Por que ainda não condenei a Lava-Jato
Vale a pena discutir a tese de Luiz Werneck Vianna, que compara operação ao tenentismo nos anos 20
Por ter sempre defendido
a Operação Lava-Jato, sofri algumas críticas por não tê-la condenado
agora, com o material divulgado pelo Intercept. Na verdade,
escrevi dois artigos sobre o tema. Provavelmente, não os acham adequados
aos tempos de julgamento rápido e linchamento em série que a atmosfera
da rede propicia. Há algumas razões para isso. Uma de ordem pessoal: o
trabalho — às vezes imerso na Mata Atlântica e em outros biomas — não me
permite olhar o telefone de cinco em cinco minutos. Há também
uma razão de ordem prática: o próprio Glenn Greenwald, o jornalista que
apresenta as denúncias, anunciou que tem um grande material sobre o tema
e que vai divulgá-lo até o fim. