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sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Quem decide sobre aborto é o povo - O Estado de S. Paulo

Opinião do Estadão

Não há nada na Constituição que deslegitime a legislação vigente nem que impeça sua mudança.Mas alteração manejada pelo Judiciário seria intolerável violação da soberania popular

A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), pautou para hoje o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442, interposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2017, com a pretensão de que a Corte declare a inconstitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal e descriminalize a interrupção da gravidez até a 12.ª semana de gestação. Quando a ação foi ajuizada, Rosa Weber, sua relatora, afirmou que o tema precisava de “amadurecimento”, mas prometeu que o tribunal não deixaria a sociedade sem resposta. À época, como agora, contudo, a única resposta que a sociedade espera da Corte é que ela respeite a decisão dessa mesma sociedade.

Os termos da disputa sobre o aborto são bem conhecidos. Resumidamente, os favoráveis alegam o direito das mulheres de dispor do próprio corpo. 
Sem negar essa liberdade, os contrários afirmam que ela termina quando começa o direito à integridade de outro corpo, no caso do nascituro. [ditado antigo, válido,  sempre atual e correto: "O seu direito termina onde começa o do outro".] 
Cada um é livre para advogar quem deveria ter direito a quê. 
O que é incontroverso é que, num Estado Democrático de Direito, quem determina quem efetivamente tem direito a que é o povo, seja indiretamente, através de seus representantes eleitos, seja diretamente, através de plebiscito.

A determinação em vigor, consagrada pelo Legislativo no Código Penal de 1940, estabelece a prevalência do direito à vida do feto em detrimento do direito de escolha da mulher, exceto quando a gravidez é não só indesejada, mas forçada (estupro), ou quando há risco de vida da gestante. Posteriormente, o STF autorizou o aborto de fetos anencefálicos, dada a inexistência de expectativa de vida extrauterina.

A Constituição não dispôs especificamente sobre o aborto. Não se trata de descuido do Poder Constituinte. 
Sua decisão foi delegar ao legislador infraconstitucional a competência sobre o tema, mas, ao assegurar a inviolabilidade do direito à vida, recepcionou a tipificação dos crimes contra a vida do Código Penal. 
Para contornar esse inconveniente, o PSOL pariu a hermenêutica bastarda de que o ser humano, antes de nascer, não teria direitos fundamentais, porque não seria uma “pessoa constitucional”, só uma “criatura humana intrauterina”. O Código Civil, porém, estabelece que “a personalidade civil da pessoa começa no nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Um eventual deferimento da ação traria como consequência incontornável o acréscimo de mais uma excludente de ilicitude às já estabelecidas na lei. Ou seja, o Judiciário estaria legislando, em flagrante violação à prerrogativa do Legislativo.

A única resposta cabível da Corte à ação deveria ter sido dada já em 2017, pela própria Rosa Weber: negar conhecimento para que a questão fosse tratada pelo Poder Legislativo.  
De lá para cá, intensificaram-se, frequentemente com razão, as críticas ao Judiciário por intrometer-se na competência dos outros Poderes. 
Agora, a Corte tem mais uma vez a oportunidade concreta de demonstrar respeito ao princípio da separação dos Poderes
Mas o risco de que, mais uma vez, o desrespeitará não é pequeno.

De fato, alguns ministros até se anteciparam. Já em 2016, num caso pavoroso de teratologia jurídica, o ministro Luís Roberto Barroso extrapolou o objeto de um julgamento sobre um habeas corpus e extraiu a fórceps da Constituição um período de três meses de gestação dentro do qual o aborto não seria ilegal, no que foi seguido por Edson Fachin e pela própria Rosa Weber.

Não há nada na Constituição que deslegitime a legislação vigente. Tampouco há algo que impeça a sua eventual mudança. 
O aborto pode ser legalizado, assim como a sua proibição pode ser constitucionalizada, e inclusive há várias propostas num sentido e no outro tramitando no Congresso. 
Nesse debate, cada 1 dos 11 ministros do STF certamente tem sua convicção sobre o que deve ou não ser normatizado. Mas essa convicção vale exatamente o mesmo que a de cada um dos mais de 150 milhões de eleitores brasileiros, não menos e, sobretudo, não mais.
 
