Outro trecho vazado da delação de Pedro
Novis, ex-presidente do grupo, diz que recursos foram doados também à
campanha de Serra ao governo de SP, em 2006
Reportagem de Bela Megale e Mario Cesar Carvalho afirma que Pedro
Novis, ex-presidente do grupo Odebrecht, disse em delação premiada ter
repassado € 2 milhões de caixa dois a José Serra entre 2006 e 2007. Mas
sem contrapartida — vale dizer: não se trataria de propina em razão de
algum benefício prometido ou proporcionado por Serra.
Já vazara que delatores da Odebrecht
haviam repassado a uma campanha de Serra outros R$ 22 milhões, mas aí
para a disputa de 2010. Nota: em 2006, o tucano disputou o governo de
São Paulo e se elegeu no primeiro turno. Em 2010, foi derrotado por
Dilma Rousseff na disputa pela Presidência. Também nesse segundo caso,
não teria havido contrapartida. O senador nega irregularidades no caixa
de campanhas nas duas disputas.
A doação de 2010, segundo Novis, foi
depositada na Suíça nas contas dos empresários tucanos Ronaldo Cezar
Coelho e Márcio Fortes. A de 2006 teria sido direcionada para a conta de
outro empresário: José Amaro Pinto Ramos. Este, por sua vez, nega que o
dinheiro recebido da Odebrecht tenha ido para a campanha de Serra. Diz
que se tratava de pagamento de comissão por ter apresentado o grupo
brasileiro à estatal francesa DCNS.
A questão da contrapartida
A ser verdadeiro, no que diz respeito a Serra, o conteúdo das
delações, confortável, para ele, a situação não é, certo? Mas cumpre não
cair na farsa, muito influente hoje em dia, de que todos os citados na
Lava Jato são iguais. A menos que surjam evidências em contrário — e
nenhum vazamento sugere isso — e sempre dando de barato que a acusação
seja verdadeira, o fato é que Serra não é Sérgio Cabral. Aquele, com
efeito, é acusado, em várias circunstâncias, de fazer negociata com
interesses do Estado. E para o enriquecimento pessoal também.
A questão da “contrapartida” é
fundamental e remete a um dos debates mais candentes no âmbito da Lava
Jato. Como se sabe, inventou-se uma cascata de que o Congresso poderia
querer votar uma anistia ao caixa dois. Trata-se de uma impossibilidade
lógica. Não se anistia o que não é tipo penal — e, pois, não se anistia o
que oficialmente não é crime. A questão só existe porque setores do
Ministério Público pretendem tomar o caixa dois como sinônimo de
corrupção passiva, lavagem de dinheiro, peculato etc.
Leitura prática
Façamos uma leitura prática, objetiva, do “caso Serra”. Já sabemos
que o Ministério Público não poderá denunciar o senador ao Supremo por
“crime de caixa dois” — porque, reitere-se, não é tipo penal. Teria de
optar por um dos outros crimes. Mas aí será preciso apresentar as provas
ao tribunal, mas não as de que o caixa dois existiu, e sim as de que os
outros tipos penais foram praticados. Se a tal “contrapartida” não
ficar evidenciada, não se pode, por óbvio, tomar como prova a ausência
de prova.
Até aqui ao menos, o caso Serra não se
iguala ainda à relação do PT com a Odebrecht. Novis, segundo o
vazamento, disse em delação que Serra não deu nada em troca do dinheiro
do caixa dois. Pois é. Com os companheiros, era diferente, né? Marcelo
Odebrecht confessou que R$ 50 milhões de estimados R$ 150 milhões de
caixa dois para a campanha de Dilma, em 2014, eram uma contrapartida de
uma Medida Provisória assinada por Lula, em 2009, que concedeu
benefícios tributários à Braskem, do grupo Odebrecht, da ordem de R$ 2
bilhões.
Se isso for mesmo verdade e se
comprovar, a denúncia por “caixa dois” também não pode ser feita. Mas é
evidente que se está diante de um caso de corrupção passiva e peculato
(no caso de quem era agente do estado) e corrupção ativa (o grupo
empresarial). Nessa situação, o caixa dois foi o instrumento empregado
para a prática daqueles crimes.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo - VEJA