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quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Uma ajuda muito além do imaginado - Valor Econômico

Ribamar Oliveira

União repassou R$ 31 bilhões acima das perdas estaduais [recursos estes que foram praticamente extorquidos da União Federal, mediante pressão feita pelos favorecidos sobre o Poder Executivo da União, com ajuda do Poder Legislativo e o silêncio do Judiciário.

O governo Bolsonaro foi pressionado de forma direta e indireta, de forma a não ter condições de regatear.] 

O apoio financeiro aos Estados para o enfrentamento da pandemia do coronavírus ficou muito acima do que se poderia imaginar. Os dados preliminares do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) indicam que a receita acumulada de janeiro a setembro do ICMS, o principal tributo estadual, caiu cerca de R$ 3 bilhões, na comparação com igual período de 2019. Para compensar a perda, os governadores receberam R$ 37 bilhões, considerando apenas a lei complementar 173/2020.

Mas a ajuda federal não ficou só nisso. A arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda (IR), que é dividida com Estados e municípios, também caiu durante os meses iniciais da pandemia. Por isso, a medida provisória 938/2020, que foi convertida na lei 14.041/2020, autorizou a União a manter os repasses aos fundos de participação de Estados e municípios (FPE e FPM), de março a novembro, em valores equivalentes aos repassados nos mesmos meses de 2019. Com essa medida, os Estados já receberam R$ 7,359 bilhões, de acordo com o Tesouro Nacional.

O Boletim de Arrecadação de Tributos Estaduais, editado pelo Confaz, estima que a receita de todos os tributos estaduais - além do ICMS, o IPVA, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e todas as taxas cobradas - ficou em R$ 437,4 bilhões, no acumulado de janeiro a setembro. Este dado, no entanto, ainda não inclui a arrecadação do Distrito Federal e do Pará no mês passado. Se essas duas unidades da federação tiverem registrado a mesma receita de setembro de 2019, a arrecadação total subiria para R$ 439,52 bilhões. É provável que a receita fique maior do que esse valor, pois, em setembro, a arrecadação de todos os Estados superou aquela obtida no mesmo mês do ano passado.

Como a arrecadação acumulada de janeiro a setembro do ano passado do conjunto dos Estados ficou em R$ 445,14 bilhões, a perda de receita por causa da pandemia foi de, aproximadamente, R$ 5,6 bilhões. Para compensar essa perda, os Estados receberam da União (LC 173 e MP 938) nada menos que R$ 44,359 bilhões (R$ 37 bilhões mais R$ 7,359 bilhões). Considerando que os recursos da União autorizados pela MP 938 foram apenas para manter constantes os valores dos repasses do FPM e do FPE, na comparação com 2019, os Estados tiveram cerca de R$ 31,4 bilhões a mais, de janeiro a setembro deste ano, do que em igual período de 2019 (R$ 37 bilhões menos R$ 5,6 bilhões).

O aumento nominal da arrecadação total dos Estados nos primeiros nove meses deste ano está em torno de 7% (considerando apenas o repasse de R$ 37 bilhões), o que é um dado significativo, tendo em vista que o país está em recessão, com a previsão de queda em torno de 5% para o Produto Interno Bruto (PIB). 
Mesmo nessa situação, as receitas estaduais apresentarão aumento real, uma vez que a inflação deste ano está estimada em torno de 3%. Ainda não há informações sobre como os governadores estão gastando os recursos transferidos pela União. A LC 173 diz apenas que, dos R$ 37 bilhões repassados aos Estados, R$ 7 bilhões terão que ser utilizados em ações de saúde e assistência social. Os demais R$ 30 bilhões serão utilizados livremente pelos governadores, pois cairão diretamente no caixa de cada Estado e não estão carimbados, ou seja, não têm destinação definida em lei. Os recursos poderão, portanto, ser utilizados no pagamento de despesa com pessoal.

É importante que o contribuinte saiba que a União foi obrigada a emitir títulos públicos para arrecadar os recursos que transferiu, na forma de ajuda financeira aos Estados e aos municípios. Assim, a receita maior dos Estados neste ano resultou de aumento do endividamento do Tesouro Nacional. O impacto da pandemia nas receitas estaduais foi desigual. Na verdade, os Estados do Centro-Oeste e do Norte apresentaram ganho de arrecadação, provavelmente porque são grandes produtores de commodities agrícolas e suas economias não foram muito afetadas pela pandemia. As perdas ficaram com os Estados de Nordeste, Sul e Sudeste. 

A arrecadação total de tributos de Mato Grosso, o maior produtor de grãos do país, por exemplo, aumentou 16,18% de janeiro a setembro, na comparação com igual período de 2019, de acordo com os dados do Confaz. Mesmo assim, o Estado recebeu um auxílio de R$ 1,485 bilhão da União (só com a LC 173). Com a ajuda, a receita total de Mato Grosso nos primeiro nove meses deste ano ficou em R$ 15,19 bilhões, um aumento de 28,8%, na comparação com a arrecadação do mesmo período de 2019.

Na região Norte, os maiores ganhos de arrecadação ficaram com Amazonas e Pará. O primeiro registrou aumento de 6,6% de janeiro a setembro, na comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com os dados do Confaz. O segundo ainda não divulgou os dados de setembro, mas a receita estava crescendo 6,62% até agosto. Na região Nordeste, as maiores perdas ficaram com o Ceará (queda de 8,82%), Bahia (queda de 5,03%) e Rio Grande do Norte (menos 5,17%). No Sudeste, a receita total de Minas Gerais caiu 2,73%, a do Rio de Janeiro, 3,94%, e a de São Paulo, 2,76%. No Sul, a maior queda de receita foi de Santa Catarina, com menos 3,09%, de acordo com os dados do Confaz.

Todos os Estados que perderam receita foram mais do que compensados com o auxílio dado pela União, de tal forma que nenhum terá em seu caixa, neste ano, uma receita menor do que a obtida no ano passado, embora alguns tenham sido mais beneficiados do que outros pela ajuda federal. 

