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terça-feira, 11 de outubro de 2022

O que o cardeal Ratzinger realmente disse sobre o voto em políticos abortistas - Gazeta do Povo

Vozes - Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Eleições

O cardeal Joseph Ratzinger, papa emérito Bento XVI,  em foto de 1998: documento enviado a bispos dos EUA tem orientações sobre políticos pró-aborto e sobre a responsabilidade de eleitores.| Foto: Jesus Diges/EFE

O Franklin Ferreira, colunista da Gazeta do Povo
, me chamou a atenção dias atrás para uma imagem que vem circulando pelas mídias sociais. Tem a foto do papa Bento XVI e, abaixo dela, a frase:
“Um católico será considerado culpado por cooperar com o mal, e não poderá receber a comunhão, se votar em um candidato político que é a favor da eutanásia e/ou do aborto.

Suspeitei um pouco, especialmente porque não havia citação alguma de fonte, e porque sei que a posição da Igreja não é exatamente esse preto no branco. Fomos os dois caçar a origem da frase, e o Franklin descobriu o mesmíssimo texto na Folha de S.Paulo, por ocasião da eleição de Joseph Ratzinger para o pontificado. Primeira informação importante: a frase, portanto, era do então cardeal Ratzinger, não do seu período como papa. Mas, como ainda não havia a fonte ali, seguimos procurando e finalmente chegamos a um memorando enviado em 2004 ao então cardeal-arcebispo de Washington (e hoje leigo) Theodore McCarrick, chamado Worthiness to receive Holy Communion: general principles.

O contexto do documento era a disputa eleitoral que ocorria naquele ano entre o republicano George W. Bush, que buscava a reeleição, e o democrata John Kerry, católico favorável ao direito ao aborto
Já àquela época o episcopado americano se digladiava sobre a possibilidade de políticos abortistas receberem a comunhão. 
O texto assinado pelo cardeal Ratzinger é bem claro a esse respeito: o bispo deve chamar o político para uma conversa, adverti-lo de que sua posição é frontalmente contrária ao ensinamento católico e que, se não houver uma mudança de postura, esse político não deve entrar na fila da comunhão. Se mesmo assim ele continuar insistindo em receber a Eucaristia, o ministro deve negá-la. Essa é a regra, por mais que os Cupichs, os Wuerls e os McElroys da vida não gostem dela.


O eleitor que vota em um candidato abortista exatamente porque ele é abortista não pode receber a Eucaristia porque sua cooperação com o mal do aborto é intencional. Mas e o eleitor que vota em um abortista por outros motivos, discordando dele nesta questão?

Mas essa é a regra para os políticos. E para os eleitores? Quanto a isso, o documento traz uma nota final que tem muito mais nuances que a “versão brasileira” publicada pela Folha em 2005 e hoje republicada como argumento eleitoral:  “Um católico será culpado de cooperação formal com o mal, e assim indigno de receber a Sagrada Comunhão, caso vote deliberadamente em um candidato precisamente por sua posição permissiva sobre aborto e/ou eutanásia. Quando um católico não compartilha das posições do candidato favoráveis ao aborto e/ou eutanásia, mas vota no candidato por outros motivos, isso é considerado cooperação material remota, que pode ser permitida na presença de motivos proporcionais.”

Esclarecendo uns conceitos, em primeiro lugar: há diferentes graus de cooperação com o mal. Ela pode ser formal (a participação direta no ato imoral, compartilhando da sua intenção) e material (a cooperação sem a intenção); esta última, por sua vez, divide-se em imediata (a colaboração com o ato propriamente dito) e mediata (quando não se participa do ato, mas se cria as condições para que o mal seja praticado), próxima ou remota (no tempo ou na conexão material). Além disso, há a distinção entre colaboração ativa (quando se participa do ato imoral) ou passiva (um ato de omissão que permite o cometimento da ação má), que por sua vez também pode ser formal ou material, imediata ou mediata, próxima ou remota etc. Como isso se aplica no caso do eleitor que vota em abortista?

O primeiro caso é o do eleitor que vota em abortista exatamente porque ele é abortista. Com esse não tem conversa, ele não pode receber a Eucaristia porque sua cooperação com o mal do aborto é formal, ou seja, intencional e a cooperação formal nunca é lícita, como afirma o próprio documento do cardeal Ratzinger
É o que Joe Biden tem pedido, por exemplo, para essas midterms pós-derrubada de Roe v. Wade: que as pessoas votem em candidatos pró-aborto porque só assim o Congresso poderá passar uma lei federal legalizando novamente a matança de nascituros. 
Um eleitor católico norte-americano que siga o conselho de Biden está pecando com toda a certeza.

Mas existe um segundo caso, o do eleitor que discorda do candidato em relação ao aborto, e vota nele apesar do seu abortismo, escolhendo-o por outros motivos. Isso ainda é cooperação com o mal, mas uma cooperação material (não intencional) e remota, e esta pode ser lícita se houver motivos para tal.

Corta para 2022, e o leitor haverá de perguntar: mas que “motivos proporcionais” pode haver para se votar no Lula? 
Essa é uma resposta que só um católico defensor da vida e eleitor do Lula pode dar; eu não sou essa pessoa, porque não voto em abortista. Mas tenho alguns chutes. Acho possível que mesmo um pró-vida convicto tenha analisado o cenário e ache que Bolsonaro seja um mal maior, considerando o conjunto da obra; ou que o abortismo do Lula será compensado pelo perfil mais conservador do Congresso, que não vai deixar passar nada nesse sentido; ou, ainda, pode considerar positivas outras plataformas do Lula e concluir que os prós valem mais que os contras. Se a pessoa está certa ou não a esse respeito é outro assunto – nosso editorial deste domingo, aliás, explicou como o presidente da República pode ignorar o Congresso para promover o aborto, caso queira.

A moral da história é que, se a pessoa realmente concluiu haver “motivos proporcionais” para votar em um abortista como o Lula apesar do abortismo, vai lá e, de acordo com a sua consciência, aperta o treze-confirma, eu posso até dizer que a consciência desse eleitor não está lá tão bem formada quanto ele julga estar, mas não posso acusá-lo de pecado. Burrice, imprudência, pode ser muita coisa, mas pecado não. Eu é que não serei fiscal da consciência alheia, cada um que busque formá-la da melhor maneira possível (e Ratzinger também escreveu a esse respeito) e se resolva com Deus a esse respeito.

“Opção beneditina” é isolamento voluntário; mas talvez o isolamento forçado venha antes

Se você não leu a coluna de quarta passada do Flavio Gordon, leia. Ele mostra como nenhum regime revolucionário começou fechando igrejas; essa “costuma ser a última etapa num processo em que as fases anteriores são, normalmente, a violência simbólica (retórica) e, em seguida, o assédio administrativo, burocrático e judicial (cobrança de impostos, fiscalização abusiva, cassação de licenças de funcionamento, recusa de alvarás, exigências burocráticas draconianas etc.)”.   
A coluna tinha o objetivo de descrever como funcionou o constrangimento institucional, aquele aplicado às igrejas, mas há uma outra frente de perseguição, que é aplicada aos indivíduos. 
É algo que Rod Dreher descreve muito bem em seu A opção beneditina, que eu li ainda antes de o livro ganhar edição brasileira.


O livro é interessante e muito instigante; acho que o diagnóstico é certeiro, embora ainda tenha dúvidas quanto ao receituário – ainda acredito na “Escrivá option” (só tenha em mente que este artigo da Crisis foi publicado em resposta a uma concepção inicial da “opção beneditina”; o livro já é uma versão mais refinada do argumento de Dreher). Mas, quando vejo algumas notícias por aí, fico me perguntando se a solução proposta por Dreher, que os cristãos se “isolem” de uma sociedade cada vez mais hostil a eles, não nos acabará imposta em vez de adotada por nossa livre e espontânea vontade.

Li no Crux sobre a reação do arcebispo de Melbourne, na Austrália, à decisão de um time local de futebol australiano (nem sei bem como se joga isso, mas parece que os bispos católicos de lá gostam do esporte; o cardeal George Pell vivia comentando os jogos no diário escrito durante sua prisão) de forçar um CEO recém-contratado a deixar o time. Andrew Thorburn também é membro do conselho de uma igreja protestante chamada City on a Hill, e, após sua nomeação como CEO do Essendon Football Club, ressuscitaram sermões de 2013 daquela igreja em que se criticava o aborto e o comportamento homossexual. O clube concluiu que Thorburn não podia ser ao mesmo tempo membro do conselho da igreja (posição que ele nem tinha em 2013, aliás) e CEO do time.