Notas & Informações - O Estado de S. Paulo
 
 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Ratinho sugere eliminar ‘com metralhadora’ deputada do PT; parlamentar vai acionar justiça

O Globo

Incitação à violência

O apresentador Ratinho sugeriu em um programa de rádio que a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) deveria ser "eliminada com o uso de uma metralhadora". Ele disse ainda para a parlamentar ir “lavar” e “costurar” as roupas e cuecas de seu marido. Bonavides afirmou que irá acionar o apresentador judicialmente. 

Ratinho fez os ataques a Bonavides por conta de um projeto de lei apresentado recentemente por ela que pretende tirar a expressão "marido e mulher" da celebração do casamento no Código Civil. A proposta prevê a troca dos termos por uma sentença neutra que torne as cerimônias mais igualitárias. [comentando: a desimportância do projeto de lei apresentado pela parlamentar, suscita dúvidas se ela tem competência para executar as tarefas sugeridas pelo apresentador.]

Lourival Ribeiro

"Natália, você não tem o que fazer, não? Você não tem o que fazer, minha filha? Vá lavar roupa. Costurar a calça do teu marido, a cueca dele, porque isso é uma imbecilidade... esse tipo de coisa. A gente tinha que eliminar esses loucos. Não dá para pegar uma metralhadora?", disse o apresentador no programa de rádio "Turma do Ratinho". [a frase que a parlamentar classifica como ameaça é por demais genérica, o que impede seja tipificada como crime; 
além do mais a petista tem mais é que agradecer ao Ratinho, que ao supostamente criticá-la lhe deu alguma visibilidade - tudo indica a petista é daquele tipo de político que as pessoas até esquecem e/ou se arrependem do voto que lhe deram.]

A parlamentar usou as redes sociais para rebater as agressões verbais do apresentador. A petista afirmou ainda que irá denunciar na justiça as ofensas feitas pelo apresentador. “Essas ameaças e ataques covardes não ficarão impunes. O apresentador utilizou uma concessão pública para cometer crime. Vamos acioná-lo judicialmente, inclusive criminalmente”, completou a deputada federal.

Sonar - O Globo


segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Fake news, injúria e conspiração - Fernando Gabeira

Em Blog

Decretaram minha morte e reclamam por eu não ter levado a sentença a sério 

sábado, 28 de dezembro de 2019

A ROUBALHEIRA DOS BANCOS GARANTIDA NO GOVERNO LULA - Sérgio Alves de Oliveira



Segundo dados oficiais do Banco Central do Brasil, de 30  de outubro de 2019, os juros médios do mercado nas operações de crédito, no cheque especial ,e no rotativo do cartão de crédito, girava em torno da exorbitância de 86,7 % ao ano, não computados outros custos. [considerando a CET anual, a do Banco do Brasil e outros bancos -  privados - o total anual dos custos do  cheque especial ultrapassam os  300% a,a;
a CEF, para clientes com algum conceito, o mesmo total oscila entre o 50% a 90% a.a - variando conforme o conceito do correntista.
Os do cartão de crédito estão sempre em torno dos 300% - considerando sempre a CET.
Como é praxe no Brasil - um dos poucos países do mundo em que quanto mais a medicina progride em termos de diagnóstico, uso da IA, mais cara se torna, quando o esperado, e que ocorrem em outros países, é baixar os custos - os clientes que desfrutam de taxas mais baixas, são exatamente aqueles que raramente usam o cheque especial ou o rotativo do cartão de crédito.]
Mas enquanto essa “ladroeira” dos bancos acontece, por exemplo, a Fundação Atlântico de Seguridade Social, entidade fechada de previdência privada e  complementar, que se mantém aplicando  o seu patrimônio no mercado  ,com o objetivo de  lucros, destinados  à dar cobertura aos  benefícios previdenciários complementares assegurados  aos  seus participantes, oferece-lhes empréstimos à razão de 11,8 % ao ano.