Em conversa com o Valor, o secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, chamou atenção para o fato de que o pagamento das dívidas estaduais, que foi suspenso neste ano por causa da pandemia, será retomado em janeiro de 2021. “Isso vai acontecer em um quadro ainda de dificuldades”, observou. Para ele, embora a economia esteja em recuperação, está retomando em um nível mais baixo, o que impactará negativamente as receitas.

Ribamar Oliveira - Valor Econômico


quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O otimismo do mercado e o mal-estar da sociedade - Nas entrelinhas

Apostar no ‘quantos pior, melhor’ na economia nem sempre é uma boa estratégia. Quando as coisas começam a dar certo, leva a oposição ao descrédito, como no Plano Real”


A conclusão da reforma da Previdência, aprovada ontem pelo Senado, desde o começo da semana exerce no mercado um efeito catalisador, confirmando o otimismo de seus principais analistas em relação ao impacto fiscal positivo da economia de mais de 800 bilhões de reais para o Tesouro, em 10 anos, com os ajustes feitos nas aposentadorias dos servidores federais e dos trabalhadores do setor privado. O impacto social são outros quinhentos, que só o tempo revelará, mas não é essa a principal causa do mal-estar na sociedade, se o fosse, provavelmente, a votação de ontem ocorreria em meio a grandes manifestações de protestos, com vidraças quebradas e muito gás lacrimogêneo nas principais cidades do país. Vamos por partes.

Para a maioria dos economistas, a reforma da Previdência, o teto de gastos e a reforma trabalhista, as duas últimas uma herança do governo Michel Temer, estabeleceram fundamentos para que o gasto público fosse controlado, a inflação se mantivesse abaixo da meta e, consequentemente, a taxa de juros em declínio. Mas a recuperação da economia continua lenta. Os mais otimistas, como o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, em artigo publicado na segunda-feira, no Valor Econômico, intitulado La Nave Va, porém, já falam em outra dinâmica da economia, uma “recuperação cíclica”. Segundo ele, a reforma da Previdência evitou uma catástrofe fiscal.

Mendonça de Barros questiona o pessimismo dos que valorizam o peso negativo da estrutura de despesas criadas pela Constituição de 1988 e por leis ordinárias subsequentes, principalmente na educação e na saúde, por exemplo, e pelas respectivas transferências compulsórias para estados e municípios. Também relativiza os problemas do desemprego, da informalidade e da capacidade ociosa da indústria. Segundo ele, são problemas reais e limitadores da força da recuperação cíclica, porém, são compensados pela nova legislação trabalhista, pela autonomia da política monetária e por uma gestão orçamentária competente. O desempenho do agronegócio e a lenta, mas consistente, recuperação do mercado de trabalho seriam indicadores de um novo ciclo de expansão da economia.

A “malaise”
O mal-estar da sociedade está diretamente associado às desigualdades, à violência e às injustiças. O sucesso de filmes como Coringa e Bacurau, para citar um blockbuster hollywoodiano e uma produção nacional que também glamoriza a violência, são indicadores de que algo de errado se passa. As notícias que chegam do México, do Equador, da Espanha, do Líbano e, principalmente, do Chile, para citar os que estão em mais evidência, corroboram a tese de que o problema não é isolado, embora se manifeste de forma diferenciada em cada país.

Do ponto de vista econômico, por exemplo, os indicadores brasileiros são piores do que os chilenos. Salário mínimo: R$ 1.700 (Chile) / R$ 998 (Brasil); Renda média anual: US$ 25,2 mil (Chile) / US$ 15,7 mil (Brasil); Desemprego: 7,3% (Chile) / 12,2% (Brasil); Inflação: 2,4% (Chile) / 2,9% (Brasil); Expectativa de alta do PIB neste ano: 2,9% (Chile) / menos de 1% (Brasil). De certa forma, convém ponderar, o que está havendo no Chile ocorreu no Brasil em 2013, com o mesmo estopim: o aumento do preço das passagens. A diferença é que havia um governo de esquerda, que não recorreu às forças armadas, enquanto no Chile, o presidente Sebástian Piñera, de direita, não hesitou em recorrer ao Exército para reprimir os protestos, o que já provocou a morte de 15 pessoas. [ Sebástian Piñera, age corretamente, quando usa a força necessária para conter distúrbios - tumulto não resolve nenhum problema e precisa ser contido logo no inicio - usado a força necessária; 
se deixar crescer, vira bola de neve.
A esquerda brasileira não foi boazinha, apenas não necessitou do uso das FF AA, se valendo do fato de que a polícia do Brasil é mais bem equipada para conter distúrbios.]
Além disso, o Brasil vem de eleições muito recentes, o que dá ao presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica mais tempo para reverter a situação que herdou na economia, mesmo que seu prestígio popular tenha caído. Tanto que a aprovação da reforma da Previdência mostra reduzida capacidade de mobilização por parte dos sindicatos de trabalhadores, ainda que enfraquecidos com o fim do imposto sindical e pela desmotivação causada pelo fantasma do desemprego.

O crédito de que dispõe Bolsonaro falta ao Congresso, que corre atrás do prejuízo blindando a política econômica do governo. No fundo, a “malaise” na sociedade tem muito mais a ver com a ética na política do que com a situação econômica. E é ainda mais fomentada pela radicalização política e por certas agressões ao bom senso por parte do governo. Entretanto, apostar no “quantos pior, melhor” na economia nem sempre é uma boa estratégia. Quando as coisas começam a dar certo, leva a oposição ao descrédito. Foi o que aconteceu durante o “milagre econômico”, no regime militar, e com o Plano Real, no governo Itamar Franco, com o qual o Fernando Henrique Cardoso se elegeu presidente da República por duas vezes.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense

 

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Com MP, Bolsonaro tenta intimidar a imprensa - VALOR ECONÔMICO

Editorial 

O presidente Jair Bolsonaro não gosta do que lê nos jornais nem das críticas que sofre. Resolveu revidar ontem, editando Medida Provisória que altera lei aprovada pelo Congresso e sancionada por ele há quatro meses (a 13.818, de 24 de abril) e desobriga as empresas de capital aberto de publicarem demonstrações financeiras em jornais. A lei que foi modificada estabelecia que até 31 de dezembro de 2021 valeria a regra da Lei das Sociedades Anônimas, que determina publicação de balanços no Diário Oficial do Estado em que estiver situada a companhia e em um jornal de grande circulação nacional. Bolsonaro mencionou o Valor e, entre risos irônicos, disse esperar que o jornal "sobreviva à MP de ontem".

O presidente costuma inventar argumentos para atacar adversários ou interpretar o conteúdo do que lê de maneira singular. Ele disse ontem, após mencionar a MP 892 que assinara no dia anterior, que concedeu duas entrevistas ao Valor durante a campanha eleitoral e em uma delas a manchete era a de que sua proposta de política econômica era igual à da presidente Dilma Rousseff. Detalhe: o presidente não concedeu entrevistas ao jornal durante a campanha, apesar de procurado. Os únicos registros de entrevistas ao Valor datam de 2017 e não trazem tal referência. Articulistas em colunas de Opinião fizeram paralelos entre os dois em alguns episódios específicos, como o de quando o presidente interferiu diretamente na política de preços da Petrobras.O atropelo à verdade pelo presidente tem sido recorrente, assim como sua campanha contra a imprensa. Bolsonaro reconheceu ontem em Itapira (SP) seu objetivo ao editar a MP: "No dia de ontem eu retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou".
Mas, mais do que buscar atingir a imprensa, o presidente mais uma vez passou por cima da Câmara dos Deputados e do Senado, que deliberaram sobre o assunto e aprovaram, após quatro anos de debates, um esquema de transição que eliminaria a obrigatoriedade de publicação de balanços integrais em jornais impressos e fixou prazo razoável de adaptação para que isso fosse feito. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ontem que "retirar receitas dos jornais do dia para a noite" não lhe parece a melhor decisão. Ele destacou que não acha que Bolsonaro esteja sendo "atacado" pelos jornais, que "estão divulgando notícia" e que considera que o jornal impresso "ainda é instrumento muito importante da divulgação de informação, da garantia da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão e da nossa democracia". [deputado Maia, algumas sugestões: - senhor cuida de exercer seu mandato de deputado federal, não decepcionando seus eleitores, que não são muitos e presidindo a Câmara - evitando criticas aos chefes dos outros Poderes;

o senhor também não critica decisões do Poder Judiciários - dois juízes no exercício de suas atribuições estão decidindo em qualquer cadeia comum colocarão o condenado e o senhor já fica declarando em entrevistas que a decisão foi extemporânea.
Criticam Bolsonaro por fazer determinados comentários esquecendo que não é o cidadão Bolsonaro e sim o Presidente da República e o mesmo entendimento vale para o senhor que quando fala é visto não como um cidadão comum e sim como o presidente da Câmara dos Deputados.]
 
Na semana passada, o presidente foi criticado pelo decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, por também ter atropelado o entendimento do Congresso, ao lançar uma MP alguns dias depois de outra ter sido rejeitada, com a mesma finalidade de retirar a demarcação de terras indígenas da Funai e transferi-la para o Ministério da Agricultura. Mello viu na atitude de Bolsonaro o sinal de haver, "na intimidade do poder, um resíduo de indisfarçável autoritarismo". A edição da nova MP confirma a percepção do ministro do STF.

Não há a mínima questão de urgência ou relevância que justifique o uso de medida provisória para tratar do assunto. O presidente utilizou seus poderes legais para tentar constranger financeiramente jornais pelo fato de eles publicarem críticas ou avaliações negativas de seu governo, um fato corriqueiro em regimes democráticos. A MP 892 não vai mudar em nada a atitude dos jornais independentes, que não se pautam por objetivos políticos, como o presidente acredita.

Os impulsos autoritários do presidente causam problemas para o próprio governo. No início da discussão da reforma da Previdência, Bolsonaro disse que por ele a reforma jamais seria feita, maneira estranha de defender a primeira e mais relevante batalha de seu governo. Agora, quando a reforma tributária adentra o Congresso, com enormes obstáculos à frente, Bolsonaro ataca os governadores do Nordeste em seu conjunto - e os governadores tiveram papel decisivo para enterrar todas as tentativas que passaram pelo Congresso. [os governadores foram deixados de lado nas negociações e o melhor exemplo disso é que dependesse deles a reforma da Previdência alcançaria os estados.]

A equipe econômica valoriza e pretende incentivar o mercado de capitais, enquanto o presidente, com a MP, vai, como diz nota da Associação Nacional de Jornais, "na contramão da transparência de informações exigida pela sociedade". Ele se orgulha de retirar custos de publicação das empresas, mas se esquece dos atuais e futuros acionistas, que buscam cada vez mais informações facilmente disponíveis diante da arrancada da bolsa de valores. A palavra está novamente com o Congresso, que tem a oportunidade de reafirmar o entendimento anterior como a melhor solução para a questão.


Editorial - Valor Econômico

 

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Distorções para todo lado

A integralidade da aposentadoria não é justa e o custo tornou-se insuportável

O debate econômico amadurece e hoje há amplo entendimento que a aposentadoria dos servidores pesa muito nas contas públicas, apesar de beneficiar a poucos. Este reconhecimento não é pouca coisa. Com maior pressão social, temos uma oportunidade inédita de mudar as regras da Previdência dos servidores de forma contundente, ainda que não seja possível eliminar completamente as diferenças entre o regime geral do setor privado (RGPS) e o regime próprio dos servidores (RPPS).
Temos assistido às reações de corporações do funcionalismo, como a inclusão de 104 emendas ao projeto de reforma da Previdência, de um total de 277, segundo o Valor Econômico. Essa cifra dá uma dimensão da hiper representatividade dos servidores no Congresso.

Chamando ou não de privilégio, o fato é que as regras para aposentadoria dos servidores são generosas e injustas, não apenas pelo tratamento desigual entre empregados do setor privado e servidores públicos, mas também pela desigualdade dentro do próprio RPPS, com diferentes regras dependendo do ano de ingresso do indivíduo no setor público. [perdemos a conta de quantas vezes este Blog e dezenas de sites - alguns de grande relevância - tem explicado as razões que sustentam, justificam, a diferença entre as aposentadorias do  regime geral do setor privado (RGPS) e o regime próprio dos servidores (RPPS).
Obviamente que, a ilustra autora do artigo sabe perfeitamente que as diferenças até impõe que exista especifidades que,  caluniosamente,  chamam de privilégios.

Vamos apontar só um exemplo:
a matéria diz: 'as regras para aposentadoria dos servidores são generosas e injustas, ... .
Concordamos: tem maior injustiça do que cobrar dos servidores públicos 11% sobre o valor total do salário, quando no setor privado, só cobram até o teto, atualmente em torno de cinco mil e oitocentos reais - o que passa desse teto não nada, nem um centavos - e na hora de aposentar o da empresa privada tem a aposentadoria limitada ao valor máximo sobre o qual contribuiu, e sobre o qual pagou.
Já o servidor público recebe integral, visto ter contribuído sobre o valor integral do salário.]
 
Os que ingressaram antes de 2003 contam com regras de integralidade (aposentadorias equivalentes ao último salário) – e paridade (reajustes em linha com os concedidos aos servidores na ativa) dos benefícios. Se for antes de 1998, há ainda a possibilidade de aposentar antes da idade mínima de 60/55 anos para homens/mulheres. Para 2003 em diante, não há mais as regras acima, mas ainda assim os servidores se beneficiam da regra de cálculo das aposentadorias, que é a média dos 80% maiores salários. Vale lembrar que o funcionário público atinge, via de regra, o topo da carreira rapidamente, inflando o valor das aposentadorias. Já os servidores que ingressaram na União após 2013 (quando foi criado o fundo de Previdência complementar, o Funpresp) estão sujeitos à regra de idade mínima e ao teto da remuneração do RGPS (R$5.646).* Para Estados e municípios, a data de corte depende do ano que se implementou a Previdência complementar, sendo que em muitos casos isso não ocorreu. Além disso, há os regimes especiais para professores e policiais, que representam 56% da folha dos estados.

Há, portanto, grande disparidade de tratamento dos servidores, que, na verdade, já vem dos rendimentos no período ativo, como apontado por Daniel da Silva Barros. Com base em dados da PNAD de 2013, o pesquisador calcula que a desigualdade no setor público é muito superior à do setor privado (índice de Gini de 0,744 e 0,439, respectivamente). Isso se reproduz nas aposentadorias e pensões. Esse quadro provavelmente piorou após a reforma de 2003 O sistema é também muito generoso. Segundo a OCDE, a taxa de reposição (razão entre o valor da aposentadoria e a média dos salários na ativa) está em 110% no Brasil, mesmo com a alíquota de contribuição previdenciária de 11% para inativos (exceto para os que ingressaram antes de 1993), algo pouco observado na experiência mundial. Na Coreia do Sul, Austrália e México, as taxas de reposição oscilam em torno de 64%.

Uma outra forma de apresentar este ponto é pelo cálculo do subsídio implícito da Previdência, que mede a expectativa de ganho dos inativos vis-à-vis a contribuição (incluindo a patronal) na fase ativa. Segundo o Ministério da Economia, o subsídio do setor público é muito superior à do setor privado, e os subsídios são mais elevados para os contribuintes de maior renda, em ambos os setores. Com a reforma, pretende-se reduzir essas distorções.

A integralidade de aposentadorias não é justa e o custo para sociedade tornou-se insuportável tendo em vista o quanto se compromete as demais políticas públicas. Cabe ao governo divulgar as informações à sociedade e fazer o devido enfrentamento das corporações. Isso é essencialmente papel do Executivo, e não do Congresso. Será que Bolsonaro é “bom de briga”?

(*)Informações obtidas no livro “Reforma da Previdência: por que o Brasil não pode esperar”, de Pedro Fernando Nery e Paulo Tafner.

Zeina Latif - O Estado de S. Paulo
 

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Diminui poder de Lula para transferir votos

PT tem pouco tempo para viabilizar Haddad presidente


A menos que sofra uma violenta queda nas intenções de voto, o deputado Jair Bolsonaro é o cara a ser batido nas eleições presidenciais. Há precedentes de reversão rápida de expectativa, sendo o mais próximo o de Marina Silva (Rede Sustentabilidade), que em 48 horas perdeu o lugar no segundo turno para o senador Aécio Neves (PSDB), o que parecia assegurado, após sofrer intensa campanha negativa movida pelo PT na propaganda oficial, em 2014. [Marina Silva é candidata fraca, de primeiro turno, perdeu para Aécio Neves e em qualquer disputa para ir ao segundo turno ela perde.]

Ainda na noite do sábado que antecedeu a eleição, Marina teve uma reunião com o então presidente do PSB, Roberto Amaral, para tratar de providências para o segundo turno. Os dois foram dormir certos de permanecer na campanha e disputar com a ex-presidente Dilma Rousseff a principal cadeira do Palácio do Planalto, mas acordaram no dia seguinte com Aécio Neves com o pé na porta.

[pessoal, entendemos que em uma eleição os eleitores devem estar devidamente instruídos para que votem no candidato de sua preferencia e sabemos que grande parte do eleitorado petista tem dificuldade de exercer o direito do voto.
Diante disse, abaixo áudio com orientações sobre como votar em Lula.

Sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa, só uma campanha semelhante de desconstrução – e com o mesmo sucesso – pode ameaçar a posição de Bolsonaro. Os próximos sete, dez dias dirão sobre a eficácia dos petardos dirigidos contra o candidato do PSL, principalmente do aspirante do PSDB, Geraldo Alckmin. Mas o navio de Bolsonaro, aparentemente, segue sem grandes danos estruturais no casco. Nesse ritmo, a disputa de 7 de outubro é pela segunda vaga.

