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domingo, 22 de janeiro de 2017

Detentas do "cárcere duro" têm 1h de banho de sol e não conversam com ninguém

A cela de Mônica Marília Pereira, de 32 anos, é aberta por uma agente penitenciária para o banho de sol diário. A duração é de uma hora. Depois, ela volta para a cela, onde fica trancafiada pelo resto do dia. Não conversa com ninguém, além dos funcionários do presídio. Condenada a quase 4 anos de prisão por tráfico de drogas, Mônica tem 15 tatuagens pelo corpo - na perna esquerda, uma caveira com as palavras "puro ódio"; nas costas, um tridente com a frase "só os loucos sobrevive!!! (sic)". Na sua ficha, está indicado a quem a administração da unidade deve avisar em caso de acidente, doença grave ou morte: ninguém.


Mônica, ou Band, como é conhecida no sistema penitenciário, é uma das 12 mulheres que vivem isoladas na prisão de segurança máxima de Presidente Bernardes, a mesma que abriga há um mês o líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola. Em 2015, foi pega em flagrante por guardas municipais ao tentar esconder 29 pedras de crack em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de São José do Rio Preto. É acusada ainda de homicídio, agressão, dano, violação de domicílio e incêndio. A advogada que a representava foi presa em novembro, na Operação Ethos, por suspeita de ligação com o PCC.

As mulheres vizinhas de Marcola vivem no RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), o chamado "cárcere duro". São as primeiras presidiárias isoladas em uma unidade de segurança máxima no País. Criado em 2002, o presídio de Presidente Bernardes só passou a abrigar mulheres em 12 de setembro de 2015. As condenadas estão em uma ala com 20 celas, separada das outras três, que abrigam alguns dos mais perigosos bandidos de São Paulo.  "Todas foram mandadas para lá em razão de agressões contra funcionários", afirmou o secretário da Administração Penitenciária, Lourival Gomes. As detentas têm entre 23 e 42 anos e apenas três são primárias. Quatro já fugiram ou tentaram sair de prisões onde estavam antes. Tráfico de drogas é o crime em comum entre todas elas.

Comando

Condenada a cinco anos e meio de prisão, Ludicléia Rosa de Souza, a Lu, de 28 anos, incitou atos de apologia ao PCC na Penitenciária Feminina de Tupi Paulista, no interior, antes de ser enviada para o RDD. Vários registros de desrespeito e agressões contra agentes penitenciárias constam de seu histórico prisional. Em um dos episódios, chegou até a ameaçar acionar o "comando", como represália às funcionárias do presídio. Na mão direita, tatuou o símbolo da facção.

Não se sabe exatamente qual função Ludicléia ocupa no PCC, mas o poder que exercia sobre as outras presas era um sinal de que havia assumido a liderança na penitenciária. "A rapidez com que as demais detentas responderam às suas instigações demonstra, de forma efetiva, o grau de risco por ela representado à segurança do sistema prisional", afirma a representação contra ela.

Nem todas as presas do RDD, no entanto, têm longa ficha criminal. Letícia Kemili Modesto, de 23 anos, foi flagrada pela Polícia Rodoviária em Cedral, na região de São José do Rio Preto, carregando um quilo de maconha em um ônibus, no fim de 2013. Na delegacia, disse que havia aceitado a oferta de uma mulher que lhe prometeu R$ 500 para transportar a droga. Foi sua única prisão. Aos PMs, disse que estava desempregada. "O dinheiro falou mais alto."

Fonte: UOL/Notícias
 

sábado, 14 de janeiro de 2017

Polícia teme retaliação de facção em prisões de São Paulo

Um documento obtido por ÉPOCA revela que facção planeja ataques no estado. Pela primeira vez, chefes foram colocados simultaneamente em cárcere duro 

Até o mês passado, a cúpula da maior facção criminosa do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC), repetia uma rigorosa rotina de exercícios físicos dentro da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo. Com equipamentos improvisados com cabos de vassoura e garrafas PET cheias de água, os chefes do PCC fortaleciam o bíceps na prisão de segurança máxima que concentrava, até então, todo o  comando da organização. 

Marco Willians Camacho, o Marcola, considerado o cabeça do bando, ia além: turbinava os efeitos da musculação com whey protein, a proteína do soro do leite que, em academias de verdade, ajuda os marombeiros a ganhar massa. Para relaxar, o grupo terminava o banho de sol com uma partida de futebol.


