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segunda-feira, 12 de julho de 2021

STF, lava jato e lula candidato - Percival Puggina

Guardo um sabor amargo dos episódios. Como tantos brasileiros, festejei a intensa e fértil atuação da Operação Lava Jato. O Brasil, enfim, combatia a corrupção e dava um basta à impunidade dos crimes de colarinho branco, tão bem representados pelas organizações criminosas, pelos bordéis políticos e comerciais naqueles tempos de euforia. Para bem da verdade, diga-se: o modelo operacional do banditismo político e empresarial, simples e antigo, apenas havia ganhado novos operadores e ampliado sua musculatura financeira. A liberdade não é causa de prosperidade? Para o crime, isso é ainda mais válido.

A famosa operação, contudo, tinha dois gumes. Poucos partidos ficaram fora das longas filas que se formaram diante dos confessionários de Curitiba. Qual o motivo daquelas sessões de compunção e arrependimento? O Brasil estava sendo higienizado por uma janela aberta no STF, que, em fevereiro de 2016, permitiu a prisão após condenação em segunda instância. O réu podia recorrer da sentença, mas na cadeia, e tudo ia muito bem até que em 7 de abril de 2018 o ex-presidente Lula chegou de mala na mão à carceragem da PF da capital paranaense.

A partir daí teve início uma série de movimentos dentro do Supremo. O tema da prisão após condenação em 2º instância tornou-se uma espécie de mosca, daquelas chatas, atravessando as sessões da Corte. Aparecia em horas inesperadas, cruzando a agenda. “Esta corte ainda  se debruçará sobre essas condenações”, exclamava certo ministro, indignado com a pressão psicológica e a coerção que a possibilidade de prisão exercia sobre criminosos...  Não é de cortar o coração? Entre cochichos e sorrisos cúmplices, era visível que se formava maioria para reverter a incômoda decisão. A benevolência, dizem os santos, tem esse efeito contagiante.

Em 7 de novembro de 2019, alguns ministros mudaram seus votos anteriores e o STF abriu as portas para que verdadeira multidão de condenados pelos mais variados crimes voltasse às ruas. Entre eles, o primum inter pares, o padrinho da indicação de diversos deles, o estadista de Garanhuns. A Lava Jato estertorou. Para criminosos endinheirados voltou a viger a regra da prisão no day after do Juízo Final.

A estratégia e seu cronograma incluíam outros passos. Lula saíra da prisão, sim, mas quando ensaiou percorrer o Brasil, viajou como um espectro imperceptível, sem charme nem público. Estava condenado, não podia ser candidato e não servia sequer para conselheiro do Corinthians. Para um Supremo que já voltara atrás de decisão sobre prisão em segunda instância era fácil reverter outra e estabelecer que não estava em Curitiba o juízo natural do réu Lula. Mande-se tudo para Brasília. A seguir, na mesma toada, a Corte declara a suspeição de Sérgio Moro. [nossa tranquilidade quanto ao final da carreira política do criminoso de Garanhuns permanece;  - apesar de todo o poder que a conjuntura atual, ainda que temporária, concede ao Supremo, a vontade do eleitor permanece soberana = mesmo que a implantação do voto impresso não ocorra, de imediato = vontade esta esta que condenou Lula a não ser mais nada politicamente, exceto junto aos petistas adeptos dos fracassados.]

Pronto. Lula estava apto a concorrer à presidência, tão inocente quanto esteve, um dia, na pia batismal. [considerar a pia batismal como exemplo perfeito de inocência é ato maravilhoso, adequado e perfeito; exceto no caso do indigitado petista, que é ateu = não batizado.
Ainda que fosse batizado, os pactos sucessivos que fez com satã, o tornaram sujeito a excomunhões automáticas.]   Mas, e as provas? As malditas provas estavam vivas. Eis que um ministro declara a contaminação e abre portas para a nulidade também das provas. Doravante, será preciso recolher provas novíssimas de antigas velhacarias? [e apresentar as provas novas na vara certa; já que desta vez, segundo as más línguas, a Lava Jato fez o petista sentar na vara errada.]