Quem vai, Marina, que hoje ocupa a segunda colocação, Alckmin, que ainda não decolou, Ciro Gomes (PDT), que ficou isolado ou Fernando Haddad, o ex-prefeito de São Paulo, com total apoio de Lula? Em geral os analistas têm afirmado que Lula terá capacidade de transferência de votos suficiente para colocar Haddad no segundo turno. Logo o próximo presidente sairia de uma disputa entre Bolsonaro e Haddad. Há controvérsia. [ousamos afirmar e, se necessário, apostar que Haddad NÃO VAI para o segundo turno;

Ciro Gomes é um navio afundando, Marina vai no mesmo caminho, assim, se houver segundo turno o adversário do futuro presidente da República será ALCKMIN - mais por falta de adversários para lhe tomar o segundo posto do que por competência do tucano.

Apesar da nossa posição, ainda achamos que o sistema de governo brasileiro possibilitasse um governo conjunto - Alckmin e Bolsonaro - deixando com Alckmin a parte da educação, saúde, agricultura, comércio e industria, relações exteriores e assuntos assemelhados e por conta do Bolsonaro a Segurança Pública, FF AA,  o combate as aberrações que pessoas insanas insistem em tentar implantar no Brasil, teríamos um governo excelente.

De qualquer forma, todas as áreas que neste governo dual poderiam ficar com Alckmin serão bem administradas por pessoas competentes escolhidas por Bolsonaro.]

O professor David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), vê mais obstáculos à frente de Haddad do que de Marina Silva e Geraldo Alckmin. Entre a última sexta-feira e o início desta semana foi possível perceber o motivo das dúvidas do professor: a campanha de Haddad com Lula é uma coisa e sem Lula é outra inteiramente diferente.
Como a sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que cassou o registro da candidatura Lula terminou tarde da noite, já na madrugada de quinta-feira para sexta-feira, o programa do PT e algumas inserções ainda tiveram uma forte presença do ex-presidente – menos em São Paulo, onde o Tribunal Regional Eleitoral acabou com a festa e impediu a vinculação do programa do candidato petista ao governo, Luiz Marinho, tendo Lula como cabo eleitoral.

As pesquisas de intenção de votos que mostram Haddad com 12%, 14% na largada partem do pressuposto do total apoio de Lula, que não estará disponível, ao ex-prefeito. Ou seja, mostram o “Andrade”, como o vice na chapa do PT estaria sendo chamado no Nordeste, e não o Haddad, que sem a cobertura de Lula patina na mesma faixa de um dígito que Alckmin e Ciro, nas pesquisas eleitorais.

Em 2014 Lula empenhou todo seu prestígio e os recursos do PT na campanha de Dilma Rousseff, mas não conseguiu evitar o segundo turno e Dilma ganhou com estreita margem de diferença. É provável que Lula seja hoje um cabo eleitoral menos eficiente do que pode ser em 2014, a menos que a vitimização patrocinada pelo PT tenha efetivamente transformado o ex-presidente num mártir, o que ainda carece de comprovação.

O que deve reduzir o impacto do apoio de Lula é o seu banimento da telinha e das ondas do rádio, determinados pela Justiça Eleitoral. Em resumo, não pode ter comercial com Lula apoiando Haddad. Está proibido pelo TSE, decisão que vem sendo cumprida com rigor por seus ministros. Já nesta segunda-feira o ministro Luiz Salomão determinou que o PT suspenda a veiculação no horário eleitoral de uma peça para o rádio que apresenta Lula como candidato a presidente. Multa de R$ 500 mil em caso de descumprimento.

Esse era o dilema ontem enfrentado pelo PT. As cabeças mais frias do partido argumentavam pela decisão imediata da substituição do candidato, a fim de dar tempo para que Haddad possa desencadear uma ofensiva de cinco semanas para tentar se fazer conhecido e escapar da faixa dos candidatos com um dígito.  Esses lembram que o partido perdeu fragorosamente a eleição municipal de 2016, o que sempre tem influência na eleição presidencial, dois anos mais tarde. Se perder com Haddad, o PT precisa ao menos sobreviver com uma bancada de média para grande no Congresso, para poder garantir recursos para as eleições seguintes de 2020 e 2022. Essa turma tem pressa. E duvida, mesmo quando as pesquisas informam que o PT é um partido com 24% das preferências do eleitorado, léguas à frente do segundo colocado.

Adiar seria o suicídio político. Esperar até o dia 11, prazo estipulado pelo TSE, para substituir Lula por Haddad deixaria o candidato com apenas três semanas de campanha. Se já parecia difícil, ficaria pior. Ou como diz Fleischer: o PT está naquela situação de que se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Os radicais do partido, que têm prevalecido na discussão, ainda não se conformaram em por fim à vitimização de Lula. Querem um mártir. Os mais sensatos queriam uma decisão ontem mesmo.

Resta saber como os outros candidatos vão tirar proveito dessa situação do PT. Alckmin segue na linha de tirar o máximo de votos possíveis de Bolsonaro. Há dúvida sobre se é a melhor estratégia. Ao redor do candidato já há quem defenda que ele deve partir logo para uma disputa do voto útil tendo como alvo não Bolsonaro, mas Marina Silva, hoje uma ameaça real à passagem do tucano para o segundo turno, se der certo a aposta de Alckmin no horário eleitoral para deixar a segunda divisão dos candidatos.

As pesquisas até agora mostraram que quem tira mais votos de Lula é Marina Silva. A candidata do Rede Sustentabilidade sobe de 8% para 16%, na disputa sem Lula. Difícil dizer se essa é a tendência que vai vingar. Mas é certo que a manutenção de Lula, a partir de agora, só prejudica o candidato do PT.

Valor Economico - Raymundo Costa

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

FHC, ¿Por qué no te callas?

