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terça-feira, 11 de outubro de 2022

O que o cardeal Ratzinger realmente disse sobre o voto em políticos abortistas - Gazeta do Povo

Vozes - Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Eleições

O cardeal Joseph Ratzinger, papa emérito Bento XVI,  em foto de 1998: documento enviado a bispos dos EUA tem orientações sobre políticos pró-aborto e sobre a responsabilidade de eleitores.| Foto: Jesus Diges/EFE

O Franklin Ferreira, colunista da Gazeta do Povo
, me chamou a atenção dias atrás para uma imagem que vem circulando pelas mídias sociais. Tem a foto do papa Bento XVI e, abaixo dela, a frase:
“Um católico será considerado culpado por cooperar com o mal, e não poderá receber a comunhão, se votar em um candidato político que é a favor da eutanásia e/ou do aborto.

Suspeitei um pouco, especialmente porque não havia citação alguma de fonte, e porque sei que a posição da Igreja não é exatamente esse preto no branco. Fomos os dois caçar a origem da frase, e o Franklin descobriu o mesmíssimo texto na Folha de S.Paulo, por ocasião da eleição de Joseph Ratzinger para o pontificado. Primeira informação importante: a frase, portanto, era do então cardeal Ratzinger, não do seu período como papa. Mas, como ainda não havia a fonte ali, seguimos procurando e finalmente chegamos a um memorando enviado em 2004 ao então cardeal-arcebispo de Washington (e hoje leigo) Theodore McCarrick, chamado Worthiness to receive Holy Communion: general principles.

O contexto do documento era a disputa eleitoral que ocorria naquele ano entre o republicano George W. Bush, que buscava a reeleição, e o democrata John Kerry, católico favorável ao direito ao aborto
Já àquela época o episcopado americano se digladiava sobre a possibilidade de políticos abortistas receberem a comunhão. 
O texto assinado pelo cardeal Ratzinger é bem claro a esse respeito: o bispo deve chamar o político para uma conversa, adverti-lo de que sua posição é frontalmente contrária ao ensinamento católico e que, se não houver uma mudança de postura, esse político não deve entrar na fila da comunhão. Se mesmo assim ele continuar insistindo em receber a Eucaristia, o ministro deve negá-la. Essa é a regra, por mais que os Cupichs, os Wuerls e os McElroys da vida não gostem dela.


O eleitor que vota em um candidato abortista exatamente porque ele é abortista não pode receber a Eucaristia porque sua cooperação com o mal do aborto é intencional. Mas e o eleitor que vota em um abortista por outros motivos, discordando dele nesta questão?

Mas essa é a regra para os políticos. E para os eleitores? Quanto a isso, o documento traz uma nota final que tem muito mais nuances que a “versão brasileira” publicada pela Folha em 2005 e hoje republicada como argumento eleitoral:  “Um católico será culpado de cooperação formal com o mal, e assim indigno de receber a Sagrada Comunhão, caso vote deliberadamente em um candidato precisamente por sua posição permissiva sobre aborto e/ou eutanásia. Quando um católico não compartilha das posições do candidato favoráveis ao aborto e/ou eutanásia, mas vota no candidato por outros motivos, isso é considerado cooperação material remota, que pode ser permitida na presença de motivos proporcionais.”

Esclarecendo uns conceitos, em primeiro lugar: há diferentes graus de cooperação com o mal. Ela pode ser formal (a participação direta no ato imoral, compartilhando da sua intenção) e material (a cooperação sem a intenção); esta última, por sua vez, divide-se em imediata (a colaboração com o ato propriamente dito) e mediata (quando não se participa do ato, mas se cria as condições para que o mal seja praticado), próxima ou remota (no tempo ou na conexão material). Além disso, há a distinção entre colaboração ativa (quando se participa do ato imoral) ou passiva (um ato de omissão que permite o cometimento da ação má), que por sua vez também pode ser formal ou material, imediata ou mediata, próxima ou remota etc. Como isso se aplica no caso do eleitor que vota em abortista?