E não falta quem diga ser assim que se faz justiça.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


domingo, 5 de maio de 2019

Descarados e malevolentes

Conquanto o desejo e a luxúria fossem tratados com excessivas curiosidades, havia um cenário geral para todas as faltas: os sete pecados capitais


Deonísio da Silva
O que há por trás desta vontade de homens públicos de esconder o que são, levando-os a censurar ou ao menos controlar o que deles se diz? Esta vontade só não é maior do que a de parecer o que não são em entrevistas, declarações e outras estratégias e táticas de ocultar algumas coisas para proclamar outras.  É tão importante atuar em nome dos outros que talvez fosse recomendável aos nossos homens públicos instalar confessionários onde cada qual pudesse contar os pecados contra o público, antes de alguns poucos serem revelados por jornalistas.
Diversas religiões consolidaram usos e costumes constantes de lições ministradas há muitos séculos. Atos importantes requerem purificação prévia, como de resto toma-se um bom banho, acrescido das providências de praxe antes de qualquer convívio, cerimonioso ou privado.

Mas confessar-se a quem? A um dos pares? Neste caso, não poderia ser confissão em privado, mas confissão pública. Como começou a confissão, este ato sublime, que estabelece uma rede de confiança mútua entre confessores e confitentes? Se quebra houvesse no sigilo da confissão, seria punida com excomunhão, a mais grave das penalidades, a ponto de constituir-se num dos mais irreparáveis insultos chamar alguém de excomungado.

No início, ao formalizar os ritos da confissão, a Igreja teve alguns problemas. Foi, então, providenciada uma nova tecnologia, obra de competente e imaginoso marceneiro para atender à encomenda eclesiástica. Assim, o mesmo século que descobriu o Brasil, também descobriu o confessionário. O móvel do confessionário é um recurso estratégico do barroco e da contrarreforma, contexto histórico e artístico no qual o Brasil foi descoberto e formado.

Antes, sentado numa cadeira simples, ao lado de um banco onde estavam os fiéis, o confessor atendia os confitentes um a um. Aos cochichos, para não ser ouvido pela fila dos aguardantes, muito menos por toda a igreja, cada qual desfiava os seus pecados. Alguns acabavam por confessar também os dos outros, dadas as eficientes perguntas do manual dos confessores.

A confissão, formalizada pelo Concílio de Latrão em 1215, deixou de ser optativa e passou a obrigatória. Como nem todos os padres sabiam alugar as orelhas adequadamente, surgiram os manuais. Entre os Séculos XV e XVI, na grafia do português antigo temos o Tratado de Confissom e o Breve Memorial dos pecados e cousas que pertencem ha confissam. Quanto aos manuais, inicialmente escritos em latim, ganharam depois edições em línguas vernáculas.

Tal como se faz hoje em sistemas judiciários de todo o mundo, inclusive no Brasil, as penas eram negociadas também: “vós me contais, eu vos perdoo”, restava entredito em diálogo mudo. A Igreja fazia dos confessores seus bastantes procuradores para ouvir e repassar às autoridades, não as identificações, mas as faltas, com o fim de rever seu planejamento. Esta prática de bisbilhotagem das almas foi sempre antecedida do ato de contrição. A etimologia da palavra contrição não deixa dúvidas sobre a tarefa: mais do que espremer, consiste em triturar, apertar, fazer com a pessoa o que se faz com o trigo a fim de transformá-lo em farinha.

Cada um deveria ser o moleiro de si mesmo e preparar-se para despejar a farinha dos pecados nos ouvidos do confessor, entretanto oculto atrás de uma treliça, pequeno tapume de ripas de madeira destinadas a filtrar os pecados ditos em sussurro e a impedir o reconhecimento do pecador. Resta dizer que, conquanto o desejo e a luxúria, isto é, os pecados de sexo, fossem tratados com excessivas curiosidades, vindas de perguntas feitas por homens castos em busca de usufruir pelo menos as respostas, sobretudo de mulheres, havia um cenário geral para todas as faltas: os sete pecados capitais.

Por serem tantos, eram resumidos na sigla SALIGIA: soberba, avareza, luxúria, inveja, gula, ira e acédia. Este último pecado consolidou-se com outro nome, preguiça, em virtude de acídia ou acédia designar no grego e no latim antigos o mal-estar dos funerais, o luto imobilizante sobrevindo com a morte de alguém muito querido.  Os manuais demoravam-se em alguns pecados, mais graves do que outros. Um dos mais frequentes neste campo, ontem como hoje, era a soberba, que consiste em vangloriar-se de feitos que não são seus, em parecer o que não é, pondo-se acima dos outros, inatingível, ofendendo a Deus e ao próximo.

E assim os cronistas, ontem como hoje, ao contar as coisas como as coisas são, fazem o perfil de alguns homens públicos que tentam esconder-se de qualquer modo.
*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
http://portal.estacio.br/instituto-da-palavra



Transcrito do Blog do Augusto Nunes