas da Ucrânia e suas exportações de grãos.
 
Em vez de abrir caminho para a URSS se tornar uma grande potência industrial, o coletivismo levou a uma diminuição da produção agrícola, escassez de alimentos e rebeliões camponesas. Muitas dessas revoltas ocorreram na Ucrânia. 
Essas rebeliões preocupavam Stalin, particularmente porque elas estavam ocorrendo em áreas que haviam lutado contra os bolcheviques durante a Guerra Civil Russa.
 
Enquanto o plano de Stalin criou fome em toda a URSS, as políticas do Partido Comunista pioraram, intencionalmente, a fome na Ucrânia. Em um esforço para controlar os ucranianos, Stalin e o Partido Comunista impuseram medidas que pioraram e alastraram a fome e a miséria no país, estabelecendo cotas de grãos impossivelmente altas de serem atingidas, e puniram fazendas, aldeias e cidades quando não conseguiam cumprir essa cota.
Muitas dessas cidades foram colocadas em listas negras e foram impedidas de receber alimentos e outros suprimentos. 
Os ucranianos não foram autorizados a deixar o país em busca de comida, e qualquer um pego roubando comida das fazendas coletivas poderia ser preso e executado. 
Grupos especiais de membros do Partido Comunista saqueavam as casas dos camponeses e levavam tudo o que era comestível. 
O resultado foi um genocídio sem precedentes.

GENOCÍDIO, Dona Jandira Feghali.
Stalin mirava propositalmente na Ucrânia, pelo temor das possíveis rebeliões dos camponeses, e, junto com suas políticas de fome, também supervisionou a “desucranização” do país, instruindo burocratas ucranianos e funcionários do Partido Comunista, bem como a polícia secreta soviética, a reprimirem os líderes políticos, intelectuais e religiosos ucranianos. O regime comunista também interrompeu os esforços para que o idioma ucraniano fosse usado.
 
Os líderes soviéticos negaram o Holodomor (que significa “morte por fome”, em ucraniano), recusando até mesmo a ajuda de organizações como a Cruz Vermelha, já que aceitar a ajuda seria admitir a fome. 
Mesmo depois que o Holodomor acabou, a URSS proibiu os funcionários públicos de reconhecerem o que aconteceu. 
Os líderes até encobriram um censo feito em 1937, porque os números mostravam uma gigantesca diminuição na população ucraniana. 
Parte da campanha de desinformação incluiu esforços de silenciamento de pessoas de fora para relatar a barbárie. 
As autoridades soviéticas pressionaram até os repórteres ocidentais a permanecerem em Moscou, proibindo-os de entrar na Ucrânia, em 1933. Walter Duranty, chefe do escritório de Moscou do New York Times, foi autorizado a entrar na Ucrânia, mas negou que a fome estivesse ocorrendo, depois de ter sido “patrocinado” pelo regime. (Sim, a história de hoje apenas se repete…)
 
Stalin e seus seguidores estavam determinados a ensinar ao povo ucraniano “uma lição que eles jamais esqueceriam”. Dezenas de milhares de líderes intelectuais, espirituais e culturais da Ucrânia foram presos, torturados e alguns submetidos a julgamentos e executados
A maioria foi enviada para campos de concentração, e não sobreviveu. 
Os melhores agricultores da Ucrânia e suas famílias foram banidos para territórios remotos, e milhares deles foram condenados à morte. 
Como resultado desse genocídio da União Soviética, cerca de 4 milhões de ucranianos morreram de fome em pouco mais de um ano. 
Logo após, as pessoas continuaram a viver com medo da fome e das violentas represálias do governo soviético. Esse medo viveu por gerações, especialmente com o expurgo de Stalin, em 1937 e 1938, e a ocupação nazista da Ucrânia durante a Segunda Guerra Mundial.

As notícias do Holodomor tornaram-se mais amplamente conhecidas no Ocidente à medida que um grande número de imigrantes ucranianos deixava o país, para escapar da URSS após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a contínua negação soviética e a repressão de informações impactaram a identidade e a memória pública ucranianas. Os esforços contínuos para suprimir as tentativas de respeito às tradições de seu povo retardaram a capacidade da Ucrânia de seguir formando sua identidade como nação e impediram o país de processar coletiva e publicamente o trauma e a dor da perda de quase 4 milhões de pessoas. No auge do Holodomor, 28 mil homens, mulheres e crianças na Ucrânia morriam de fome todos os dias.
 
Essa é a digital acurada de Joseph Stalin, sanguinário, genocida e ídolo da parlamentar Jandira Feghali, do ministro da Justiça, Flávio Dino, e até do atual presidente da República, Luiz Inácio, que, numa recente coletiva sobre as invasões do 8 de janeiro em Brasília, disse: “Essas pessoas, esses vândalos, que a gente poderia chamar de nazistas fanáticos, stalinistas fanáticos… Ou melhor, de stalinistas, não… de fascistas fanáticos, fizeram o que nunca foi feito na história deste país”.
 
Ficamos todos estupefatos com a banalização do mal no Carnaval no Brasil, mas o evento foi apenas um fio de cabelo em um contexto bem maior. 
Creio que deveríamos condenar com mais veemência o fato de existir um partido comunista no Brasil, assim como jamais aceitaremos um partido nazista. 
Os rastros de maldade do comunismo atravessam páginas e mais páginas de livros de história, atravessam países e fronteiras e tocam em várias etnias e povos. Em comum com tantos lugares diferentes no globo, a terrível trilha de destruição e assassinatos em massa.
 
Fiquei extremamente feliz com o feedback de muitos leitores quando disse que abordaria esse tema, até para que pudéssemos entrar em uma campanha de conversas desse porte na mesa de jantar com nossos filhos, sobrinhos e netos. Reagan, implacável contra os comunistas desde a época em que era um ator em Hollywood, sempre dizia que a “lição número 1” sobre a América era que toda grande mudança no país começava na mesa de jantar. Façamos o mesmo com os nossos herdeiros no Brasil. Pelo futuro deles.
 
Na semana que vem, fechando nosso papo histórico, podemos falar sobre como o comunismo se espalhou pelo mundo com o pontapé, em julho de 1921, quando, inspirado pela Revolução Russa, o Partido Comunista da China foi formado. E então o efeito cascata: de 1940 a 1979, o comunismo é estabelecido pela força ou de outra forma na Estônia, Letônia, Lituânia, Iugoslávia, Polônia, Coreia do Norte, Albânia, Bulgária, Romênia, Tchecoslováquia, Alemanha Oriental, Hungria, China, Tibete, Vietnã do Norte, Guiné, Cuba, Iêmen, Quênia, Sudão, Congo, Birmânia, Angola, Benin, Cabo Verde, Laos, Kampuchea, Madagascar, Moçambique, Vietnã do Sul, Somália, Seychelles, Afeganistão, Granada, Nicarágua e outros países que hoje têm, através de seus ditadores, laços com o atual governo do Brasil.
Deixarei algumas dicas de filmes, séries e documentários a que devemos assistir com a nossa família, para que a história e as mortes de milhões de pessoas jamais fiquem em vão.
Até nosso próximo encontro.
 


Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste