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sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Porta giratória STF-governo - Lula quer contar com o STF como um ministério a mais - O Globo

Quando Jair Bolsonaro anunciou, orgulhoso, que indicaria alguém “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal, e quando, meses depois, cumpriu a promessa indicando seu então ministro da Justiça, André Mendonça, o mundo caiu, com razão. Ser evangélico — ou católico, espírita, agnóstico — não é condição para integrar a mais alta Corte de Justiça do país.

Nesta quinta-feira, ao formalizar o que não deixa de ser uma triangulação não direta, com a ida de Flávio Dino para o STF e a “vinda” de Ricardo Lewandowski para o Ministério da Justiça, em seu lugar, meses depois de ele se aposentar do mesmo Supremo, Lula louvou o fato de ter mandado um político para a Corte, justamente a pecha que os adversários da indicação do maranhense mais combateram. De novo: não está naqueles atributos listados pela Constituição ser político, e a mistura de magistratura e política tem se mostrado bastante espinhosa nos últimos anos.

É espantoso que presidentes tão distintos quanto Bolsonaro e Lula escancarem sem nem corar o cálculo de sobrevivência política que fazem ao indicar ministros para o STF.
As coisas eram ao menos revestidas de uma camada de verniz bem maior nas passagens anteriores de Lula pelo governo, e a atitude de alguns de seus nomeados no mensalão virou a “explicação” para que o presidente, de volta ao posto, tenha passado a indicar pessoas que lhe são próximas, e não apenas pelo tão démodé notório saber jurídico.

Com isso estou negando que Flávio Dino, Cristiano Zanin ou mesmo André Mendonça possuam o requisito? De forma alguma. Só notando o óbvio: não foi isso que pesou em primeiro lugar para sua nomeação, assim como se mandou às favas a reação, mesmo na comunidade jurídica ou em setores da própria base social, no caso de Lula com o “tô nem aí” diante do clamor pela nomeação de uma mulher.

A ideia de contar com o STF como um ministério a mais, explicitada pelas escolhas recentes de ministros, também se espraia para a escolha de Lewandowski para a Justiça
Sim, o ministro traz consigo a respeitabilidade de quem vestiu a toga mais prestigiosa do país por quase 20 anos, mas é para lá de inusual que quem tenha ocupado uma daquelas 11 cadeiras faça tão rapidamente a travessia da Praça dos Três Poderes e passe a dar expediente no governo que outrora tinha a missão de julgar em diferentes contextos.

Ao deixar claro que pretende contar com a sinergia” entre Justiça e Supremo — algo que uma aula rápida de semiótica permite depreender só da foto em que juntou o ministro que entra e o que sai, numa espécie de cumprimento de basquete —, Lula demonstra que sua prioridade na sucessão da Justiça está em ter uma garantia para reverter ou se blindar de derrotas no Congresso, e não a segunda atribuição da pasta, a espinhosa Segurança Pública.

Toda a aposta de Dino e Ricardo Cappelli era em que os serviços prestados nessa seara garantiriam ao número dois da pasta a titularidade. Ficou evidente a frustração diante da escolha, mesmo com o intensivão dos últimos dias, que incluiu uma batelada de entrevistas do próprio secretário e do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, lembrando realizações concretas em casos como o 8 de Janeiro e o inquérito da morte de Marielle Franco.

Depois de ouvir argumentos que incluíam o desmembramento da pasta em duas, Lula parece ter recuado alguns passos em assumir a Segurança como bandeira de seu governo. Já escrevi a respeito: pesou o argumento dos que veem nisso uma cilada, pois os governadores se apressariam em jogar no colo do governo federal seus fracassos. 
Daí por que a opção por Lewandowski, estranho nesse ninho, mostre que o foco passou a ser em ter na porta giratória entre Justiça e STF a bola de segurança para desventuras no Judiciário e no Congresso. 
Ecos do passado falando mais alto.
 
Vera Magalhães, colunista - O Globo



terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Um comunista no STF. E agora?- Revista Oeste

Ana Paula Henkel

Entendo que muitos estão desanimados, mas não há outra opção a não ser seguirmos firmes pelo país que não apenas queremos — mas devemos — deixar para os nossos filhos


 Sabatina na CCJ do Senado do atual ministro da Justiça e senador licenciado, Flávio Dino, indicado para o cargo de ministro do STF | Foto: Lula Marques/Agência Brasil


E agora seguimos. Esta é a única resposta possível para a pergunta do título deste artigo que paira sobre nossos apreensivos corações e mentes desde a sabatina de Flávio Dino para uma cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal, na quarta-feira, 13 de dezembro.

Entendo que muitos estão e estarão desanimados com mais uma pedrada em nossa cabeça, com mais este descalabro contra o país, com mais um deboche do sistema contra uma nação que não aguenta mais tanto cinismo e falta de escrúpulos. Tudo isso nos desanima? Sim. 
A esperança cambaleia? Com certeza. Não fingirei que uma confiança olímpica invade meus pensamentos e, como em um filme inspirador com trilha à la Rocky Balboa, toma conta do meu ser, e eu sigo convicta sem pestanejar. Isso não é verdade. 
Mas não há outra opção a não ser seguirmos firmes pelo país que não apenas queremos — mas devemos — deixar para os nossos filhos. Simplesmente não há. Receio do que está por vir? Claro. Mas agora já é uma questão de sobrevivência. E qualquer medo precisa ser encarado. O problema não é ter medo, é não enfrentá-lo.Flávio Dino (centro), posa ao lado de foliões, no Carnaval de São Luís (MA) – 18/02/2023 | Foto: Reprodução/Instagram 
 
No rescaldo de uma batalha política desafiadora que coloca muito do nosso futuro em jogo, o primeiro passo para a recuperação envolve a introspecção. 
A resiliência é a base sobre a qual se pode reconstruir após o tumulto de uma queda brutal. 
Resiliência, palavra tão usada hoje em dia como quem troca de roupa, vai além da mera resistência; envolve o cultivo ativo de uma mentalidade que prospera diante da adversidade. 
Desenvolver resiliência requer um compromisso com o autocuidado, tanto mental quanto emocionalmente. Resiliência não consiste apenas em resistir à tempestade, mas em usar sua força para se impulsionar para a frente.

Não, não é fácil abrir os jornais apenas um dia depois da sabatina “chá das cinco” de Flávio Dino (e da pífia performance de alguns senadores de oposição, completamente despreparados para enfrentar o que estava diante de nós) e ver a aprovação de mais um peão ideológico do Foro de São Paulo, agora para a corte mais alta do país, com Lula conclamando o feito: “Vocês não sabem como eu estou feliz hoje. Pela primeira vez na história desse país, nós conseguimos colocar na Suprema Corte um ministro comunista, um companheiro da qualidade do Flávio Dino”.

Como não se abater,
já que tudo isso batia em nossa porta já havia algum tempo? Para mim, mergulhando na história e nos exemplos de quem enfrentou exatamente os mesmos tentáculos ideológicos e perversos do comunismo e suas vertentes, e que chicotearam nações com muito mais crueldade.

Sem conseguir dormir, fui ontem até João Paulo II, o papa que viu e viveu o nazismo e depois o comunismo de perto em sua querida Polônia. Em tempos estranhos para os brasileiros, que nunca tiveram que enfrentar as barbáries desses regimes totalitários, recorri à força de um homem que venceu o exército da destruição com armas que eles não tinham. 
As armas da fé. Para muitos historiadores, nenhuma das realizações do falecido papa parece maior do que seu papel no final da guerra fria e na queda do comunismo soviético. A oposição de João Paulo II ao totalitarismo surgiu de sua devoção à ideia dos direitos humanos dados por Deus. O legado de João de Deus, como era carinhosamente chamado pelos cristãos brasileiros, não foi deixado apenas para aqueles que vivem na fé católica, mas para todos aqueles que entendem o real significado da palavra liberdade e do que o comunismo traz em várias esferas.

John Lewis Gaddis, professor de História Militar na Universidade de Yale, certa vez escreveu que quando João Paulo II beijou o chão no Aeroporto de Varsóvia, em 2 de junho de 1979, em sua primeira viagem como papa à terra natal, ele iniciara o processo pelo qual o comunismo na Polônia — e finalmente em todos os lugares — chegaria ao fim. E a resiliência de milhões foi testada durante anos. Acredito que todos atrás da cruel Cortina de Ferro viviam sob uma apreensão infinitamente maior do que a nossa. Felizmente, hoje temos páginas e páginas que mostram que o mal, em algum momento, sempre sucumbe diante da fé.
O professor de Yale, que não é católico, escreve sobre sua perspectiva de que a queda do Muro de Berlim, dez anos depois, em 1989, e, posteriormente, do comunismo começou naquele dia de junho. Um milhão de poloneses se espalharam pelas ruas de Varsóvia e ao redor da Praça da Vitória, onde uma missa papal seria celebrada, e mostraram ao regime soviético, com medo, mas também coragem, que a Polônia lutaria com o que tinha.

Diante de milhões, pelas ruas, nas TVs e rádios, João Paulo II pregava a verdadeira história da Polônia — a história de um povo formado por sua fé. Enquanto o papa falava, um canto inesperado ecoava pelas ruas até a praça: “Queremos Deus! Queremos Deus!”. Era a voz da Polônia, parte do bloco comunista, onde a guerra contra a religião da doutrina marxista-leninista imperava, gritando “Queremos Deus!” para todo o mundo ver e ouvir que a fé e a esperança não sucumbiriam ao comunismo — regime fortalecido quando o ateísmo é enaltecido.

Confesso que algumas lágrimas brotam dos olhos ao escrever essa passagem da Polônia e seu povo. Criada em um lar cristão, eu tive a sorte de crescer vendo e ouvindo o papa João Paulo II. O nome do meu irmão era João Paulo por causa dele. Após a sua morte, em 2005, eu mergulhei em sua obra, sua vida e seu legado, e foi uma viagem sem volta. Hoje, as imagens desse evento fazem uma conexão em minha cabeça, de alguma maneira, com a nossa gente. 0

Papa João Paulo II em Munique, em 1980 | Foto: Wikimedia Commons

Diante de um imenso aperto no coração pelo Brasil, olho para João Paulo II como um pai espiritual. Há tantos motivos para agradecer a Deus por esse homem, e tantos motivos pelos quais busquei inspiração nele em tantas ocasiões da minha vida, como agora. Sua coragem, seu espírito de missão, sua defesa intransigente da dignidade da pessoa humana, seu amor pelos jovens, seu trabalho pela paz e sua contribuição para a queda do comunismo no Leste Europeu são um refúgio em tempos de grandes tempestades.

De muitos dos caminhos que podem ser tomados para um alento no santo pontífice, talvez o fio de ouro que pode ser profundamente útil para todos nós neste momento seja a virtude que João Paulo II impregnava em tudo o que ele representava: a esperança. O papa São João Paulo II foi e continua a ser, conforme identificado por seu principal biógrafo, George Weigel, uma “Testemunha da Esperança” (“Witness of Hope“).

Depois de um baque como o desta semana, é preciso beber na fonte da esperança real de São João Paulo II, fundamentada na convicção de que a vitória final pertence a Cristo, uma vitória que Ele já conquistou na cruz. Uma esperança, na verdade, fundada na promessa de Jesus na Última Ceia: “No mundo, tereis aflições, mas tende coragem, porque eu venci o
mundo” (João 16:33).

 

João Paulo II em 1988 | Foto: WIkimedia Commons

João Paulo II viveu a perda de toda a sua família, o horror da Segunda Guerra Mundial, a devastação do comunismo. Ele foi baleado e quase morto, teve um câncer no intestino, foi acometido pela doença de Parkinson e muitas outras provações. No entanto, ele nunca perdeu a esperança e mostrou ao mundo que se manteria de pé até o fim de seus dias.

Em uma entrevista publicada no final de sua vida, ele relembrou a crueldade dos regimes nazista e comunista que testemunhou na pele, descrevendo-os como “ideologias do mal” que surgiram por causa da rejeição de Deus como Criador e fonte determinante do respeito à vida. Mesmo nas terríveis memórias, e através de tudo isso, João Paulo olhou para trás e falou sobre os limites que Deus impôs ao mal naquela época da história europeia. De acordo com os ensinamentos do pontífice, o exemplo de que os limites ao mal já foram impostos pelo bem divino está em Cristo e Sua vida — a batalha heroica contra o pecado, contra a morte e a vinda da ressurreição vitoriosa. Para o papa, querido por muitos até fora da Igreja Católica, esse era o poder divino que havia entrado de vez na história e seria para sempre a fonte de esperança para aqueles que acreditam Nele. Com Cristo, explicou, o mal sempre seria vencido e a esperança triunfaria em todos os lugares e circunstâncias.

Essa era a fonte inabalável da esperança real de João Paulo como sacerdote, bispo, papa e um dos grandes líderes mundiais da história.


A força da oração, do pensamento baseado nessa esperança real de João Paulo II de que um mal maior que permeia o mundo vai ser vencido, começa com “pequenas” esperanças cotidianas

Hoje, precisamos de esperança. Há sinais preocupantes à nossa volta de que as pessoas estão perdendo a fé e se anestesiando com o desespero e o sentimento de inércia. Somos tentados a perder o fio da fé quando confrontados com os muitos desafios que nosso amado país enfrenta. Todo santo dia.

Em um deserto sem palavras para expressar nossa indignação, medo e desalento, qual pode ser a razão de nossa esperança? A mesma de São João Paulo II: que Cristo, escorraçado e morto na barbárie, já venceu todas as coisas e continua presente e ativo no mundo, mesmo em meio a todos os ditadores e regimes totalitários. Seu amor vencerá todo o mal, a escuridão e o desespero. Lá fora e dentro de nós. E isso é um fato.
Um exemplo dentro de nossa geração, e que precisa ser passado adiante, é exatamente o que João Paulo II testemunhou durante toda a sua vida de cristão. E é o que testemunharemos — por mais que as circunstâncias mundanas nos mostrem outra coisa, por mais que sejam reais e doloridas aos nossos olhos, elas ainda são “apenas” mundanas. A força da oração, do pensamento baseado nessa esperança real de João Paulo II de que um mal maior que permeia o mundo vai ser vencido, começa com “pequenas” esperanças cotidianas.

Tive o privilégio de conhecer um ex-assessor de Ronald Reagan que teve a honra de encontrar o papa nos anos finais de sua vida. Ele relata que quando apertou as mãos que abençoaram o mundo por quase 27 anos e que quando ouviu a voz que inspirou milhões em todo o mundo e que, principalmente, quando olhou nos olhos sorridentes de um homem que sobreviveu aos nazistas, aos comunistas, à bala de um assassino e duas doenças graves, ele só conseguia pensar: “Se ele ainda tem esperança, que desculpa encontraremos para não ter?”.

A esperança que nutrimos em nossa família e para a nossa família começa no fato de que estamos unidos pela morte e ressurreição de Cristo — em pequenos e grandiosos atos. E eles começam com apenas um dia sem perder a fé. Só hoje. Como João Paulo II nos lembraria, Deus sempre impôs limites ao mal. E não será diferente agora.

Leia também “O mundo falhou com as mulheres”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste 

 

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Milei vai enfrentar Perón - Luiz Philippe de Orleans e Bragança

         Javier Milei, candidato da direita, está à frente na disputa das eleições presidenciais na Argentina.  
Adepto da Escola Austríaca de Economia, é contra intervenções estatais e prega estado mínimo. É católico, pró-vida e contra pautas globais. Qualquer observador da Argentina sabe que o país precisa de um reformador para desmontar o modelo criado por Perón, que dura quase um século, gera instabilidade e pobreza históricas.  
Mas Milei conseguirá vencer esse fantasma?

A história política da Argentina divide-se em antes e depois do Peronismo. Em 4 de junho de 1943, um golpe militar deu início a um novo governo, e Juan Domingo Perón assumiu a Secretaria do Trabalho e Provisão, depois elegeu-se presidente por dois mandatos com um discurso para as massas e trabalhadores, Ações como ampliação do regime de aposentadorias, criação do salário-mínimo e 13º salário o fizeram ascender na  política, mas foram fatais para as contas públicas. Ao mesmo tempo, Perón abrigava nazistas alemães, torturadores e criminosos de guerra. A maioria viveu muito bem e morreu impune na Argentina. Ele voltou ao poder em 1973 mas faleceu no ano seguinte, deixando em seu lugar Isabelita, sua esposa, que foi deposta dois anos depois, por outro golpe militar. Seguiram-se seis anos, sete presidentes e 30 mil mortos. Peronismo.  

As mesmas políticas ocorreram  no Estado Novo de Getúlio Vargas,  aqui no Brasil. Caráter assistencialista de altos gastos desvinculados da arrecadação, são a marca indelével que torna esse modelo insustentável até hoje, e assim como no getulismo, lá também as políticas peronistas se institucionalizaram como modelo de estado social permanente. Nunca mais a Argentina atingiu o patamar de desenvolvimento da era pré-peronista.

Em 1983, Raúl Alfonsín, um advogado de esquerda ligado à Internacional Socialista, venceu as eleições presidenciais. Mesmo de oposição a Peron, adotou medidas semelhantes. Ficou famoso por criar o Plano Austral, mas não conseguiu conter o desemprego de quase 10% e a inflação de quase 209%

A solução foi ir ao FMI, que exigiu cortes nos gastos públicos e vendo a inércia do governo, o Fundo negou créditos adicionais. Alfonsin ainda tentou congelar preços e salários, interromper a impressão de dinheiro, organizar cortes de gastos e criar nova moeda, o Austral. [o atual presidente do Brasil, tenta agora ser o FMI para os argentinos e criar o 'sur', moeda única do Mercosul - felizmente, o chinês enquadrou o presidente brasileiro,  tratando-o como um estadista de araque, devolvendo-o a sua insignificância = se considerar um estadista é um dos muitos devaneios do atual ocupante do Planalto.] 
Os sindicatos se opuseram ao congelamento de salário, e os empresários, ao congelamento de preços. 
Acuado, o presidente não conseguiu conter a inflação e agora também os grandes exportadores se recusaram a vender dólares para o Banco Central. O Austral foi desvalorizado e a inflação alta se transformou em hiperinflação.
 
A eleição presidencial de 1989 ocorreu durante essa crise, quando o  justicialista/peronista Carlos Menem venceu as eleições. Alfonsín transferiu o poder para Menem cinco meses antes do previsto, pois não suportava mais a crise. 
Menem, então, resolveu solucionar o problema econômico com a dolarização da economia, uma fórmula ainda não testada mas já uma prática não institucionalizada na Argentina desde os anos 80. 
Menem foi mais um que não não reformou o estado peronista, e no final do século 20 a crise econômica e instabilidade estavam de volta. 
Cinco presidentes assumiram o poder e logo renunciaram em menos de três anos!
 
Eis que em 2003  assume o poder Néstor Kirchner, também pelo partido peronista, com promessas de reformas profundas que não aconteceram, Em vez disso, contratou obras governamentais, o que não conseguiu conter a pobreza, que chegou a 25%
Ele  e sua mulher aumentaram seu patrimônio pessoal e foram campeões em escândalos de corrupção, sendo que por um deles Cristina foi condenada a seis anos de prisão.

Os Kirchner só conseguiram governar protelando a crise, rolando dívidas para o futuro, que chega hoje, na forma de hiperinflação. [prática já adotada pelo petista que governa o Brasil, mantendo artificialmente - a Petrobras bancando - os preços dos combustíveis em baixa. Logo virá a conta e a Petrobras tentará bancar.] Desgastado também pela crise de 2008/2009, o peronismo parecia finalmente derrotado por Maurício Macri, candidato da direita. Só que não.

Macri assumiu o governo com as contas no vermelho, crise de desconfiança do público, dos investidores, poucas reservas federais, a inflação a 30% ao ano
O governo Macri resolveu estabilizar o peso, dando mais liberdade de câmbio. 
Cotas de exportação sobre commodities foram reduzidas, mas as medidas de austeridade foram tímidas. 
A estratégia de reformar aos poucos não gerou resultados nem conteve a oposição.  Assim, a inflação, o desemprego e o assistencialismo continuaram altos, Em 2019, a inflação bateu recorde chegando a 56% ao ano, os índices de desemprego subiram de 8% para 10% e a porcentagem de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza subiu de 29% para 35%. Sem o peronismo, Macri acabou derrotado pelo candidato socialista Alberto Fernández. O atual presidente é a imagem de todos os problemas do país: o peronismo. Participou dos governos Menem e Kirschner. Sua vice é Cristina.
 
Fernández encontrou a mesma crise e anunciou  medidas dobrando a aposta no peronismo, e como resultado, obteve o dobro do desastre
O índice de inflação, pelo último registro do Indec, foi de 115,6% em junho de 2023, mais que o dobro de quando assumiu. 
As medidas socialistas de seu governo também afugentaram empresários, com a pobreza atingindo mais da metade da população. 
Atormentado por sua baixa popularidade, Fernandez foi sensato e desistiu da reeleição.
 
Este cenário peronista será o palco de Milei, mas a maior tragédia deste modelo cruel é sufocar quem surge para reformá-lo. 
Os argentinos ainda esperam um final feliz que só pode acontecer por meio de reformas do Estado. Terá Milei, se vencedor das eleições, maioria no congresso para suas reformas? 
O povo quer mesmo essa mudança ou está disposto a aceitar qualquer opção?  
A saída é dolarizar de novo? 
Acabar com o banco central?  
Não perca a  resposta a essas e outras questões nos próximos capítulos desta novela Argentina!

Conservadores e Liberais  -  Luiz Philippe de Orleans e Bragança

 

terça-feira, 11 de outubro de 2022

O que o cardeal Ratzinger realmente disse sobre o voto em políticos abortistas - Gazeta do Povo

Vozes - Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Eleições

O cardeal Joseph Ratzinger, papa emérito Bento XVI,  em foto de 1998: documento enviado a bispos dos EUA tem orientações sobre políticos pró-aborto e sobre a responsabilidade de eleitores.| Foto: Jesus Diges/EFE

O Franklin Ferreira, colunista da Gazeta do Povo
, me chamou a atenção dias atrás para uma imagem que vem circulando pelas mídias sociais. Tem a foto do papa Bento XVI e, abaixo dela, a frase:
“Um católico será considerado culpado por cooperar com o mal, e não poderá receber a comunhão, se votar em um candidato político que é a favor da eutanásia e/ou do aborto.

Suspeitei um pouco, especialmente porque não havia citação alguma de fonte, e porque sei que a posição da Igreja não é exatamente esse preto no branco. Fomos os dois caçar a origem da frase, e o Franklin descobriu o mesmíssimo texto na Folha de S.Paulo, por ocasião da eleição de Joseph Ratzinger para o pontificado. Primeira informação importante: a frase, portanto, era do então cardeal Ratzinger, não do seu período como papa. Mas, como ainda não havia a fonte ali, seguimos procurando e finalmente chegamos a um memorando enviado em 2004 ao então cardeal-arcebispo de Washington (e hoje leigo) Theodore McCarrick, chamado Worthiness to receive Holy Communion: general principles.

O contexto do documento era a disputa eleitoral que ocorria naquele ano entre o republicano George W. Bush, que buscava a reeleição, e o democrata John Kerry, católico favorável ao direito ao aborto
Já àquela época o episcopado americano se digladiava sobre a possibilidade de políticos abortistas receberem a comunhão. 
O texto assinado pelo cardeal Ratzinger é bem claro a esse respeito: o bispo deve chamar o político para uma conversa, adverti-lo de que sua posição é frontalmente contrária ao ensinamento católico e que, se não houver uma mudança de postura, esse político não deve entrar na fila da comunhão. Se mesmo assim ele continuar insistindo em receber a Eucaristia, o ministro deve negá-la. Essa é a regra, por mais que os Cupichs, os Wuerls e os McElroys da vida não gostem dela.


O eleitor que vota em um candidato abortista exatamente porque ele é abortista não pode receber a Eucaristia porque sua cooperação com o mal do aborto é intencional. Mas e o eleitor que vota em um abortista por outros motivos, discordando dele nesta questão?

Mas essa é a regra para os políticos. E para os eleitores? Quanto a isso, o documento traz uma nota final que tem muito mais nuances que a “versão brasileira” publicada pela Folha em 2005 e hoje republicada como argumento eleitoral:  “Um católico será culpado de cooperação formal com o mal, e assim indigno de receber a Sagrada Comunhão, caso vote deliberadamente em um candidato precisamente por sua posição permissiva sobre aborto e/ou eutanásia. Quando um católico não compartilha das posições do candidato favoráveis ao aborto e/ou eutanásia, mas vota no candidato por outros motivos, isso é considerado cooperação material remota, que pode ser permitida na presença de motivos proporcionais.”

Esclarecendo uns conceitos, em primeiro lugar: há diferentes graus de cooperação com o mal. Ela pode ser formal (a participação direta no ato imoral, compartilhando da sua intenção) e material (a cooperação sem a intenção); esta última, por sua vez, divide-se em imediata (a colaboração com o ato propriamente dito) e mediata (quando não se participa do ato, mas se cria as condições para que o mal seja praticado), próxima ou remota (no tempo ou na conexão material). Além disso, há a distinção entre colaboração ativa (quando se participa do ato imoral) ou passiva (um ato de omissão que permite o cometimento da ação má), que por sua vez também pode ser formal ou material, imediata ou mediata, próxima ou remota etc. Como isso se aplica no caso do eleitor que vota em abortista?

O primeiro caso é o do eleitor que vota em abortista exatamente porque ele é abortista. Com esse não tem conversa, ele não pode receber a Eucaristia porque sua cooperação com o mal do aborto é formal, ou seja, intencional e a cooperação formal nunca é lícita, como afirma o próprio documento do cardeal Ratzinger
É o que Joe Biden tem pedido, por exemplo, para essas midterms pós-derrubada de Roe v. Wade: que as pessoas votem em candidatos pró-aborto porque só assim o Congresso poderá passar uma lei federal legalizando novamente a matança de nascituros. 
Um eleitor católico norte-americano que siga o conselho de Biden está pecando com toda a certeza.

Mas existe um segundo caso, o do eleitor que discorda do candidato em relação ao aborto, e vota nele apesar do seu abortismo, escolhendo-o por outros motivos. Isso ainda é cooperação com o mal, mas uma cooperação material (não intencional) e remota, e esta pode ser lícita se houver motivos para tal.

Corta para 2022, e o leitor haverá de perguntar: mas que “motivos proporcionais” pode haver para se votar no Lula? 
Essa é uma resposta que só um católico defensor da vida e eleitor do Lula pode dar; eu não sou essa pessoa, porque não voto em abortista. Mas tenho alguns chutes. Acho possível que mesmo um pró-vida convicto tenha analisado o cenário e ache que Bolsonaro seja um mal maior, considerando o conjunto da obra; ou que o abortismo do Lula será compensado pelo perfil mais conservador do Congresso, que não vai deixar passar nada nesse sentido; ou, ainda, pode considerar positivas outras plataformas do Lula e concluir que os prós valem mais que os contras. Se a pessoa está certa ou não a esse respeito é outro assunto – nosso editorial deste domingo, aliás, explicou como o presidente da República pode ignorar o Congresso para promover o aborto, caso queira.

A moral da história é que, se a pessoa realmente concluiu haver “motivos proporcionais” para votar em um abortista como o Lula apesar do abortismo, vai lá e, de acordo com a sua consciência, aperta o treze-confirma, eu posso até dizer que a consciência desse eleitor não está lá tão bem formada quanto ele julga estar, mas não posso acusá-lo de pecado. Burrice, imprudência, pode ser muita coisa, mas pecado não. Eu é que não serei fiscal da consciência alheia, cada um que busque formá-la da melhor maneira possível (e Ratzinger também escreveu a esse respeito) e se resolva com Deus a esse respeito.

“Opção beneditina” é isolamento voluntário; mas talvez o isolamento forçado venha antes

Se você não leu a coluna de quarta passada do Flavio Gordon, leia. Ele mostra como nenhum regime revolucionário começou fechando igrejas; essa “costuma ser a última etapa num processo em que as fases anteriores são, normalmente, a violência simbólica (retórica) e, em seguida, o assédio administrativo, burocrático e judicial (cobrança de impostos, fiscalização abusiva, cassação de licenças de funcionamento, recusa de alvarás, exigências burocráticas draconianas etc.)”.   
A coluna tinha o objetivo de descrever como funcionou o constrangimento institucional, aquele aplicado às igrejas, mas há uma outra frente de perseguição, que é aplicada aos indivíduos. 
É algo que Rod Dreher descreve muito bem em seu A opção beneditina, que eu li ainda antes de o livro ganhar edição brasileira.


O livro é interessante e muito instigante; acho que o diagnóstico é certeiro, embora ainda tenha dúvidas quanto ao receituário – ainda acredito na “Escrivá option” (só tenha em mente que este artigo da Crisis foi publicado em resposta a uma concepção inicial da “opção beneditina”; o livro já é uma versão mais refinada do argumento de Dreher). Mas, quando vejo algumas notícias por aí, fico me perguntando se a solução proposta por Dreher, que os cristãos se “isolem” de uma sociedade cada vez mais hostil a eles, não nos acabará imposta em vez de adotada por nossa livre e espontânea vontade.

Li no Crux sobre a reação do arcebispo de Melbourne, na Austrália, à decisão de um time local de futebol australiano (nem sei bem como se joga isso, mas parece que os bispos católicos de lá gostam do esporte; o cardeal George Pell vivia comentando os jogos no diário escrito durante sua prisão) de forçar um CEO recém-contratado a deixar o time. Andrew Thorburn também é membro do conselho de uma igreja protestante chamada City on a Hill, e, após sua nomeação como CEO do Essendon Football Club, ressuscitaram sermões de 2013 daquela igreja em que se criticava o aborto e o comportamento homossexual. O clube concluiu que Thorburn não podia ser ao mesmo tempo membro do conselho da igreja (posição que ele nem tinha em 2013, aliás) e CEO do time.

Pelo andar da carruagem, daqui a pouco cristãos convictos não terão mais lugar em nenhuma equipe esportiva

“É ultrajante que uma pessoa boa tenha sido forçada a escolher entre um papel público de liderança e sua participação como membro ativo de uma comunidade cristã”,
disse o arcebispo Peter Comensoli. “Isso já não é sobre respeito à diversidade. Lamento pelos jovens que sonham com uma carreira no futebol ou outros esportes, e que agora perguntam se sua fé atrapalhará seu progresso. Penso nas famílias que vêm apoiando o clube de longa data, e agora se perguntam se suas crenças são aceitáveis para quem comanda o clube ao qual elas pertencem ou que elas patrocinam”, disse o arcebispo, que se declarou torcedor dos “Bombers” desde o primeiro dia em que chegou a Melbourne, mas que agora procurará outro time para torcer.

Não é o primeiro caso desse tipo. Em 2019, Israel Folau foi desligado da seleção australiana de rugby e do time que defendia na liga daquele país por causa de comentários sobre comportamento homossexual e união homoafetiva (hoje, ele joga na liga japonesa e defende a seleção de Tonga). E fico pensando aqui que, pelo andar da carruagem, daqui a pouco cristãos convictos não terão mais lugar em nenhuma dessas equipes esportivas, e serão forçados a criar seus próprios times. 

Mas, claro, as ligas locais não permitirão que tais times participem dos seus campeonatos, o que os forçará a organizar os próprios torneios. E aí teremos “ligas cristãs” pelos mesmos motivos pelos quais havia negro leagues de beisebol até o fim dos anos 40 do século passado nos Estados Unidos. E, com sorte, lá por 2080 ou 2090 teremos manchetes como “Fulano é o primeiro jogador cristão em décadas a assinar contrato com um time da liga nacional profissional”...

Marcio Antonio Campos, editor Gazeta do Povo - VOZES

 

domingo, 9 de outubro de 2022

Atriz Cássia Kiss convoca povo para rezar contra 'ameaça comunista'

A atriz Cássia Kiss defendeu o candidato a reeleição Jair Bolsonaro (PL) durante entrevista coletiva de novela na Globo na última terça-feira (5/10)

A atriz Cássia Kiss, 64 anos, apareceu em um vídeo que circula nas redes sociais, convocando o povo brasileiro para ir até Aparecida do Norte para rezar contra o que ela chamou de "ameaça comunista". [a ameaça comunista existe, é real; a esquerda tenta conquistar o poder e impor o comunismo é, e sempre será, o seu objetivo.]   Na última terça-feira (5/10), durante coletiva de imprensa da novela Travessia, Cássia Kis aproveitou o evento para defender o candidato a reeleição.
 
“Bolsonaro é cristão. Mas católico de verdade ele ainda não é, mas pode ser. Ele está sendo apoiado [pelos católicos], e isso é maravilhoso, porque é evidente que o presidente Bolsonaro vem se transformando como homem. Ele reconhece que falou muita bobagem, tem reconhecido isso, sobretudo porque a vida religiosa e espiritual vêm se transformando com muita força”, disse segundo o Splash.
 

             Cássia Kiss convida os brasileiros para rezar em Aparecida!
You Tube

Agora, em uma nova declaração em um vídeo que tem circulado nas redes sociais, a atriz mais uma vez se apresentou a favor do  presidente. "Convido a todos os brasileiros para no próximo dia 12 de outubro, às 15h, rezarmos o Santo Rosário, desta vez em Aparecida. Suplicaremos a tão boa mãe, que governe o nosso país e que nos livre da ameaça comunista", disse.

Política - Correio Braziliense

 


sábado, 30 de julho de 2022

O resgate do juiz - Rodrigo Constantino

Revista Oeste 

Antonin Scalia, magistrado da Suprema Corte dos EUA, nunca teve a pretensão de saber mais do que as leis 

Antonin Scalia, ex-juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos | Foto: Reprodução/Wikimedia Commons
Antonin Scalia, ex-juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos | Foto: Reprodução/Wikimedia Commons
 
Antonin Scalia foi juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos de 1986 até a sua morte, em 2016. 
Nomeado pelo presidente Ronald Reagan, Scalia foi descrito como a âncora intelectual do originalismo e do textualismo na interpretação da Constituição dos Estados Unidos. 
Eis aí alguém que os nossos “magistrados” do STF deveriam ler. “Enquanto os juízes mexerem com a Constituição para ‘fazer o que as pessoas querem’, em vez do que o documento realmente comanda, os políticos que escolherem e confirmarem os novos juízes, naturalmente, quererão apenas aqueles que concordam com eles politicamente”, disse Scalia. O juiz constitucionalista, afinal, não está ali para “empurrar a história”, mas, sim, para proteger a Constituição.

Se você for um juiz bom e fiel, você deve se resignar ao fato de que nem sempre vai gostar das conclusões a que você chega. Se você gosta delas o tempo todo, provavelmente está fazendo algo errado”, constatou Scalia. O juiz não está lá para impor a sua visão de mundo, mas, sim, para se ater ao que diz a lei.

Scalia foi o primeiro justice de origem italiana, e era um conservador originalista, ou seja, levava muito a sério a intenção dos “pais fundadores” ao legarem a Constituição como espinha dorsal da lei no país que criaram, em vez de considerar o documento um “organismo vivo” a ser moldado pelo modismo, ou pela “voz das ruas”. “As palavras têm significado. E o seu significado não muda”, dizia.

O juiz não está lá para impor a sua visão de mundo, mas, sim, para se ater ao que diz a lei

Católico, amante de ópera, dono de refinado bom humor e com uma postura de cavalheiro, Scalia foi casado por meio século com Maureen, com quem teve nove filhos. Scalia morreu aos 79 anos de idade, em 2016, num rancho no Texas, onde estava com outros membros de um grupo de caça. Um de seus filhos, Christopher, reuniu inúmeros discursos do pai, com a ajuda de um assessor, no livro Scalia Speaks, que engloba reflexões não só sobre o Direito legal, mas sobre a fé e uma vida bem vivida.

O prefácio foi escrito por Ruth Ginsburg, que também foi juíza da Suprema Corte e de inclinação “progressista”. As divergências ideológicas não impediram a amizade e o respeito mútuo entre ambos, algo que já serve como primeira lição para os tempos atuais, em que qualquer desacordo político já é pretexto para romper relacionamentos. Boas pessoas podem chegar a conclusões diferentes, e as instituições podem se beneficiar de tal pluralidade.

Além disso, o próprio Scalia gostava de desafiar crenças estabelecidas. Não por ser do contra, mas por entender que era fundamental inspirar nos outros a dúvida, o desejo de questionar suas premissas e de buscar a verdade. O processo de procurar a resposta, de pesquisar, é aquele que estimula a mente. Novas analogias ocorrem, novas avenidas se abrem, e os insights surgem por meio desse processo.

De origem italiana, Scalia também foi um grande patriota, e identificava os principais valores que representavam a América. Tinha humildade para reconhecer que os melhores de hoje, os mais bem-sucedidos, subiram em ombros de gigantes do passado. Ele entendia como é difícil criar uma grande sociedade, enquanto é muito fácil, por meio de intrigas bobas internas ou do fracasso de confrontar ameaças externas, perdê-la. A América merece ser preservada.

E quais seriam esses valores que fazem dela uma grande nação, e que os italianos teriam colaborado para alimentar? Em primeiro lugar, a capacidade de trabalhar duro; em segundo lugar, o amor pela família; em terceiro lugar, o amor pela igreja, ou a fé religiosa; e, por fim, como resultado dos demais, um amor pelos prazeres físicos simples da existência humana, como boa comida, música e, claro, vinho.

Scalia gostava de desafiar crenças estabelecidas. Não por ser do contra, mas por entender que era fundamental inspirar nos outros a dúvida

Com isso em mente, Scalia se sentia orgulhoso da herança cultural italiana, e mesmo assim se sentia 100% norte-americano. Imigrantes jamais deveriam ser ingratos com a América. Se trouxeram contribuições, também receberam muita coisa em troca. A começar pela tolerância para com essas diferenças, algo um tanto único nos Estados Unidos, um “caldeirão” cultural. E o que faz alguém norte-americano não é o sangue, o local de nascimento ou o nome, mas, sim, a crença nos princípios da liberdade e da igualdade de todos perante as leis.

Um dos pontos mais fortes da nação, para Scalia, é justamente o fato de pessoas com credos distintos, etnias diferentes, origens diversas, unirem-se em prol de ideais comuns e aprenderem não só a tolerar, mas a respeitar o outro. Mas nada disso pode ser tomado como garantido. Scalia lembrava que o progresso moral não segue o material, e que a Alemanha que produziu o nazismo foi a mesma que se destacava nas ciências, na filosofia, na música ou na educação pública. O fato de que o Holocausto ocorreu nesta nação deve servir sempre como alerta aos que confundem avanço científico ou material com valores morais ou espirituais.

Por mais que a América seja fruto do legado da Europa, Scalia também gostava de destacar as diferenças entre ambos, apontando valores que os norte-americanos tinham e estavam ausentes no continente europeu. A Constituição escrita pelos fundadores tinha como meta justamente impedir muitos dos equívocos que enxergaram no Velho Continente. A começar por um ceticismo bem maior em relação ao governo, buscando criar mecanismos de pesos e contrapesos para mitigar o potencial estrago causado pelo Estado.

Os meios para perseguir os fins é que variam bastante, e o diabo está sempre nos detalhes. Os norte-americanos demonstraram ao longo do tempo um apreço maior pela defesa das liberdades individuais, pela liberdade de expressão e religiosa, garantida na Primeira Emenda, pelo direito de ter armas, garantido na Segunda Emenda e que visava à proteção do povo contra o risco de tirania do governo.

O aspecto religioso também difere; enquanto a Europa se torna cada vez mais secular, os norte-americanos seguem conscientes daquilo que seus “pais fundadores” sabiam: que um povo livre precisa de um arcabouço moral, e que este depende da religião. John Adams, Benjamin Rush e George Washington enfatizaram inúmeras vezes a importância desse pilar para a sobrevivência da República.

Por fim, a importância vital do “rule of law”, um Estado de Direito em que todos devem responder às mesmas regras. Scalia citava em seus discursos um trecho de O Homem que Não Vendeu a Sua Alma, filme de Robert Bolt sobre Thomas More, em que o santo justifica o benefício legal até para o diabo. A passagem é memorável, pois More faz uma defesa incrível do império das leis dos homens, lembrando que não é Deus para julgar acima delas, e que atalhos ilegais para punir quem se sabe ser uma pessoa ruim colocam em risco o próprio arcabouço que protege os inocentes:

“Oh? E quando a última lei caísse, e o Diabo se virasse para você — onde você se esconderia, Roper, as leis estando todas abaixo? Este país está enraizado com leis de costa a costa — as leis do homem, não as de Deus — e, se você as derrubar — e você é o homem certo para isso —, você realmente acha que poderia ficar de pé contra os ventos que soprariam então? Sim, eu daria ao Diabo o benefício da lei, para minha própria segurança”.

Isso sim era um juiz de verdade! Scalia era um pilar do conservadorismo na Suprema Corte dos Estados Unidos. Ele nunca teve a pretensão de saber mais do que as leis, e jamais misturou sua importante função de aplicá-las com aquela dos legisladores, que as criam. Tal humildade demonstrava enorme força, ao contrário da arrogância autoritária de alguns ministros supremos brasileiros, que expõe somente sua fraqueza moral.

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Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste


sexta-feira, 22 de julho de 2022

E se Alexandre de Moraes caísse do cavalo? - Gazeta do Povo - Vozes

Paulo Polzonoff Jr. 

Terça-feira (19). Estou cansado. E, confesso envergonhadamente, estou tomado por um cinismo infeliz acumulado ao longo de décadas. É assim que enfrento o friozinho para entrar num culto evangélico pela primeira vez em trinta anos. A denominação – Igreja Batista da Lagoinha – é totalmente desconhecida para mim. "Vamos ver o que é que acontece", penso, a título de automotivação. Antes, permita-me esclarecer o “cinismo infeliz”.

Depois de 30 anos, fui a uma igreja evangélica. Enfrentei meus próprios preconceitos e saí de lá pensando: e se Alexandre de Moraes tivesse uma revelação? - Foto: Montagem de Eli Vieira

Não apenas acumulado, esse cinismo infeliz foi cultivado ao longo de três décadas.  
A origem, eu a localizo na igreja evangélica que eu era obrigado a frequentar enquanto pré-adolescente. 
Durante um tempo, achava que o problema estava na obrigatoriedade. Depois, entendi que eram outras coisas, sobretudo a música ruim e as pregações que misturavam religião e política, sem falar no moralismo sexual que definitivamente não comovia um menino pubescente.

Depois vieram anos e anos consumindo jornalismo e entretenimento que retratavam o mundo evangélico como um amontoado de gente na melhor das hipóteses ignorante e na pior, mal-intencionada. Por fim, teve aquela tarde de domingo em que, sem nada melhor para fazer e movido por uma curiosidade mórbida, liguei a TV para acompanhar o culto de um desses pastores caricatos – e fiquei assustado com a caricatura que vi.

Me sentei na antepenúltima fila. Cruzei os braços. Não estava mal-humorado nem nada. Era só meu jeito de esperar. A todo instante, porém, era levado a estender a mão e abrir um sorriso para os desconhecidos que vinham me cumprimentar com o “paz, irmão” que não ouvia há 30 anos. Já aí desmoronou o cinismo infeliz. “Como fazem falta gestos assim, de generosidade desinteressada”, pensei.

Começou o culto. Não havia liturgia alguma. Tudo era muito espontâneo – e não sei direito o que pensar a respeito disso. Digo, sou católico e conservador; gosto da Tradição. Mas havia tanta boa intenção nessa espontaneidade que era difícil não admirá-la. A primeira meia hora foi tomada por músicas bem melhores do que as que animavam os cultos da minha época. Destaque para uma moça de dreads coloridos que cantava divinamente bem e com um fervor digno de sinceros aplausos.

Depois das músicas vieram pastores que, alternadamente, oraram cada um por uma causa: família, saúde, trabalho (não dinheiro; trabalho) e Pátria. Ao meu redor, chamou a atenção a sinceridade com que as pessoas pediam e sobretudo agradeciam. Pensei que naquele exato momento alguém mais cínico e infeliz do que eu provavelmente estava entrando nas redes sociais para reclamar, reclamar, reclamar – num rito semelhante ao de uma oração blasfema. E até por isso me senti cercado por pessoas de bem.

Improvável
Por fim, começou a pregação. Não sem antes o pastor pedir que a bandeira do Brasil fosse mantida no telão. Intitulada “Deus Capacita os Improváveis”, a pregação foi feita tendo por base a história de Davi e a conversão do apóstolo Paulo ao Cristianismo. (A coincidência dos nomes não me escapou). E foi ao longo do monólogo que durou uma boa hora que refleti sobre a possibilidade de Alexandre de Moraes cair do cavalo.

Paulo, talvez você se lembre das aulas de catecismo, teve uma epifania e “caiu em terra”. Ou seja, ele pode ter mesmo caído do cavalo, como popularmente se diz, mas pode muito bem ter “caído da própria altura”. Não importa. O que importa é que um homem que antes perseguia os cristãos se tornou um cristão perseguido por pregar os valores que, como bem expõe Tom Holland no obrigatório “Domínio: o cristianismo e a criação da mentalidade ocidental”, moldaram a Civilização que nos rodeia.

O que aconteceria se um ministro do STF passasse pela mesma experiência e mudasse completamente de ideia? 
E aqui acredito que valha um aviso: sou totalmente responsável por essas elucubrações que associam a história bíblica ao Brasil do ano da Graça de 2022. 
O pastor jamais mencionou o nome de qualquer autoridade. Até porque o objetivo dele era alcançar o homem comum, e não tecer considerações jurídico-políticas.
 
Imaginei o pedido de desculpas, os debates sobre a sinceridade ou não de um arrependimento, uma turma se sentindo traída e a outra desejando vingança. Imaginei, porque imaginar é o que faço de melhor, o martírio por que passaria o ministro ao substituir o voluntarismo maquiavélico pelo que é belo & moral. Pelo que é correto e justo. 
 Ou ao menos pelo que é constitucional. 
E, já que estava no embalo, imaginei até um Alexandre de Moraes asceta, a barba comprida adornando a cabeça calva, envolto nos retalhos de sua autoridade togada, imerso numa redenção para nós talvez incompreensível.
 
Alexandre de Moraes é um dos “improváveis” de que falava o pastor. A lógica (cínica, infeliz e elementar) nos leva a crer que ele jamais alcançará qualquer epifania que o desvie do caminho autoritário que vem trilhando
E eu estaria mentindo se dissesse que tenho esperança de que esse milagre venha a se concretizar. 
Assim como aconteceu com o apóstolo Paulo e incontáveis pessoas que não figuram nem na Bíblia nem nas manchetes dos jornais, o poder tende a despertar o que há de pior nas pessoas. Uma tentação que os vaidosos têm ainda mais dificuldade para rejeitar.
 
 Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor. - Gazeta do Povo - VOZES - MATÉRIA COMPLETA
 

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Lula versão 89 - Revista Oeste

Silvio Navarro - Cristyan Costa

Ex-presidente recorre a repertório político atrasado, assusta aliados e causa incêndio dentro do próprio PT

Existe um grande mistério na campanha presidencial deste ano: quem são e onde estão os cerca de 40% dos eleitores de Lula, segundo as pesquisas? Disposto a provar que sua popularidade não é uma invenção do consórcio da imprensa, o petista decidiu comparecer ao mais tradicional evento da esquerda a céu aberto: a festa do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, em São Paulo. Foi um desastre.

O PT montou um palco enorme na Praça Charles Miller, onde funciona o estacionamento do Estádio do Pacaembu. As centrais sindicais espalharam balões de gás e levaram brindes. Os principais líderes da esquerda, como Guilherme Boulos (Psol) e Fernando Haddad (PT), circularam com desenvoltura. Até José Dirceu, que há anos não era visto nas ruas, apareceu com uma camiseta do Corinthians e uma faixa na testa: “Sou Lula”.