Para exemplificar, na hipótese da contratação de empréstimo pessoal de   R$ 10.000,00 reais, durante 12 meses, os bancos acabarão cobrando R$ 13.799,00, enquanto a Fundação Atlântico cobrará apenas R$ 10.608,00, ou seja, R$ 3.191,00 a MENOS.

E por que a situação chegou a esse ponto ? 
Por que os bancos podem “roubar” tanto?
Por que a esquerda  falseia nos seus discursos, usando  o pobre como bandeira dando-lhe alguma esmola para “acomodá-lo”, e quando se torna governo trabalha só para os ricos, especialmente  banqueiros?
Qual a razão da verdadeira “correria” de todos os grandes bancos do mundo para abrirem  agências no Brasil, durante os governos do PT?  Não  teria sido  a “generosidade”  governamental  , que assegurou-lhes lucros como  em nenhuma outra parte do mundo? 

“Matando-a-cobra-e-mostrando-o-pau”:
A primeira limitação da cobrança de juros no Brasil  deu-se em 1933, no Governo de Getúlio Vargas, com a chamada “lei da usura”,que na verdade se tratava do Decreto Nº 22.623,de 07.04.33,cujo artigo 1º estabelecia : “É vedado...estipular  em qualquer contrato taxa de juros superiores ao dobro da taxa legal”.
Nessa época (1933), a chamada “taxa legal” era contemplada no Código Civil de 1916, pelo seu artigo 1062, onde o teto da cobrança de juros  era estabelecido de 6% ao ano.
Pelo  disposto na “lei de usura”,portanto, o máximo de juros que poderia  ser cobrado nos contratos era de 12% ao ano.
Mas esse limite sempre foi “driblado” pelos bancos, que usavam de mil subterfúgios para escaparem  desse limite, cobrando  sempre mais que 12% ao ano.

Atendendo a “gritaria” geral, a Constituição de 1988 inseriu no seu texto o limite da  “lei da usura”, fixando no seu artigo 192,parágrafo terceiro: “As taxas de juros reais,nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações, direta ou indiretamente  referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a 12% ao ano; a cobrança acima desse limite será considerada como crime de usura, punido,em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar”.

Mas mesmo após a Constituição de 88, os banqueiros continuaram cobrando mais que 12% ao ano, o que gerou diversas demandas judiciais. Mas com a vitória do PT, em 2003 (Lula da Silva), os banqueiros também saíram vitoriosos. Cinco meses após a posse de Lula, providenciaram uma reforma na Constituição, riscando do mapa o parágrafo terceiro do art. 192 da CF, que limitava a cobrança de juros em 12% ao ano. Foi com a Emenda Constitucional Nº 40, de 29.05.2003. A partir daí os banqueiros ficaram livres para cobrar o que bem entendessem. Foi o início da “correria” de todos os bancos do mundo para instalarem agências no Brasil “do PT”.
Deu para entender os porquês dos  banqueiros serem tão “agradecidos” e “generosos” com o PT?

Sérgio Alves de Oliveira - Advogado e Sociólogo

sábado, 14 de setembro de 2019

A Lei da Anistia - Eros Roberto Grau

O Estado de S.Paulo
Há episódios que não podem ser esquecidos, mas os juízes não fazem justiça, são servos da lei

São Paulo, 31 de janeiro de 2010. No dia seguinte voltaríamos a Brasília, eu ao Supremo Tribunal Federal (STF). Almoçávamos num restaurante ao lado de nosso apartamento em São Paulo, minha mulher e eu, nossa conversa girando em torno da decisão que eu planejava tomar assim que lá chegasse, a decisão de me aposentar. Então, de repente, eu lhe disse que, se então me aposentasse, anos depois diria a mim mesmo que isso fizera para fugir do encargo de relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153.

Uma entrevista minha publicada aqui, no Estadão, em 28 de agosto (A14), levou-me agora a relembrar o passado. Ir de volta a ele, 2010, relembrando-o - o passado -, foi fundamental para que eu decidisse deixar o tribunal somente após o julgamento desse processo. Antes de tudo, talvez, um episódio que suportei em 1970 - quando estive preso no DOI/Codi, de lá saindo pelas mãos de Dilson Funaro e Abreu Sodré -, episódio que há de ter levado advogados autores dessa ADPF a um desastrado equívoco. À suposição de que por conta desse episódio eu me comportaria não como magistrado fiel cumpridor do Direito Positivo, mas pretendendo a ele retornar e vingar o passado.

Tentei durante todo o tempo em que exerci a magistratura ser conduzido pela phronesis aristotélica. Reafirmando que juízes e tribunais são vinculados pelo dever de aplicar as leis. Dever de praticar prudência, produzir jurisprudência, e não arte ou ciência. Como reafirmei aqui mesmo, em artigo publicado na edição de 12 de maio de 2018, fazer e aplicar as leis (lex) e fazer justiça (jus) não se confundem. Assim procedi como relator da ADPF 153. Como um autêntico juiz, não como ator diante de câmeras de televisão. Convicto de que os juízes não fazem justiça, são servos da lei.

Lendo O Ser e o Nada dou-me conta de que a eles se aplica o quanto Sartre diz da conduta do garçom de um café, que executa uma série de gestos solícitos para atender o cliente, traz o pedido até a mesa equilibrando a bandeja, etc. Exatamente assim são os juízes ao cumprirem o papel que a Constituição lhes atribui. Podem ser tudo, no sentido de que não são perpetuamente juízes. Mas enquanto juízes hão de exercer, representar seu papel nos termos da Constituição e da legalidade. Não o que são quando cumprem outros papéis - de professor, artesão ou jardineiro, por exemplo - e se relacionam com os outros ou consigo mesmo. Enquanto não estiverem a judicar, poderão prevalecer os seus valores. Como juízes, contudo, hão de submeter-se à Constituição e às leis, unicamente nos seus quadros tomando decisões.

Tenho agora em minhas mãos o voto que proferi na inesquecível sessão do STF, em abril de 2010, de onde recolho trechos que me permito a esta altura relembrar.

O artigo 1.º da Lei 6.683/79 concedeu anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, seu parágrafo 1.º definindo como conexos “os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.

No Estado Democrático de Direito o Poder Judiciário não está autorizado a dar outra redação, diversa da nele contemplada, a qualquer texto normativo. Cabe bem lembrarmos, neste passo, trecho do voto do ministro Orozimbo Nonato no Recurso Extraordinário Criminal 10.177, julgado em 11 de maio de 1948: “Ao Poder Judiciário cabe apenas o encargo de interpretar a lei que traduz a anistia, sua extensão e alcance quanto aos fatos e às pessoas. No que tange ao mais, nada lhe cumpre fazer”.

A anistia da Lei de 1979 foi reafirmada no texto da Emenda Constitucional (EC) 26/85 e pelo poder constituinte da Constituição de 1988. Todos, estão todos como que (re)anistiados pela emenda, que abrange inclusive os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. Por isso não tem sentido questionar se a anistia, tal como definida pela lei, foi ou não recebida pela Constituição de 1988. Pois a nova Constituição a (re)instaurou em seu ato originário. A norma prevalece, mas o texto - o mesmo texto - foi sobreposto por outro. O texto da lei ordinária de 1979 resultou substituído pelo texto da emenda constitucional, que a constitucionalizou.

A EC 26/85 consubstancia a ruptura da ordem constitucional que decaiu no advento da Constituição de 5 de outubro de 1988. Daí que a reafirmação da anistia da lei de 1979 já não pertence à ordem decaída. Está integrada na nova ordem. De todo modo, se não tivermos o preceito da lei de 1979 como ab-rogado pela nova ordem constitucional, estará a coexistir com o § 1.º do artigo 4.º da EC 26/85, existirá a par dele (dicção do § 2.º do artigo 2.º da Lei de Introdução ao Código Civil).