PT já se rendeu; vai latir um pouco mas logo admite que Lula já era

Saída de Lula esvazia Bolsonaro e abre espaço para Huck, diz FHC

 [Teu tempo já passou, já não dizes com coisa com coisa.
Basta ver que foi o senhor quem declarou que era melhor deixar Lula perder nas urnas.

Em outras palavras sugeriu que o Poder Judiciário ignorasse as leis, os crimes de Lula o absolvesse e deixasse que ele perdesse nas urnas.

No MENSALÃO - PT, o senhor e grande parte dos tucanos e outros muristas também defenderam que o melhor era deixar Lula sangrar até a morte e com isso deram oportunidade a que Lula e sua corja continuassem assaltando o Brasil. 
E aceite que a dúvida é se Bolsonaro será eleito já no primeiro turno ou haverá um segundo.]

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) lamentou a possibilidade de seu sucessor, o também ex-presidente Lula, ser preso, mas considera que a redução das chances de candidatura do petista vai detonar o início das composições políticas para as eleições de outubro. Em entrevista ao Valor Econômico, FHC disse que “o jogo começa agora”.

Para o tucano, a eventual saída de Lula da disputa eleitoral deve esvaziar a candidatura de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que tem polarizado, com seu discurso radical, as últimas pesquisas eleitorais com o petista. Na avaliação dele, Bolsonaro é forte hoje exatamente por fazer contraposição feroz a Lula. Sem o ex-presidente na disputa, a participação do deputado será vista com outros olhos pelo eleitorado, no entendimento de FHC.

MATÉRIA COMPLETA no Congresso em Foco
 

 

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Janot tenta agora adoçar boca de políticos e deve propor distinguir caixa 2 de corrupção

Separando "o joio do trigo", a Lava Jato ganharia agilidade para punir os corruptos

Reportagem do Valor Econômico diz que o Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estuda uma saída judicial para distinguir os delitos investigados na Lava Jato entre os de Caixa 2 e os que envolvem corrupção, com contrapartida de favores e benefícios. A chamada “Lista de Fachin” tem 98 políticos com foro especial mencionados nas delações de Marcelo Odebrecht e de executivos da empreiteira dos quais cerca de a metade poderiam se enquadrar no exercício de Caixa 2.

Prevista em lei,  a pena valeria para réus primários e quando a pena mínima a ser aplicada não for superior a um ano de prisão, podendo ser convertida em punição alternativa como multas ou serviços comunitários.

O objetivo do Ministério Público com isso é antecipar o cumprimento das penas de delitos mais brandos e  desafogar o Judiciário e o MPF para as investigações dos casos mais graves de corrupção, em que se oferecem prometem favores e contratos em troca de apoio financeiro para campanhas eleitorais. Os beneficiados pela medida teriam ficha limpa e mais agilidade na tramitação do processo.

 [a pergunta que não quer calar; talvez por versar sobre algo tão óbvio se torne até boba, mas, precisa ser respondida: até a presente data o que chamam de CAIXA 2 não é crime.

Não sendo crime, não pode ser denunciado.

Rodrigo Janot pode denunciar alguns atos que são criminosos e são praticados quando um político exerce a atividade conhecida como CAIXA 2.

O autor daqueles atos pode ser denunciado pelos crimes que a prática deles caracteriza.

Mas, por CAIXA 2,  até agora, nenhum político pode ser denunciado.]

 

sábado, 8 de abril de 2017

“A Corte Gilmar”? O estigma dos erros e os erros ao estigmatizar

Pedi ao jurista Lênio Luiz Streck que escrevesse uma contradita a artigo publicado no “Valor Econômico”, no dia 31, com críticas ao ministro e ao tribunal

No dia 31 do mês passado, o jornal “Valor Econômico” publicou um artigo da jornalista Maria Cristina Fernandes intitulado “A Corte de Gilmar e o Estigma dos Erros”. E, sim, havia erros em penca no texto. Para começo de conversa, ancora-se numa pesquisa da FGV que, lamento, pesquisa não é porque as conclusões, é visível, estavam prontas antes mesmo dos dados. Como se dissessem: “Gente, nós temos de fazer uma pesquisa que demonstre que…”. E se não demonstrar? Bem, que se faça outra! Até que, bem torturados, os dados confessem o que o inquisidor quer ouvir.
 
Pedi a Lênio Luiz Streck que escrevesse uma contradita para publicar no blog. Ex-procurador de Justiça, doutor em direito, membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional, escritor… Bem, acho que ele tem competência para tanto. E escreve com clareza.  O artigo segue abaixo. Longo, sim! Para ler com calma, reler, debater. Não se trata, que fique claro, de uma “defesa de Gilmar”. Até porque discordâncias de Lênio com o ministro saltam no texto. A leitura de fundo que faz o autor, todos sabem, é também a minha: a imprensa parou de dar bola para o estado de direito, para a letra da lei, e tem preferido substituir o rigor da área pela moral ou pela política.

O autor aponta com absoluta razão: se e quando um ministro do Supremo descumpre a lei, mas o faz em favor de vagas influentes de opinião, a heterodoxia ou o erro são aplaudidos. E pobre daquele que decidir seguir o que está escrito, mas na contramão do alarido! Está frito. Tenho em comum com Lênio o extremo conservadorismo em matéria constitucional e legal. Mais de uma vez o Supremo decidiu contra a letra explícita da Carta. 

E não se ouviu um pio. Ou alguém reclamou — pergunto eu, não o autor do artigo quando Roberto Barroso se aproveitou de uma mera concessão de habeas corpus para “legalizar” o aborto até o terceiro mês de gestação? Houve um silêncio sepulcral. Afinal, sabem como é, a tese é “progressista”. Atenção! Para um conservador em direito, pouco importa se o aborto é ou não aceitável. Ele vai indagar: “O que dizem os códigos legais?”. E pronto. Não dizendo nada, não cumpre ao meritíssimo atuar como Parlamento complementar ou alternativo.

Segue o artigo.
*
Leio artigo de Maria Cristina Fernandes no Valor Econômico (A Corte de Gilmar e o Estigma dos Erros), em que pega carona em livro publicado pela FGV (Onze Supremos) para criticar o ministro e o Supremo Tribunal Federal. Lembremos que, no Brasil, o STF só existe a partir do que a FGV diz sobre ele. Algo como “Deu no New York Times”. E a jornalista vai nessa. Pega os dados e interpreta trechos de um livro de mais de 300 páginas. Parece nitidamente que a falta de formação jurídica da jornalista prejudicou a matéria. De todo modo, nota-se nitidamente o objetivo: praticar o esporte preferido de parcela da imprensa e da comunidade jurídica: colocar a culpa de tudo o que acontece de ruim no direito e na democracia na conta do velho Supremo Tribunal; especialmente quando a culpa puder ser colocada em um de seus membros.

Críticas ad hoc têm apenas uma vantagem: como pedaços de velcro, pegam fácil em superfícies com maior aderência midiática.  Com tantas emoções e estatísticas constantes no livro “Onze Supremos”, da FGV, basta atirar a flecha e depois desenhar o alvo. O crítico nunca erra. Tem para tudo que é gosto. É como a brincadeira que Umberto Eco faz no livro Pêndulo de Foucault.  Parafraseio: se eu medir a distância entre a sede do Valor Econômico e a FGV e dividi-la por 3.533 e somar o valor de 3,1416 e, sobre o resultado, aplicar o número de páginas do livro subtraindo um número que tiro da cachola, dá… exatamente o número que eu quiser, porque as variáveis são minhas. Ou seja: sempre dá certo. Demonstrei isso na minha crítica aos números da FGV na questão do foro privilegiado (Conjur de 28.03.2017 – Supremo em Números não pode ser Números Supremos –  aqui).

O alvo
A jornalista escolheu como alvo principal, no caso, o Ministro Gilmar. Pelos números, poderia ter escolhido qualquer um. Aleatoriamente, é possível encontrar dezenas ou centenas de decisões, monocráticas ou não, criticáveis. De todos os ministros. Eu mesmo devo ter feito, só no Conjur, mais de 100 colunas apontando erros do STF. Ninguém no STF escapa de ter feito decisões contra legem e assim por diante. Qualquer Corte do mundo comete erros. Por aqui, alguém quer comparar o que se faz no primeiro e no segundo graus com o que se faz no Supremo? O STF é muito, mas muito mais garantidor de direitos que o restante do judiciário. Inclusive já demonstrei que, atualmente, o STF julga mais rápido que parcela considerável dos juízes de primeiro grau e do segundo grau.  Com a diferença de que, quando o STF julga, terminou. 

E quando o primeiro grau julga, o périplo somente inicia. Anos depois chega ao STF. Fiz essa comparação dias atrás na Revista Consultor Jurídico para mostrar que era falaciosa a afirmação de que o foro privilegiado gerava impunidade. Os números utilizados pela FGV para isso não diziam exatamente isso.

Qual é o problema? Simples. Para fazer uma crítica, tanto a FGV como a jornalista deveriam fazer uma coisa prosaica: elaborar conceitos operacionais. O que isto quer dizer? Explico: Se acuso um ministro de ativista, tenho de explicar, minimamente, o que entendo por isso, porque uma coisa é ativismo, outra é judicialização. A primeira sempre é ruim. A segunda, contingencial. Tenho feito essa crítica às críticas que fazem ao Supremo. Digam, primeiro, qual é o critério. Tragam os números e que não sejam ad hoc e tirados de ementas de julgados. Pesquisas devem conter o “fator ácaro”. Mexer com os autos. Cansar os olhos naquelas páginas em PDF que “pulam” na tela. Mas olhar tudo o que o processo contém. Caso contrário, dá vexame, como foi a última da FGV sobre foro privilegiado.

O STF e a sobrecarga
Todos sabemos dos problemas de uma Suprema Corte composta por onze ministros sobrecarregados de processos. Não foram eles que fizeram as leis lhes colocando nos ombros até mesmo a função de julgar habeas corpus de ladrões de galinha e ter que colocar na rua filhos de mães presas que deveriam ter sido liberados pelos juízes de primeiro grau. Quanto mais o primeiro e segundo graus se tornam punitivistas, mais o STF é chamado para conceder habeas corpus. Por vezes, o STF exagera pelo lado contrário, como quando negou a letra da Constituição no caso da presunção da inocência. Mas, neste caso, o que fez a imprensa? Apoiou o “ativismo do STF”. Sim: negar a letra da Constituição é fazer ativismo. Mas pouco se disse sobre isso.

De novo, qual é o problema? Simples. Porque o STF “é bom” quando julga a nosso favor. Ele “é bom” quando julga de acordo com as sereias (a maioria – lembremos sempre de Ulysses e o canto das sereias). Mas, quando se coloca como freio às maiorias, é amaldiçoado. Pois seria justamente quando se coloca como remédio contra as maiorias (inclui-se, na formação da maioria, a imprensa) é que o STF deveria ser elogiado. Mas, não. Aí é que leva paulada. O STF é bom — e a imprensa gosta — quando o decano dá entrevista no shopping sobre um tema em julgamento. Por que “é bom”? Porque o que ele lá disse agradou à maioria. Mas é ruim quando um Ministro diz coisas que desagradam a setores da imprensa. Há ministros que falam todos os dias sobre qualquer assunto. E não recebem críticas. Por quê? Porque o assunto agrada os interlocutores, ouvintes, leitores e telespectadores. Mas, quando o assunto desagrada, vem a frase: juiz só deveria falar nos autos. Concordo, desde que a regra valha para todos. Para todos os ministros, todos os juízes, todos os procuradores da Repúblicas (inclui-se, aí, o power point, se me permitem a ironia).

Como falei, o alvo da jornalista é Gilmar. E elenca decisões por ele dadas. Sou insuspeito nesse quesito “críticas” ao STF. Há quantos anos faço isso, com a diferença de busco ser coerente!? Se pegarmos o “caso Gilmar”, errou no caso da liminar impedindo a posse de Lula. Tão coerente deve ser um crítico que, quando uma juíza impediu Moreira Franco de assumir um ministério, elogiei o STF que derrubou a liminar impeditiva. E assim por diante. Mas minhas críticas e elogios não são ad hoc e nem espiolhadas de um conjunto de centenas de decisões dadas por onze ministros. Se existem Onze Supremos, multiplica-se a possibilidade de erros. E de acertos. Mas, de novo: acerto para quem? O acerto para um pode ser um erro para outra parte.

Critérios
Como evitar críticas ad hoc? Simples: Construindo critérios que servem para todos os julgados. À falta de conceitos operacionais acerca do que, de fato, a jornalista quer(ia) dizer e o que as pesquisas da FGV querem demonstrar, o que se faz é política com os números e com os resultados. Exatamente isso: críticas políticas. Portanto, tudo o que estão falando está fora do direito. Isso pode ser visto com a mira da matéria sobre Gilmar e o IDP, assunto que volta a todo momento. Há milhares de juízes dando aula em cursinhos que nem chegam perto da qualidade do IDP. Que é uma Faculdade e tem programa de Mestrado com docentes respeitabilíssimos. E alunos que publicam trabalhos sérios. 

Não tenho procuração, mas os professores de lá podem até falar sobre isso. Enfim, trata-se de críticas ad hominem. Isso já está velho. Insisto: Há bom — e farto — material jurídico para criticar o ministro Gilmar e seus colegas (e o STJ etc). Mas isso seria exigir muito dos críticos porque é mais fácil fazer a crítica sob o viés da política. A propósito: ao que sei, ao contrário do que disse a jornalista, a PEC da Bengala (que eleva para 75 anos a aposentadoria do judiciário e do MP) não tem nada a ver com José Serra. E nem com Gilmar.

Sigo. Para dizer que, sendo generoso, pode-se dizer que as críticas se situam no campo de uma pretendida crítica política. Mas não é direito que se trata e tampouco de teoria do direito. Não podemos exigir que a jornalista entenda de direito ou de teorias acerca de como se deve decidir. Aqui poderíamos abrir uma boa discussão com o ministro Gilmar e seus colegas. E com o STJ. Aliás, muito deveríamos discutir decisões do STJ. E dos TRFs. 

E dos juízes e tribunais que invertem — contra a lei e a Constituição — o ônus da prova em casos de furto e tráfico. Na verdade, acreditaria tanto na jornalista como na FGV se se preocupassem com “efetividades qualitativas nas decisões da Corte” e menos na crítica de decisões escolhidas a dedo que fragilizam este ou aquele ministro. E menos também nas questões pessoais. Há dois corpos do rei. A modernidade inventou isso. Não deve importar o que o juiz ou o Ministro coma no almoço. Ele deve julgar bem. E disso devemos exigir accountability. Aliás, se olharmos para trás, veremos coisas interessantes como quando do julgamento do mensalão. Os mesmos ministros criticados nos dias atuais eram incensados naquele momento. Claro: estavam decidindo de acordo com o que a torcida queria. O incensado de ontem é o queimado de hoje. E vice-versa.

Gosto que se façam críticas com critérios. Se construirmos critérios, podemos exigi-los inclusive quando se trata de nossos inimigos, claro, se formos honestos na apreciação e não transformamos tudo em uma dicotomia “amigo-inimigo” (político). Por exemplo: um bom critério é não permitir que o direito seja corrigido pela moral na hora da aplicação. Com isso, cada vez que um Ministro faz esse uso corretivo, temos de criticá-lo. Tenho feito isso há anos. Já escrevi mais de cinco mil páginas sobre isso.  Mesmo que a decisão seja contra nossa opinião. A imprensa deveria ser a primeira a cultivar esse hábito. Um bom exemplo é o caso Bruno. Marco Aurélio acertou. Mas o que levou de críticas… Mas logo — Gilmar e qualquer outro — serão elogiados em decisões que agradem a maioria. Lembram quando Gilmar denunciou o “estado policial” o quanto de elogios teve? Em termos de torcida e crítica, quem afunda o STF são os mesmos que o fazem flutuar. Meu medo é que nem nisso haja critérios.

Direito não é moral, religião ou política
A maior prova da falta de critérios nas críticas ao STF é a referência à “era Moreira Alves”. A jornalista faz isso. Eu também gosto do ex-ministro. Se muitos hoje se comportassem como ele, o STF poderia caminhar melhor. Todos sabem de meu (forte) conservadorismo em relação à letra da Constituição. Judiciário não faz lei. Cumpre. Mas, por favor: se elogiamos Moreira Alves, vamos ter que ser coerentes e analisar os seus erros. De novo: Moreira Alves interessa aos pesquisadores e à jornalista naquilo que querem, com o gancho de puxar a sardinha para o seu assado. O que sobraria dos votos de muitos ministros se comparados com o perfil de Moreira Alves? Mas isso exigiria coerência na análise. A propósito: se é o STF que tranca inquérito em que houve prisões e que nem sequer resultou em denúncia após 10 anos (aqui), o pau comeria solto. Foi o STJ. E o fez corretamente. Mas fosse o STF, por certo haveria ranger de dentes.

Numa palavra: para fazer críticas consistentes às atuações do judiciário — e especialmente dos Ministros do STF — te(ría)mos que entender que direito não é moral, não é religião, não é política. Claro que o STF também tem de se dar conta disso. O direito se abebera desses elementos quando de sua votação e aprovação. Depois de posto, admite, é claro, interpretações. Mas não admite correções via opiniões pessoais, moralismos de ocasião etc. Se um ou mais ou todos Ministros cometem esse erro, há que se apontar isso. Em todos os momentos. E não só quando o ministro fica bulindo com coisas com as quais não concordamos. Elogios não devem ser ad hoc… Nem as críticas.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo - VEJA