No palco, artistas se apresentaram num típico “showmício” da década de 1990, com pedidos de votos — hoje são proibidos por lei. O vereador Eduardo Suplicy (PT) resolveu relembrar os tempos em que cantava Blowing in the Wind, canção de Bob Dylan, na tribuna do Senado.

Entre uma música e outra, o locutor do festival anunciava: “O presidente vem aí!”, respondido com o coro de “Fora Bolsonaro!”. A programação da festa atrasou três horas até que Lula desse as caras. O motivo: faltava um elemento fundamental naquela tarde. Apesar de todo o esforço, o público não apareceu.

Para piorar a situação, o show mais esperado do dia, da cantora Daniela Mercury, causou ainda mais estrago. Cabo eleitoral de Lula, ela fez um discurso explícito pedindo votos. E emendou dizendo que nunca havia recebido dinheiro público para suas apresentações. Na última terça-feira, 3, a edição do Diário Oficial do município informou que a participação de Daniela custou R$ 100 mil ao bolso dos paulistanos. O dinheiro saiu do caixa da prefeitura, que mal consegue cuidar da zeladoria de uma metrópole em frangalhos.

De acordo com a Resolução 23.674/2021, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pedidos de voto ou atos que caracterizem campanha só podem ocorrer a partir de 16 de agosto. “Se houve pedido expresso de voto por parte de Daniela Mercury, trata-se de propaganda eleitoral antecipada”, afirma o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral. “Quem pratica essa ilegalidade está sujeito a multa de R$ 5 mil a R$ 25 mil.”

A Lei Eleitoral proíbe campanha em eventos patrocinados por dinheiro público. A prefeitura paulistana já tinha uma resposta na manga para se livrar de punição: os recursos teriam sido destinados à festa das centrais sindicais e não seria possível prever que alguém pediria votos a Lula. Não pegou nada bem. Nesta quinta-feira, 5, contudo, a Controladoria-Geral de São Paulo suspendeu o pagamento até a “apuração dos fatos e eventuais responsabilidades funcionais e empresariais”.

Incontinência verbal
Lula subiu ao palco ao lado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Fez um discurso de 15 minutos, que pode ser considerado breve para os seus padrões. A fala começou com um pedido de desculpas. No dia anterior, ele dissera que “Bolsonaro não gosta de gente, mas de polícia”. A declaração caiu como uma bomba nas redes sociais. Mas não foi a única desde que voltou a se arriscar em público.

A incontinência verbal tem sido criticada com frequência por aliados — em alguns casos, abertamente. Foi o que aconteceu na quarta-feira 4, durante a celebração da aliança com o Solidariedade. O líder do partido, Paulinho da Força, que é sindicalista, pediu que Lula parasse de defender a revogação da reforma trabalhista. “Temos perdido tempo com algumas coisas: uma vaia ali, a Internacional Socialista ali, uma reforma trabalhista”, disse Paulinho. A referência à Internacional Socialista é simbólica. O hino esquerdista, que nem a mais antiga vitrola comunista reconhece, foi entoado em evento do PSB neste mês.

“Até brinquei com o Marcelo Ramos (vice-presidente da Câmara). Esquece essa história de reforma trabalhista. Ganha a eleição que resolvemos isso dentro da Câmara em dois meses”, afirmou Paulinho. “Isso é besteira, essa história de revogar só joga água contra o nosso moinho.”

O próprio Lula já se queixou da ausência de alguns nomes em aparições recentes. Um exemplo foi Marina Silva, que não foi ao ato da Rede em apoio à candidatura do petista. Outros parlamentares novatos que se destacaram na mídia também têm evitado o contato direto. Tanto que foram convocados para cuidar da agenda e do programa de governo figuras jurássicas da sigla, como Luiz Dulci, Paulo Okamoto e Aloizio Mercadante.

O tesoureiro será o deputado sergipano Márcio Macedo, que assumiu as finanças do PT quando João Vaccari Neto foi preso. Lula, contudo, queria a volta do seu homem de confiança no posto, José De Fillipi Júnior, mas ele não topou largar a prefeitura de Diadema.

A falta que um marqueteiro faz
No final de semana passado, a desastrosa menção de Lula aos policiais foi tema de conversas em grupos de WhatsApp que reúnem marqueteiros de campanhas petistas e jornalistas. Os principais incomodados são os profissionais que vão trabalhar na campanha de Fernando Haddad para o governo de São Paulo.

Essa ala defende a ideia de que o repertório deveria ser parecido com o que o conduziu duas vezes ao Palácio do Planalto — sem o rancor adotado desde o pronunciamento na saída da carceragem em Curitiba, em 2019. Esses aliados argumentam que a resistência do eleitorado paulista ao PT está crescendo, segundo pesquisas. Outro detalhe: o petista vai enfrentar dois adversários de perfil moderado, o ex-ministro Tarcísio Gomes de Freitas e o atual governador, Rodrigo Garcia. O tucano, aliás, tenta a todo custo se distanciar de João Doria.

A briga interna na comunicação do PT opõe dois nomes: o responsável pela área no partido, Jilmar Tatto, e o ex-ministro Franklin Martins, chamado para ajudar na campanha. Tatto conseguiu demitir recentemente a empresa do marqueteiro Augusto Fonseca, que estava produzindo as primeiras peças de TV. Fonseca é amigo de Franklin, defensor da linha mais agressiva.

O favorito para assumir o posto é Sidônio Pereira, que fez a campanha de Haddad em 2018. Ele é ligado ao senador baiano Jaques Wagner e tem a preferência de Gleisi. Seria uma tentativa de suavizar o tom. Há, contudo, um último e decisivo fator nessa equação: Lula recusa qualquer comando. Ele não ouve ninguém.

Jogo dos 7 erros
A sequência de barbeiragens nos discursos é grande. O petista já defendeu o direito ao aborto, assunto que causa curto-circuito no eleitorado evangélico e católico. E disse que a classe média “ostenta demais”.

Para agradar a Guilherme Boulos e à militância do Psol nas universidades, disse recentemente que pretende trabalhar para criar uma moeda única na América Latina. A fala empoeirada ainda conseguiu misturar, em pouco mais de 30 segundos, a ideia de recuperar os Brics (grupo de países de mercados emergentes), o fechamento dos clubes de tiro e o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia.

Sobre a guerra no Leste Europeu, aliás, afirmou há pouco tempo que a resolveria bebendo cerveja numa mesa de bar. “Até acabar (sic) as garrafas, sairia o acordo de paz”, disse Lula, segundo vídeo reproduzido pela embaixatriz ucraniana, Fabiana Tronenko, no Instagram.

Ainda não se sabe o efeito real das falas de Lula na campanha deste ano. Oficialmente, ela nem começou. Tampouco as oscilações nas pesquisas podem ser levadas muito a sério por nenhum dos candidatos. Mas é fato que o petista tem se inspirado cada vez mais nas três vezes em que perdeu as eleições.

Leia também “Fala mais, Lula!”