Afirmada a integração da anistia de 1979 na nova ordem constitucional, sua adequação à Constituição de 1988 resulta inquestionável. A nova ordem compreende não apenas o texto da Constituição nova, mas também a norma-origem. No bojo dessa totalidade - totalidade que do novo sistema normativo - tem-se que (é) concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos” praticados no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

Ao fim destas linhas, lembrando o que afirmei ao final do voto que proferi no julgamento da ADPF 153, é necessário dizermos, vigorosa e reiteradamente, que a decisão pela sua improcedência não exclui o repúdio a todas as modalidades de tortura, de ontem e de hoje, civis e militares, policiais ou de delinquentes. Há episódios na nossa vida que não podem ser esquecidos, mas os juízes - repito - não fazem justiça, são servos da lei.

Eros Roberto Grau, advogado, professor titular aposentado e ministro aposentado do STF - O Estado de S. Paulo

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Justiça absurda

De onde tiraram que nadar numa piscina,  para a qual não se paga,  é manter a dignidade? 

Coluna publicada em O Globo - Economia 30 de maio de 2019
 
O caso: moradora de um condomínio no Guarujá, litoral de São Paulo, e seus filhos foram proibidos de frequentar a piscina, o salão de festas e a brinquedoteca. Motivo: inadimplência, dívida já chegando a R$ 290 mil. O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça, 4ª. Turma. O relator, ministro Luís Felipe Salomão, observou no seu voto: “Não há dúvida de que a inadimplência vem gerando prejuízos ao condomínio….(a moradora) está inadimplente desde 1998 …. E os autores possuem bens suficientes, em valores que superam os R$ 2,5 milhões”.

A ministra Isabel Gallotti acrescentou: “Quando se vive em condomínios, a inadimplência causa vários transtornos”. E manifestou sua “perplexidade”, isso mesmo, “perplexidade”, que a inadimplente possa usar áreas que demandam manutenção cara. Na mesma direção, o ministro Marco Buzzi, cravou: “Para usar essa piscina, esse direito todo, alguém tem de pagar”.
Para uma pessoa normal, a decisão estava tomada.  Mas a justiça brasileira não é normal.

Acreditem: por unanimidade, o STJ decidiu que o condomínio não poderia impor aquelas restrições. Ou seja, eis a superior decisão: embora cause prejuízo a todos os demais moradores, embora cause perplexidade, embora pegue uma carona grátis, o condômino inadimplente tem direito de usar todos os benefícios do condomínio, mesmo que não pague por isso há 21 anos. Como disse o ministro Buzzi, “alguém tem de pagar”. E o STJ mandou a conta para os trouxas que pagam em dia.  O argumento: a restrição ao uso da piscina viola o direito de propriedade e a dignidade humana.

Mas o Código Civil diz que o condômino inadimplente não tem direito de participar nem de votar nas assembleias. Claro que se trata de um limite ao direito de propriedade. Só que essa norma tem que ser interpretada “restritivamente”, observou o relator. Então, ficamos assim: negar o direito do inadimplente de votar nas assembleias dos proprietários, tudo bem. Negar o sagrado mergulho na piscina paga pelos outros, aí trata-se de uma afronta ao direito de propriedade e à dignidade humana.

Sei que muitos leitores devem estar pensando: onde está a pegadinha? A pegadinha é a imensa insegurança jurídica que persiste no Brasil. Isso inclui desde as instâncias e o tempo que os tribunais tomam para resolver o caso vem de 1998, foi parar na STJ e ainda não terminou até o teor das decisões que não resistem à mais simples lógica.
Vamos falar francamente: numa justiça minimamente eficiente e garantidora do cumprimento das leis e dos contratos, esse caso não passaria do primeiro passo. Imagino o juiz, perplexo: a senhora nunca paga o condomínio e quer que a justiça lhe garanta o direito de nadar na piscina dos outros que pagam?