O primeiro caso é o do eleitor que vota em abortista exatamente porque ele é abortista. Com esse não tem conversa, ele não pode receber a Eucaristia porque sua cooperação com o mal do aborto é formal, ou seja, intencional e a cooperação formal nunca é lícita, como afirma o próprio documento do cardeal Ratzinger
É o que Joe Biden tem pedido, por exemplo, para essas midterms pós-derrubada de Roe v. Wade: que as pessoas votem em candidatos pró-aborto porque só assim o Congresso poderá passar uma lei federal legalizando novamente a matança de nascituros. 
Um eleitor católico norte-americano que siga o conselho de Biden está pecando com toda a certeza.

Mas existe um segundo caso, o do eleitor que discorda do candidato em relação ao aborto, e vota nele apesar do seu abortismo, escolhendo-o por outros motivos. Isso ainda é cooperação com o mal, mas uma cooperação material (não intencional) e remota, e esta pode ser lícita se houver motivos para tal.

Corta para 2022, e o leitor haverá de perguntar: mas que “motivos proporcionais” pode haver para se votar no Lula? 
Essa é uma resposta que só um católico defensor da vida e eleitor do Lula pode dar; eu não sou essa pessoa, porque não voto em abortista. Mas tenho alguns chutes. Acho possível que mesmo um pró-vida convicto tenha analisado o cenário e ache que Bolsonaro seja um mal maior, considerando o conjunto da obra; ou que o abortismo do Lula será compensado pelo perfil mais conservador do Congresso, que não vai deixar passar nada nesse sentido; ou, ainda, pode considerar positivas outras plataformas do Lula e concluir que os prós valem mais que os contras. Se a pessoa está certa ou não a esse respeito é outro assunto – nosso editorial deste domingo, aliás, explicou como o presidente da República pode ignorar o Congresso para promover o aborto, caso queira.

A moral da história é que, se a pessoa realmente concluiu haver “motivos proporcionais” para votar em um abortista como o Lula apesar do abortismo, vai lá e, de acordo com a sua consciência, aperta o treze-confirma, eu posso até dizer que a consciência desse eleitor não está lá tão bem formada quanto ele julga estar, mas não posso acusá-lo de pecado. Burrice, imprudência, pode ser muita coisa, mas pecado não. Eu é que não serei fiscal da consciência alheia, cada um que busque formá-la da melhor maneira possível (e Ratzinger também escreveu a esse respeito) e se resolva com Deus a esse respeito.

“Opção beneditina” é isolamento voluntário; mas talvez o isolamento forçado venha antes

Se você não leu a coluna de quarta passada do Flavio Gordon, leia. Ele mostra como nenhum regime revolucionário começou fechando igrejas; essa “costuma ser a última etapa num processo em que as fases anteriores são, normalmente, a violência simbólica (retórica) e, em seguida, o assédio administrativo, burocrático e judicial (cobrança de impostos, fiscalização abusiva, cassação de licenças de funcionamento, recusa de alvarás, exigências burocráticas draconianas etc.)”.   
A coluna tinha o objetivo de descrever como funcionou o constrangimento institucional, aquele aplicado às igrejas, mas há uma outra frente de perseguição, que é aplicada aos indivíduos. 
É algo que Rod Dreher descreve muito bem em seu A opção beneditina, que eu li ainda antes de o livro ganhar edição brasileira.


O livro é interessante e muito instigante; acho que o diagnóstico é certeiro, embora ainda tenha dúvidas quanto ao receituário – ainda acredito na “Escrivá option” (só tenha em mente que este artigo da Crisis foi publicado em resposta a uma concepção inicial da “opção beneditina”; o livro já é uma versão mais refinada do argumento de Dreher). Mas, quando vejo algumas notícias por aí, fico me perguntando se a solução proposta por Dreher, que os cristãos se “isolem” de uma sociedade cada vez mais hostil a eles, não nos acabará imposta em vez de adotada por nossa livre e espontânea vontade.