Pelo andar da carruagem, daqui a pouco cristãos convictos não terão mais lugar em nenhuma equipe esportiva

“É ultrajante que uma pessoa boa tenha sido forçada a escolher entre um papel público de liderança e sua participação como membro ativo de uma comunidade cristã”,
disse o arcebispo Peter Comensoli. “Isso já não é sobre respeito à diversidade. Lamento pelos jovens que sonham com uma carreira no futebol ou outros esportes, e que agora perguntam se sua fé atrapalhará seu progresso. Penso nas famílias que vêm apoiando o clube de longa data, e agora se perguntam se suas crenças são aceitáveis para quem comanda o clube ao qual elas pertencem ou que elas patrocinam”, disse o arcebispo, que se declarou torcedor dos “Bombers” desde o primeiro dia em que chegou a Melbourne, mas que agora procurará outro time para torcer.

Não é o primeiro caso desse tipo. Em 2019, Israel Folau foi desligado da seleção australiana de rugby e do time que defendia na liga daquele país por causa de comentários sobre comportamento homossexual e união homoafetiva (hoje, ele joga na liga japonesa e defende a seleção de Tonga). E fico pensando aqui que, pelo andar da carruagem, daqui a pouco cristãos convictos não terão mais lugar em nenhuma dessas equipes esportivas, e serão forçados a criar seus próprios times. 

Mas, claro, as ligas locais não permitirão que tais times participem dos seus campeonatos, o que os forçará a organizar os próprios torneios. E aí teremos “ligas cristãs” pelos mesmos motivos pelos quais havia negro leagues de beisebol até o fim dos anos 40 do século passado nos Estados Unidos. E, com sorte, lá por 2080 ou 2090 teremos manchetes como “Fulano é o primeiro jogador cristão em décadas a assinar contrato com um time da liga nacional profissional”...

Marcio Antonio Campos, editor Gazeta do Povo - VOZES

 

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Sobe gasolina, cai bolsa, inflação ruim, falta leite em pó: Biden vai mal

Preços desaceleraram e o desemprego diminuiu mas custo de vida se transforma na preocupação dominante e atinge popularidade do presidente 

Poucas coisas azedam mais o humor da opinião pública do que a disparada na gasolina e o preço recorde atingido na terça-feira nos Estados Unidos (mais de 5 reais o litro, dependendo do estado; menos do que no Brasil) está ajudando a criar um clima de debacle para o governo de Joe Biden.

Com inflação de 8,3%, um mercado nervoso com bastante espaço para piorar,  um encolhimento de 1,4% do PIB no primeiro trimestre e o espectro maligno da recessão pairando no horizonte “Um pouso suave ainda é possível, mas improvável”, resumiu o colunista guru do Financial Times, Martin Wolf -, Biden faz o que pode, mas não está se saindo exatamente bem. Ao contrário, passa a imagem de presidente cucaracha ao tentar empurrar a culpa para a oposição uma piada e  prometer que vai pedir às empresas que não aumentem preços.

O jornal Washington Times, evidentemente de direita, resumiu assim a origem do “espetáculo patético” oferecido pelo presidente: “Todo mundo capaz de ler sabe que o problema inflacionário de Biden começou com uma das primeiras decisões ruins que tomou. Ignorando conselheiros democratas amistosos do tempo de Obama, Biden insistiu em se fazer de Papai Noel depois da eleição, distribuindo uma dose de mais dois trilhões de dólares de dinheiro da covid. Fez isso mesmo com a economia já embicada para a recuperação”.

“Os resultados inflacionários não só eram previsíveis, como foram de fato amplamente previstos. Consultem qualquer manual de economia: quando se põe tanto dinheiro novo em circulação num momento de retração produtiva, isso causa inflação”.

Existe uma boa dose de má vontade ideológica com o presidente democrata, mas a análise é fundamentalmente correta.  Pandemia, auxílios emergenciais, sufocos logísticos, guerra na Ucrânia e outros fatores incontroláveis estão alimentando o mesmo fenômeno inflacionário em países europeus desenvolvidos. Mas é nos Estados Unidos, pelas dimensões da economia e a influência no resto do mundo, que os reflexos são maiores. 

Até tropeços episódicos, como a falta de leite em pó para bebês, resultado de problemas na cadeia de abastecimento e do recall de uma das grandes marcas, criam uma sensação de que “tudo está dando errado”. Não está – o desemprego, por exemplo, teve uma queda notável (o que ironicamente insufla a inflação, ao aumentar a competição por mão de obra).  

Mas o mal estar é palpável: Joe Biden tem avaliação mais negativa do que positiva em 46 dos 50 estados americanos. Na Califórnia, com enorme maioria democrata, 41% aprovam o governo e 47% desaprovam.  Em estados que se movem para ambos os lados ou se inclinam mais para os republicanos, os números são catastróficos. O presidente tem 56% de desaprovação na Flórida e na Pensilvânia, 61% no Texas, 69% em Oklahoma e 75% na Virginia Ocidental.

Temas de grande repercussão, como a divulgação de um parecer na Suprema Corte contra o direito constitucional ao aborto em nível federal, envenenam extraordinariamente o ambiente político. O governo Biden achava que seria favorecido, pois a oposição republicana sairia como radical, mas protestos ensandecidos, inclusive dentro de igrejas, estão identificado o governo com posições extremistas e até abusivas.

O cidadão moderadamente a favor do aborto, até um certo prazo na gravidez, não pode aprovar ameaças de “queimar a Eucaristia de vocês”, feitas contra católicos em geral, ou os gritos de “abortar a Corte” proferidos na frente da casa de Samuel Alito, o juiz que escreveu o parecer. E nem uma única mãe pode encarar sem preocupação a possibilidade de pagar 120 dólares por uma lata de leite em pó para seu bebê. 

Faltam seis meses para a eleição legislativa de novembro, os preços que mais contam – comida e combustível – continuam subindo (gasolina, 44%; ovos, 23%; frango, 15%), a guerra na Ucrânia traz o risco constante de uma escalada descontrolada e Elon Musk vai deixar Donald Trump voltar ao Twitter.

Isso é uma brincadeira: Trump não precisa reinar nas redes sociais para ter, hoje, uma ligeira vantagem sobre Biden. O próprio Biden está se encarregando disso.

Blog Mundialista - Vilma Gryzinski - Blog em VEJA

 

quarta-feira, 13 de abril de 2022

O Brasil não precisa importar trigo - Evaristo de Miranda

Revista Oeste

A Embrapa Territorial identificou quase 3 milhões de hectares com condições favoráveis para a triticultura nos cerrados brasileiros

Plantação de trigo | Foto: Shutterstock 

 Plantação de trigo | Foto: Shutterstock

Companheiro! Hoje, essa expressão possui tons políticos. Seu significado literal evoca aquele com quem compartilhamos o pão (cum panis). O pão é um dos maiores símbolos da alimentação humana. É alimento material e espiritual. Como na metonímia, o pão nosso de cada dia. O Cristianismo considera Jesus Cristo o Pão da Vida (Jo 6,48) e associa Pai Nosso (ORAÇÃO) e Pão Nosso (EUCARISTIA). A fabricação do pão é simples: farinha de trigo amassada com água e um pouco de sal. A massa com levedura descansa, cresce e vai a um forno com temperaturas altas. Quando falta trigo, falta pão. E não só. A farinha de trigo é a base de macarrões, bolachas, bolos, pizzas, pastéis, pudins, bolinhos…

O trigo é o segundo cereal mais cultivado e produzido no mundo, depois do milho. E é também o segundo cereal em consumo humano, depois do arroz. Mais de 70% do trigo é destinado à alimentação humana, enquanto boa parte do milho é usada na produção de etanol, ração animal e outras finalidades não alimentares. O trigo é a principal fonte de calorias em mais de 80 países. O Brasil, grande produtor e exportador de alimentos, depende de importações de trigo.

Em 2021, houve uma exportação recorde de mais de 2 milhões de toneladas de trigo brasileiro

O Brasil é o sétimo importador mundial de trigo e compra na ordem de 7 milhões de toneladas por ano, essencialmente da Argentina (85%). Foram quase US$ 3 bilhões, apenas em 2021, enviados ao exterior para não faltar pão nem macarrão. Em 2021, o país plantou 2,74 milhões de hectares de trigo e colheu 7,7 milhões de toneladas. Uma safra recorde. O consumo interno foi de 12,5 milhões. A atual produção brasileira atende mais da metade da demanda interna.

Os cinco principais exportadores de trigo são Rússia, Estados Unidos, União Europeia, Ucrânia e Argentina. A produção mundial em 2020 foi da ordem de 770 milhões de toneladas, cultivados em cerca de 219 milhões de hectares. Rússia e Ucrânia representam juntas cerca de um terço do trigo exportado no mundo e são os grandes fornecedores da África do Norte. A Ucrânia é o quarto exportador de trigo. A guerra elevou o preço internacional do trigo em mais de 30%.

Moinhos, indústria agroalimentar e de rações relutam em pagar por aqui as valorizações refletidas do mercado internacional pela guerra para os cereais. O milho está em patamares próximos das máximas históricas no Brasil. As cotações do trigo atingiram o maior valor em 14 anos. O mercado interno anda devagar, à espera de alguma pouco provável acomodação nos preços.

O Brasil também exporta trigo. Milhões de toneladas. Todo santo ano. Em 2021, por razões logísticas e econômicas, houve uma exportação recorde de mais de 2 milhões de toneladas de trigo brasileiro. E a exportação prossegue em 2022. Razões de mercado não faltam, e a guerra na Ucrânia ajuda.

Com câmbio favorável e um mercado interno em marcha lenta, a exportação de trigo atingiu volumes nunca vistos. A estimativa de exportação de trigo do Brasil no período 2021/22 (de agosto a julho) foi revisada de 2,5 para 2,7 milhões de toneladas. De dezembro de 2021 a fevereiro de 2022, os embarques de trigo somaram cerca de 2 milhões de toneladas, o dobro do volume de todo o ano passado. Em todo o mundo, a guerra ampliou a exportação de trigo em 25%.

Isso comprometeu a disponibilidade interna e as margens dos moinhos. Logo, o Brasil só contará com as importações para atender à demanda interna, até a nova safra, em setembro. Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Rubens Barbosa, o Brasil vive o livre mercado. Isso proporciona exportações na conjuntura atual e estimula a ampliação do plantio na nova safra. Em 2022, o Brasil semeará 3,6 milhões de hectares, a maior área dos últimos 36 anos. Se o clima ajudar e a produtividade média atingir 3 toneladas por hectare, a produção nacional se aproximará de 10 milhões de toneladas.

O trigo pode seguir o caminho da soja e do milho nas últimas décadas. Em 20 anos, o Brasil passou de 35 milhões de toneladas de milho por ano para cerca de 120 milhões. Para a Embrapa Trigo, limitados unicamente ao mercado interno, os triticultores tinham poucos incentivos. Agora, os preços externos elevados dão sustentação aos preços internos. A demanda da indústria brasileira é boa e oferece garantias aos produtores. A Argentina, principal exportador para o Brasil, está diversificando seus mercados. O Brasil tem boas oportunidades para ampliar a exportação ao mercado africano.

Plantação de trigo em Cascavel, Paraná - Foto: Shutterstock

As regiões tradicionais no Paraná enfrentam dificuldades para expandir a área de trigo. Os cultivos de inverno ocupam apenas 20% das áreas cultivadas no verão. Já no Rio Grande do Sul, a área poderá crescer em até 30% em 2022. A Embrapa, junto com o setor privado, lidera a expansão de área e o aumento da produtividade do trigo tropical. Minas Gerais e Goiás expandiram em mais de três vezes a área cultivada entre 2012 e 2020, e ultrapassaram 100 mil hectares.

Experimentos da Embrapa e parceiros comprovam o potencial de produção de trigo tropical de sequeiro no Norte e no Nordeste, como em Roraima, Piauí, Maranhão, Alagoas e Ceará. Algo inimaginável tempos atrás. É a capacidade científica de adaptar o trigo às condições tropicais, como foi feito para a soja, com variedades adaptadas até ao clima equatorial. E essa expansão poderá ocorrer sem implicar novos desmatamentos, em áreas já utilizadas nos cerrados com a produção de grãos. A Embrapa Territorial identificou 2,7 milhões de hectares com condições favoráveis para a triticultura nos cerrados brasileiros.

A produtividade do trigo aumenta constantemente. Na década de 1990, a média era de 1,5 tonelada/hectare (ton/ha). Na de 2000, chegou a 2,5 ton/ha, quase 70% a mais. Hoje, as melhores lavouras já superam 5 ton/ha nas regiões produtoras. No Cerrado, sob irrigação, com variedades da Embrapa, como a BRS 264, produtores atingem mais de 9 ton/ha. Paulo Bonato, de Cristalina (GO), colheu 9,63 ton/ha em 2021, um recorde mundial de produtividade. O trigo avança, graças às melhores tecnologias de produção, ao empreendedorismo e à competência dos agricultores.

A conhecida expressão “pão e circo” (panem et circenses) foi usada pelo poeta satírico romano Juvenal (Decimus Iunius Iuvenalis) para denunciar a distribuição de pão e a organização de jogos pelos imperadores romanos para desviar a atenção dos cidadãos de outras preocupações importantes. No circo político atual do Brasil, o pão tem sido usado para desviar a atenção dos legítimos problemas e de suas verdadeiras soluções. A falta de trigo derivada da guerra neste momento é estimada em menos de 1% do cultivo global. E a  produção de trigo no Brasil já é grande e pode avançar mais e rapidamente. Isso é relevante.