Esses encontros descontraídos foram interrompidos em 14 de dezembro. Pela primeira vez, numa mesma decisão, todos os 14 integrantes do alto escalão do Primeiro Comando da Capital (PCC) foram enviados para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) do presídio da vizinha Presidente Bernardes, considerado o mais rigoroso de São Paulo. A transferência dos presos, somada à guerra nacional entre facções deflagrada em outubro, colocou as autoridades da segurança pública de São Paulo em alerta. Policiais civis de Araraquara, no interior paulista, repassaram um relatório às delegacias seccionais do estado com um alerta. 


ALERTA
Na foto, o presídio de Presidente Bernardes, para onde foi transferida, em regime de isolamento, a cúpula da facção (Foto: João Bittar / Folhapress)
 

Segundo o documento, obtido por ÉPOCA, “comunicado entre os membros do PCC dão (sic) conta de que armas de fogo foram distribuídas aos integrantes da facção para possíveis ataques. Consta que, no próximo dia 17 de janeiro, o comando do PCC irá ordenar aos executores o tipo de ataque e o local onde cada um terá que agir”. Procurado para comentar o relatório, o Departamento de Inteligência da Polícia Civil (Dipol) de São Paulo confirmou que o documento saiu de Araraquara – a penitenciária local já foi um reduto de forte influência da facção, hospedou Marcola e outros líderes do PCC. Apesar de reconhecer a circulação do documento, o Dipol não quis comentá-lo.

A mudança dos presos para o regime mais restrito foi solicitada pela Polícia Civil de Presidente Venceslau, com aval do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Estadual. O pedido de transferência foi fundamentado pela Operação Ethos, realizada em novembro, que investigou uma rede de advogados, acusados de transmitirem ordens do PCC para fora da prisão. Ao julgar o pedido, o Tribunal de Justiça determinou que os 14 chefes do PCC fiquem até o dia 11 de fevereiro no RDD. Falta ainda o TJ decidir se acatará outra solicitação: a transferência da cúpula da facção para presídios federais, mais uma forma de desestabilizar a organização.

No mundo do crime, a transferência foi vista como um novo pedido de prisão. No RDD do Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, cada preso passa 22 horas do dia isolado numa cela de 6 metros quadrados, sem acesso a jornais, televisão ou rádio. Tem direito a banho de sol só  de duas horas, sempre sozinho, e visitas de parentes uma vez por semana, sem nenhum contato físico. Esses encontros ocorrem nos parlatórios, separados por grades, vidros e telas. A comunicação é por interfone, como nos filmes policiais americanos. Não há visita íntima.

Foi a remoção de alguns chefes do PCC para o presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau que desencadeou uma das maiores ondas de violência em São Paulo em maio de 2006. Na ocasião, a polícia transferiu os criminosos depois de descobrir os planos da facção de promover uma megarrebelião nos presídios. Ao ser conduzido para depoimento no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), Marcola ameaçou as autoridades. “Não vai ficar barato”, disse. Minutos depois, iniciaram-se ataques orquestrados pela organização que pararam São Paulo. Seus membros se rebelaram em presídios, incendiaram ônibus e alvejaram delegacias. Entre os dias 12 e 21 de maio, 564 pessoas foram assassinadas 505 civis e 59 agentes públicos. Boa parte dos homicídios tinha sinais de execução sumária. Não foram esclarecidos pela Justiça. A matança só parou quando o governo se sentou à mesa para negociar com os bandidos, dentro do presídio.

Além da tensão desencadeada pelo isolamento inédito da cúpula, a segurança pública de São Paulo precisa lidar agora com os desdobramentos da briga nacional entre facções. Em setembro, a cúpula do PCC enviou uma carta, escrita à mão, aos demais integrantes do bando para declarar guerra à facção carioca Comando Vermelho (CV), sua ex-aliada e hoje maior concorrente. Desde outubro, o racha dizimou mais de uma centena de detentos nos presídios no Norte do Brasil. Na tentativa de evitar uma chacina parecida em São Paulo, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do estado transferiu para cadeias neutras 71 presos pertencentes a três facções: CV, Família do Norte (FDN) e Okaid. Ao comentar os massacres no Norte, o secretário da SAP, Lourival Gomes, reconheceu que São Paulo não está livre de motins.

>> Massacres nos presídios revelam a guerra dos facínoras que comandam o crime

 >> O crime está em guerra: as maiores facções brasileiras romperam

Fonte: Revista Época