Não se trata de um caso fora do padrão. A Justiça brasileira manipula o conceito de direito de propriedade com frequência, passando por cima de leis e contratos, com o objetivo de “fazer justiça” objetivo vago, que varia conforme a orientação doutrinária e ideológica do juiz.  Dignidade humana justifica tudo. De onde tiraram que nadar numa piscina particular, para a qual não se paga, é manter a dignidade? Não faz muito tempo, o mesmo STJ dizia que o dono de uma loja não poderia dar desconto ao cliente que pagasse em dinheiro. Precisou o Congresso Nacional aprovar uma lei nova – uma das leis mais ridículas – dizendo que comerciante e comprador poderiam negociar o preço livremente.

E nem é bom lembrar disso. É bem capaz de alguma corte declarar que essa lei é ilegal.  E tem outras trouxas nessa história: os contribuintes brasileiros que pagam seus impostos regularmente, impostos que financiam a Judiciário – onde se encontram os maiores salários do funcionalismo. [recentemente, aqui em Brasília, o mesmo STJ, decidiu que uma moradora contrariando a convenção do condomínio, aprovada por 90% dos morados, tinha o direito de criar um gato em seu apartamento. Que sentido tem realizar assembleia, aprovar por folgada maioria uma convenção de condomínio, e uma decisão da Justiça 'rasgar' a convenção?
A propósito, nada tenho contra os gatos, tenho gato e cachorro em minha casa.
 
No STF
E por falar nisso, o Supremo Tribunal Federal deve decidir hoje se a Petrobras, uma empresa pública colocada no mercado, tem o direito de vender uma subsidiária transportadora de gás.
Isso mesmo: um caso de Suprema Corte, como se não tivesse mais nada para resolver.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista


 

 

 


domingo, 3 de setembro de 2017

UTILIDADE PÚBLICA: [Dúvida] Meu marido faleceu e deixou dívidas de empréstimo. Sou obrigada a pagar?

"Meu marido faleceu e deixou apenas a casa que moro com meu filho de 16 anos, além disso, irei receber pensão por morte.  

Só que ele tinha cartão de crédito e empréstimos consignados. Sou obrigada a pagar o cartão de crédito e os empréstimos?" 

 Segundo o Art. 943. do Código Civil "O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança."

Nesse caso todos os passivos em nome de de cujos irão fazer parte do inventário e serão abatidas dos ativos antes da transmissão definitiva aos herdeiros.

Art. 1.997. "A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube."

Ou seja, somente os bens e valores transferidos a título de herança devem ser utilizados para o pagamento de dívidas contraídas antes do falecimento do autor. Os bens pessoais dos herdeiros não sofrem qualquer constrição, somente os correspondentes ao seu quinhão.

Art. 1.792. "O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados."

A pensão por morte não é considerada como herança, portanto, não pode sofrer descontos decorrentes de empréstimos consignados.

"Além disso, os herdeiros somente respondem pelas dívidas do falecido nos limites da proporção da herança que lhes couber (art. 1.997 do Código Civil). No caso, não há qualquer justificativa legal para a responsabilização do patrimônio da autora pelos débitos do de cujus (pecúlio por morte e pensão)."


Por: Rodrigo Xavier

Em linguagem menos técnica: 

Todos os bens que o falecido possuía e as dívidas vão fazer parte do inventário. Até a partilha é a parte dos bens deixados que responde pela dívida, ou seja, o espólio.

Quando já tiver sido dividido tudo entre os herdeiros(viúva e filho), a esposa e o filho só devem pagar a dívida até o valor que receberam de herança. Se a herança não der para pagar a dívida toda ela vai ficar sem quitação e não tem como ser cobrada.


A pensão, como não é considerada herança, não responde pelas dívidas e a casa como é o único bem deixado, provavelmente vai ser considerada bem de família e, portanto, não pode ser penhorada para pagar a dívida, com algumas exceções, que não é o caso em análise, já que as dividas eram de cartão de crédito e empréstimo consignado. 


Além disso, se o regime de casamento for o da comunhão parcial metade da casa já era da esposa, então a herança seria só metade da casa. 

Por: Rosana Netto

Fonte:  Jus Brasil

 

sábado, 20 de maio de 2017

UTILIDADE PÚBLICA - Afinal, o que muda com a equiparação de Cônjuge e Companheiro para fins de sucessão?

Esclarecimentos sobre a decisão do STF que colocou fim a distinção do regime sucessório entre cônjuges e companheiros.

No último dia 10 de maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, dispositivo esse que estabelece diferenças entre companheiro e cônjuge nos direitos sucessórios.

Isso quer dizer que os mesmos direitos relativos à Sucessão de bens aplicados ao cônjuge, estendem-se aos companheiros, ou seja, aquelas pessoas que vivem em união estável, de modo que não será observado o disposto no artigo 1.790 do Código Civil, o qual apresentava certas restrições, conferindo menos direitos sucessórios aos companheiros.
Importante mencionar que a equiparação entre cônjuges e companheiros para fins de sucessão se aplica também para Uniões Homoafetivas, o que representa grande avanço em nossa sociedade.

Dessa maneira, para fins de repercussão geral, nos processos em que se foi decido nesse sentido (Recursos Extraordinários nº 646721 e 878694), restou aprovada a seguinte tese:
“No sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil.”
Nesse passo, importante se faz a diferenciação dos regimes sucessórios do cônjuge e companheiro, comparando-se os artigos 1829 e 1790 do Código Civil:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.
A primeira diferença é que o companheiro ficava restrito a herdar somente os bens adquiridos de maneira onerosa na vigência da união estável, ressalvados aqueles bens que o companheiro possuiu devido à meação. 

Dessa maneira, é possível concluir que o referido artigo 1790 do Código Civil exclui da sucessão qualquer bem que foi adquirido gratuitamente pelo de cujus, bem como os bens onerosamente adquiridos em período anterior à união estável.

A segunda diferença consiste no fato de que, de acordo com a vocação hereditária prevista nos dois artigos acima transcritos, o quinhão a ser recebido pelo companheiro é inferior ao que lhe seria de direito se acaso esse fosse casado com o falecido.

Para esclarecer a diferença entre os dois regimes de sucessão, entre cônjuges e companheiros, imaginemos o seguinte exemplo, o qual demonstra como eram mais limitados os direitos sucessórios dos companheiros:

Maria conviveu em união estável com o João, que faleceu. João tinha um filho, que não era filho de Maria. Os bens patrimoniais de João eram: R$ 100.000,00 (cem mil reais), na qualidade de bens particulares e mais R$ 100.000,00 (cem mil reais), na qualidade de bens adquiridos onerosamente na constância da união estável com Maria (bens comuns).
Partilha de acordo com o artigo 1.790 do Código Civil:
- Ressalvado a meação, ou seja, metade dos bens adquiridos na constância da união estável (regime da comunhão parcial de bens – artigo 1.725 do Código Civil), Maria teria direito, a título de sucessão (herança), a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) dos bens comuns;
Partilha de acordo com o artigo 1.829 do Código Civil:
- Ressalvada a meação, ou seja, metade dos bens adquiridos na constância do casamento, Maria terá direito, a título de sucessão (herança), a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) dos bens particulares.
Conclui-se que o STF sustentou que o artigo 1.790 do Código Civil não encontra respaldo na Constituição Federal, uma vez que considerou tal norma discriminatória dos diferentes tipos de família, chegando até a violar o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por fim, entendeu-se pertinente modular os efeitos da aplicação do recente posicionamento firmado pela Suprema Corte, reduzindo a insegurança jurídica, de maneira que a equiparação entre cônjuges e companheiros quanto à linha sucessória, terá aplicação nos processos judiciais em que ainda não ocorreu o trânsito em julgado da partilha e nas demais partilhas extrajudiciais, nas quais não tenham sido lavrada escritura pública.

Texto produzido por Carlos Eduardo Borges de Freitas Filho, OAB/SP 343.251.
http://www.borgespansani.com.br/2017/05/afinaloque-muda-com-equiparacao-de.html


Fonte: JusBrasil