Para o presidente da Embrapa, Celso Moretti, tempos de guerra relembram a importância da segurança nacional, e isso inclui a segurança alimentar e a necessária autossuficiência brasileira na produção de trigo. O país deve adotar as políticas e os mecanismos necessários para expandir a produção tritícola. Não há solução mágica. O Ministério da Agricultura aprovou um plano da Embrapa Trigo para expansão da produção da triticultura no Cerrado. Os recursos previstos de R$ 2,9 milhões fomentarão ações por 36 meses. Os objetivos são: aumentar a área cultivada em 40% até 2025, de 252.000 hectares, em 2021, para 353.000 hectares; capacitar 70 assistentes técnicos; produzir 1.760 toneladas de sementes no período; apoiar dias de campo, unidades demonstrativas, lavouras expositivas e visitas técnicas, além de fóruns e reuniões de pesquisa.

As ações de pesquisa e transferência de tecnologia serão em São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, além do Distrito Federal. Deveriam complementar essas ações, melhorias na logística, impostos equilibrados e incentivos aos setores envolvidos, da produção à pós-colheita.

Pão de hoje, carne de ontem e vinho de outro verão fazem o homem são, diz o adágio latino. Carnem hesternam, panem hodiernum, annotina vina, sume libens dicto tempore, sanus eris. A sanidade alimentar está ao alcance de tratores e mãos dos produtores brasileiros. Sus! A Embrapa estima ser possível produzir até 22 milhões de toneladas/ano de trigo no Brasil. Isso triplicará a produção atual e tornará o país um dos dez maiores exportadores de trigo. Sus! O Brasil tem tecnologia e produtores preparados. Precisa subir no barco certo. Já dizia Gil Vicente no Auto da Barca do Inferno: “Companheiro… Sus, sus! Demos à vela!”.

Leia também “Gigante no açúcar, anão no mel”

Evaristo de Miranda, colunista - Revista Oeste

 

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Doutor em cinismo - Augusto Nunes

 Revista Oeste

Advogado de bandidos irrecuperáveis ganha o prêmio reservado à frase mais cretina da década


Antônio Mariz | Foto: Divulgação/ Estadão Conteúdo
Antônio Mariz | Foto: Divulgação/ Estadão Conteúdo
 
Por ser amigo do presidente da República, o advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto recusou a vaga no Supremo Tribunal Federal que Juscelino Kubitschek lhe ofereceu no primeiro ano de mandato conquistado nas urnas. Contestada pela feroz oposição liderada por Carlos Lacerda, a vitória de JK em outubro de 1955 foi assegurada também pela mobilização de Sobral Pinto e outros juristas que, em defesa da Constituição e da vontade popular, destroçaram as vigarices urdidas por chicaneiros a serviço dos golpistas. Ao justificar a recusa, o convidado ponderou que a indicação para o STF poderia ser interpretada como um agradecimento do presidente, que havia apoiado “em defesa da legalidade presente, não em busca de favores futuros”.

Por ser amigo do presidente da República, o advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira mandou encomendar o terno azul-Brasília quando o impeachment de Dilma Rousseff era apenas um brilho nos olhos de Marcela Temer. Enquanto ganhava força o movimento que afastou o poste fabricado por Lula do gabinete que desonrou, Mariz caprichava na pose de ministro (da Justiça, de preferência, mas até da Eucaristia se “o Michel”, como se referia ao futuro presidente, topasse incluir a segunda alternativa no primeiro escalão federal). Três vezes preterido, acompanhou pelos jornais a passagem pelo ministério de Alexandre de Moraes, Osmar Serraglio e Torquato Jardim. Mas o sonho continua, sugere o que anda fazendo para tornar-se amigo de infância de Lula.

A última proeza de Mariz foi encerrar, em 27 de dezembro de 2021, o concurso instituído para premiar a frase mais imbecil da década. Os anos 20 estão em seu começo, mas nenhuma sumidade do ramo conseguirá ultrapassar a marca estabelecida, com apenas nove palavras, por esse colosso do Prerrogativas ajuntamento de bacharéis em direito que enxergam uma Madre Tereza de Calcutá no mais medonho serial killer de filme americano.  
O surto de cretinice já foi desmoralizado pelo ótimo Caio Coppolla em seu artigo de estreia nesta Oeste. Mas o vídeo que documenta o momento histórico irrompeu na internet quando eu estava longe, e peço licença para revisitar a noite do espanto.

Lula chefiou o maior esquema corrupto de todos os tempos. Mas a roubalheira estava consumada, o que que adiantou punir?

O rosto afogueado, o olhar de quem flutua sobre nuvens gloriosamente azuis, as pausas impostas pela busca exasperante da palavra certa — não faltaram sinais de que o orador cruzara a fronteira além da qual são permitidas quaisquer obscenidades retóricas. O ator Humphrey Bogart dizia que a humanidade está três doses abaixo do normal. 
 Não se sabe quantos mililitros foram necessários para que Mariz desandasse no surreal: “O crime já aconteceu. O que que adianta punir?”. 
 
Enfim abrira o coração o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, a referência imoral do Prerrogativas, o eterno candidato a ministro de qualquer coisa e, desde aquele momento, o autor da mais cretina frase da década. Bandido é coisa que Mariz conhece como poucos viventes. É respeitado por todos os corruptos da classe executiva pelo desempenho na guerra suja movida contra a Operação Lava Jato. Mas craque genuíno joga nas onze. Enquanto lidava com empreiteiros gatunos e assaltantes fantasiados de executivos, encontrou tempo para canonizar os assassinos Suzane von Richthofen e Antônio Pimenta Neves. 
A discurseira no jantar em homenagem a Lula foi uma declaração de amor à ladroagem vip. 
Mas seu trecho mais pornográfico resume uma tese que se estende a todas as ramificações da grande tribo dos fora da lei: se a norma legal já foi atropelada, castigar o atropelador é perda de tempo, mania de gente perversa.
 
Suzane, por exemplo, planejou a morte do pai e da mãe, que supervisionou acomodada num sofá da sala de visitas
A condenação da parricida vai acaso ressuscitar o casal? Não, não vai. Portanto, instalar numa cela essa jovem órfã é pura maldade. 
Sim, Pimenta Neves executou a ex-namorada com um tiro nas costas e outro na cabeça. 
Mas o que tira o sono de Mariz é a curtíssima temporada na cadeia do cliente que manteve em liberdade por dez anos recorrendo a rabulices de constranger o mais desinibido 171. 
Aos olhos do doutor, contudo, ninguém merece mais afagos do que a vitima da maior iniquidade produzida pela Justiça desde o surgimento do primeiro tribunal. 
Quando Lula foi para o xilindró, a Petrobras já fora saqueada (até havia recebido de volta algumas fatias do imenso produto do roubo). 
Os empreiteiros tinham embolsado o naco que lhes cabia, alguns até dormiram longas noites na prisão. 
Sim, Lula chefiou o maior esquema corrupto de todos os tempos. 
Mas a roubalheira estava consumada, o ex-presidente da República já fora deposto do comando da quadrilha pelos cruéis integrantes da Lava Jato. 
O crime já acontecera. O que que adiantou punir?

As nove palavras compõem mais que uma frase irretocavelmente cretina. Resumem uma tese grávida de originalidade, que pode desdobrar-se na mais revolucionária proposta do programa de governo do PT no campo da Justiça. 

Até agora, a menos que tenha sido capturado pela imaginação do ministro Alexandre de Moraes, nenhum brasileiro pode ser preso antes de cometer um crime. Mariz foi muito mais longe: se for assentado por Lula no Ministério da Justiça, e montar sua equipe com as sumidades do Prerrogativas (Prerrô, para os pais fundadores), não será preso mesmo alguém que resolver metralhar às 3 da tarde aquela multidão que circula pelas calçadas da Avenida Paulista e, em seguida, sentar-se no meio-fio para consumir em paz um saquinho de pipoca. 

Por falta de punidos, a população carcerária deixará de existir. Por se tornarem desnecessárias, as cadeias serão demolidas e os terrenos vazios, fraternalmente repartidos pelo MST e pelo MTST. O único problema é que o fim do risco de cadeia provocará o sumiço da freguesia que garante a sobrevivência dos milhares de advogados que ganham a vida tentando provar que todo culpado é inocente — e que não há pecadores no País do Carnaval.

Finalmente ministro, Mariz saberia o que fazer para poupar a categoria profissional do fantasma do desemprego. A frase campeã informa que não lhe faltam ousadia e criatividade. Some-se a isso o buquê de prerrogativas com cara de salvo-conduto e tudo estará pronto para a disseminação de cursos de reciclagem profissional. Instaladas nas sedes e subsedes da entidade, as escolinhas da OAB transformariam bacharéis desempregados em doutores na prática de crimes sem remorso, sem sustos e sem perigo de cadeia.

Leia também “A esperança venceu a vergonha”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste


domingo, 22 de março de 2020

Qual importância têm as Missas privadas em tempos de uma pandemia?