Li no Crux sobre a reação do arcebispo de Melbourne, na Austrália, à decisão de um time local de futebol australiano (nem sei bem como se joga isso, mas parece que os bispos católicos de lá gostam do esporte; o cardeal George Pell vivia comentando os jogos no diário escrito durante sua prisão) de forçar um CEO recém-contratado a deixar o time. Andrew Thorburn também é membro do conselho de uma igreja protestante chamada City on a Hill, e, após sua nomeação como CEO do Essendon Football Club, ressuscitaram sermões de 2013 daquela igreja em que se criticava o aborto e o comportamento homossexual. O clube concluiu que Thorburn não podia ser ao mesmo tempo membro do conselho da igreja (posição que ele nem tinha em 2013, aliás) e CEO do time.

Pelo andar da carruagem, daqui a pouco cristãos convictos não terão mais lugar em nenhuma equipe esportiva

“É ultrajante que uma pessoa boa tenha sido forçada a escolher entre um papel público de liderança e sua participação como membro ativo de uma comunidade cristã”,
disse o arcebispo Peter Comensoli. “Isso já não é sobre respeito à diversidade. Lamento pelos jovens que sonham com uma carreira no futebol ou outros esportes, e que agora perguntam se sua fé atrapalhará seu progresso. Penso nas famílias que vêm apoiando o clube de longa data, e agora se perguntam se suas crenças são aceitáveis para quem comanda o clube ao qual elas pertencem ou que elas patrocinam”, disse o arcebispo, que se declarou torcedor dos “Bombers” desde o primeiro dia em que chegou a Melbourne, mas que agora procurará outro time para torcer.

Não é o primeiro caso desse tipo. Em 2019, Israel Folau foi desligado da seleção australiana de rugby e do time que defendia na liga daquele país por causa de comentários sobre comportamento homossexual e união homoafetiva (hoje, ele joga na liga japonesa e defende a seleção de Tonga). E fico pensando aqui que, pelo andar da carruagem, daqui a pouco cristãos convictos não terão mais lugar em nenhuma dessas equipes esportivas, e serão forçados a criar seus próprios times. 

Mas, claro, as ligas locais não permitirão que tais times participem dos seus campeonatos, o que os forçará a organizar os próprios torneios. E aí teremos “ligas cristãs” pelos mesmos motivos pelos quais havia negro leagues de beisebol até o fim dos anos 40 do século passado nos Estados Unidos. E, com sorte, lá por 2080 ou 2090 teremos manchetes como “Fulano é o primeiro jogador cristão em décadas a assinar contrato com um time da liga nacional profissional”...

Marcio Antonio Campos, editor Gazeta do Povo - VOZES

 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Sínodo da Amazônia

Se a soberania nacional não for defendida, tornar-se-á refém da esquerda religiosa

Pensar a Amazônia, em termos internacionais, como se fosse uma mera discussão neutra, desprovida de caráter político, ou melhor, geopolítico, é uma grande ingenuidade. Alguns escondem seus reais propósitos numa retórica aparentemente moral e universal, tendo como fundamento questões ambientais, indígenas ou quilombolas; outros são mais diretos, procurando retirar do Brasil a soberania de uma fatia de seu território. Uns e outros partem de uma mesma ideia de “universalidade”, devendo nosso país se curvar a uma “humanidade” dirigida e controlada por eles.

O documento preparatório da Igreja Católica para o Sínodo da Amazônia procura capturar os incautos por intermédio de uma argumentação supostamente moral e humanitária, quando, na verdade, tem uma orientação política claramente estabelecida. Tal orientação está baseada na Teologia da Libertação, com referências explícitas a seus encontros fundadores em Puebla e Medellín. A argumentação bíblica é utilizada para estabelecer uma linha de continuidade entre a Torá, com nome hebraico no texto, e essa teologia que tem um eixo ideológico, baseado no marxismo. Só faltou dizer que a Teologia da Libertação é a herdeira direta do Antigo Testamento, o que equivaleria a dizer que o marxismo seria sua melhor expressão.

Convém não esquecer que tal orientação da CNBB está sendo fortalecida no atual papado, quando tinha sido liminarmente descartada pelo anterior pontífice, Bento XVI, já desde a época em que era conhecido como cardeal Ratzinger. Este em 1984 escreveu um livro crítico e mordaz contra a Teologia da Libertação, considerando-a uma perversão do pensamento católico. Em seu livro sobre a vida de Jesus, retomou a mesma posição, tendo-a como uma forma do “anticristo”. Cristianismo e marxismo seriam incompatíveis.

