Adriana Fernandes
Com a troca de comando, governo espera que conselho saia dos holofotes
A transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)
para o Banco Central vai implicar na saída do auditor da Receita
Federal Roberto Leonel Oliveira Lima da presidência do órgão. Não há ainda nenhum nome acertado para assumir o comando do órgão, que
vai se transformar em uma unidade de inteligência financeira do BC com
boa parte dos funcionários do próprio banco. A troca de comando faz parte da solução técnica que o ministro da
Economia, Paulo Guedes, busca costurar para o conflito político de
Poderes em torno do trabalho de investigação do órgão.
Sob o teto do BC, uma autarquia essencialmente de caráter técnico, o que
se espera é que o conflito diminua sem as suspeitas e ataques de todos
os lados envolvidos na disputa e sem a desconfiança de que o Coaf
estaria atuando em favor de grupos específicos. O desenho acertado entre Guedes, o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o
presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, é o de uma
“blindagem” técnica via o projeto de independência do BC, que está em
tramitação do Congresso. Uma medida provisória será editada nos próximos dias para a migração do
Coaf para o BC. No projeto de independência, será dado um passo mais
amplo dessa mudança e reformulação do órgão de controle. [claro que a MP só irá em frente se o 'primeiro-ministro' Maia e seu fiel seguidor, senador Alcolumbre, concordarem.]
Foi o próprio presidente Jair Bolsonaro que antecipou ontem a narrativa
que foi construída para a mudança. “O que pretendemos é tirar o Coaf do
jogo político. Tudo onde tem política, mesmo bem intencionado, sofre
pressão”, avisou o presidente. A questão interessa diretamente a ele, desde que o Estado revelou
relatório do Coaf apontando movimentações financeiras atípicas de mais
de R$ 1,2 milhão na conta de holofotes. Fabrício Queiroz, ex-assessor do filho do
presidente, Flávio Bolsonaro. As conversas para o acerto entre os ministros Guedes e Moro procuraram
diminuir a temperatura da crise de Poderes que chegou ao ápice nesta
semana. A crise já tinha se agravado depois que Roberto Leonel, em entrevista ao
repórter Breno Pires do Estado, afirmou que o sistema de combate à
lavagem de dinheiro no País estava comprometido. Foi uma reação dele à
decisão do presidente do Coaf sob nova direção Dias Toffoli, de
mandar parar investigações que se apoiem em informações bancárias e
fiscais compartilhadas por órgãos de controle. Leonel disse à reportagem
que havia impacto concreto no trabalho do Coaf.
Ao criticar abertamente o STF, Leonel – ex-chefe da área de investigação
da Receita Federal em Curitiba e cérebro do órgão na atuação na
Operação Lato – ficou ainda mais exposto à fritura pública. Sua saída do
comando do órgão, responsável pela prevenção e lavagem de dinheiro,
virou carta marcada na Esplanada dos Ministérios. O cerco ficou insustentável depois de o STF afastar dois auditores
fiscais e suspender os processos autuados contra um grupo de 133
autoridades dos Três Poderes, cônjuges e dependentes. A decisão foi
tomada no âmbito de um inquérito sigiloso de relatoria do ministro
Alexandre de Moraes.
Em outra frente, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou o
repasse das matrículas dos auditores que tiveram acesso a dados fiscais
das autoridades nos últimos cinco anos. Em mais um episódio da crise, a
alta administração da Receita, à revelia do secretário Marcos Cintra, se
uniu e publicou uma carta aberta contra a decisão do STF. [o Marcos Cintra é outro que precisa ir para casa por estar atrapalhando, também, o governo Bolsonaro - tem uma obsessão:
trazer de volta a CPMF, que Bolsonaro, ingenuamente ou por estratégia, diz que não voltar, já que virá sob outro nome.]
Os movimentos do Supremo e do TCU causaram revolta entre os servidores
da Receita e são vistos como uma tentativa de barrar investigações do
órgão que tem levado a descobertas envolvendo autoridades públicas. Eles
enxergam uma ofensiva desde a revelação do Estado de que a Receita
criara um grupo especial para investigar agentes públicos, entre eles ministros do próprio Supremo. Sob nova direção, o que o governo espera é que o Coaf saia dos
holofotes. O que continua no radar e em plena fermentação é a crise da
Receita Federal. Essa, sim, ainda mais grave e perigosa do que qualquer
outra.
Adriana Fernandes - O Estado de S. Paulo