Com as Missas públicas suspensas em vários países, os bispos pediram aos fiéis que vivam a Missa pela internet e a comunhão espiritual, enquanto se pede aos sacerdotes para celebrar Eucaristias em privado, o que é de suma importância e vale a pena ser explicado.

Imagem referencial / Crédito: Unsplash

ACI Prensa agência em espanhol do Grupo ACI –, entrou em contato com o Pe. Leandro Bonnin, sacerdote da Arquidiocese do Paraná (Argentina), que trabalhou por vários anos como professor de liturgia, para detalhar a importância da Missa particular e saber se é espiritualmente benéfica para os católicos. Pe. Bonnin disse que, “embora os fiéis não possam estar fisicamente presentes no templo ao redor do altar, quando um sacerdote celebra a Eucaristia em privado, todas as suas vidas também se unem ao sacrifício de Cristo e é entregue a Deus como hóstia, vítima e oferta”.

Além disso, recordou que o primeiro benefício é “que suas vidas, através do sacrifício eucarístico, se unem ao sacrifício de Cristo e chegam à presença do Pai”. “A Igreja não cessa de louvar ao Pai, não cessa de oferecer ao Pai a coisa mais agradável que tem, que é a entrega, amor, obediência de Jesus Cristo, seu eterno filho feito homem. Mas a Eucaristia também é o sacrifício da Igreja, que é a esposa que oferece o Filho ao Pai e oferece a si mesma junto a Cristo”, indicou.

Do mesmo modo, disse que de alguma forma “pode-se dizer que no altar, junto com o sacrifício de Cristo, vai toda a vida dos fiéis que se eleva ao alto”.

Um segundo benefício é que “em cada Eucaristia, além de adorar e pedir perdão, há intercessão”, disse Pe. Bonnin, acrescentando que é então “quando o sacerdote, sabendo que está na própria presença de nosso Senhor Jesus na forma de pão e vinho, pede ao Pai que, pelos méritos de Cristo, escute orações de toda a Igreja”.
“Em todas as Missas, pede-se pelo Papa, pelos bispos, por todos os homens de boa vontade, por todos os fiéis e pelos defuntos. Então, cada celebração tem em si mesma um poder de intercessão mais elevada que qualquer uma das demais formas devocionais que existem na Igreja”, assegurou Pe. Bonnin.

“A Eucaristia tem uma dupla realidade, por um lado, é a presença e a atualização do sacrifício de Cristo; em segundo lugar, é um banquete com duas mesas: a mesa da Palavra de Deus e a mesa do Corpo e do Sangue do Senhor”, recordou o sacerdote argentino.

Em uma entrevista realizada pela CNA – agência em inglês do Grupo ACI –, Padre James Bradley, professor de direito canônico da Universidade Católica da América, também explicou que os católicos participam da comunhão de Deus com a Igreja toda vez que é celebrada a Missa, estejam eles fisicamente presentes ou não. “A Missa não é algo que o sacerdote faz como indivíduo privado. Ele o faz como ministro da Igreja, envolvendo-a. Cada Missa que se celebra, em qualquer lugar e em qualquer momento, é para todos os que fazem parte da Igreja”, comentou.

Pe. Bradley recordou “que os anjos e os santos estão sempre presentes em todas as celebrações da Missa” e que “toda a Igreja está presente na terra e presente no Céu”.
“Então, em certo sentido, o sacerdote nunca está sozinho quando está de pé no altar. Está sempre rodeado pelas nuvens de testemunhas”, disse.

Frente ao problema que o mundo enfrenta por causa do surto de coronavírus, Pe. Bradley recorda que ,em primeiro lugar, a Igreja sempre quer cuidar do seu rebanho” e isso “significa que às vezes tem que fazer coisas que não queria fazer, mas que são necessárias”.

Assegurou que a suspensão da Missa celebrada publicamente é, “em última instância, um ato de preocupação” e “bondade por parte do bispo”. [vale informar que o  Cardeal Arcebispo de Brasília, Dom Sérgio Rocha, logo que o governador do DF, decretou a não realização de Missas, promulgou um Decreto válido em toda a Arquidiocese determinando a celebração de missas apenas nos conventos, sem presença dos fiéis.]  “Está tentando proteger o seu rebanho e é uma circunstância extraordinária. Não é ceder, não é uma concessão à sociedade civil. É o bispo agindo responsavelmente seguindo o conselho da sociedade civil quando se oferece, quando apresenta uma lei razoável”, concluiu
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Publicado originalmente em ACI Prensa

Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.