Acontece que setores da Igreja Católica brasileira, congregados na CNBB, procuram vender a imagem da neutralidade política, como se estivessem apenas preocupados com questões, digamos, religiosas ou universais nesta acepção restrita, quando, na verdade, estão profundamente engajados na política. Assumem claramente posições de esquerda! Talvez por ter a esquerda perdido espaço nesta última eleição estejam tentando ocultar as ideias que os norteiam!  Curioso que esse ocultamento se faça, muitas vezes, sob o manto de uma diferenciação em relação aos evangélicos, como se estes fizessem política e os católicos, não. Trata-se de mero disfarce, apresentado sob a forma da oposição, a “esquerda católica” não fazendo política, o que seria o caso da “direita evangélica”. Trata-se de uma forma retórica de velar seus reais propósitos.

A Igreja Católica, por intermédio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), criou o MST, na década de 1980, e o acompanha deste então. Suas posições são expressamente anticapitalistas e revolucionárias, apregoa a violência nas invasões de terras, rurais e urbanas, em flagrante desrespeito à lei. Quando não a favorece, a lei é só uma ferramenta de “latifundiários” e “conservadores”. Despreza a democracia e o Estado de Direito.

A Igreja Católica também colaborou decisivamente na fundação do PT, constituindo um dos seus eixos. Aí a Teologia da Libertação encontrou terreno particularmente fértil para o seu florescimento. Foi companheira incansável dos governos petistas, o que significa dizer que foi complacente com o descalabro econômico e social por eles produzidos, sem dizer da captura do Estado pela corrupção desenfreada.

Outra comissão dela, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), almeja tornar os indígenas um instrumento seu e das ONGs a ele associadas, apresentando a visão de que suas áreas demarcadas seriam, praticamente, recortadas do território nacional. Ou seja, o Brasil não seria uma nação de indivíduos das mais diferentes crenças e etnias, mas sofreria uma subdivisão interna, formada por nações indígenas, que teriam completa autonomia sobre os seus territórios. A leitura de seus documentos mostra um linguajar marxista, voltado para a transformação revolucionária do País.

Apenas um dado: o Brasil, segundo o IBGE, tem em torno de 1 milhão de indígenas, dos quais aproximadamente 500 mil em zonas rurais. Ocupam em área demarcada 12,5% do território nacional. Se fôssemos seguir o Cimi e ONGs afilhadas, o País deveria ceder 24% de seu território para meio milhão de pessoas, para “nações”. O passo seguinte seria a sua representação na ONU!  [tem reservas indígenas com 50.000 hectares para apenas 12 indios.]  


O documento do sínodo está repleto de menções às ameaças de desmatamento, como se o País fosse o grande destruidor do planeta. Ora, segundo dados da Embrapa Satélite, pesquisados por um dos seus mais influentes estudiosos, Evaristo de Miranda, o Brasil é um dos países mais preservacionistas, ostentando o invulgar índice de conservação de mais de 60% de vegetação nativa, com contribuição decisiva dos empreendedores rurais. Dados esses, aliás, confirmados pela Nasa.

Nesse texto, discorre-se sobre a “Pan-Amazônia” que recortaria todos os países da Floresta Amazônica, que deveriam ser objeto de tratamento específico, segundo as ideias da “igreja universal”: a Igreja Católica sob a orientação da Teologia da Libertação, com seu séquito de ongueiros mundiais. A Igreja estaria, assim, se imiscuindo nos assuntos internos desses países, como se eles devessem curvar-se a tais ditames tidos, então, por “universais”.

O general Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Nacional, está coberto de razão ao externar a sua preocupação com os rumos desse sínodo político e esquerdizante. Pensam os militares nos destinos do País e na integridade do seu território. O que está em questão é a soberania nacional. Se não for defendida, tornar-se-á refém dessa esquerda religiosa, ambientalista e indigenista, supostamente “humanitária”. E o sentido mesmo da Nação brasileira estará perdido.


Denis Lerrer Rosenfield, professor de Filosofia da UFRGS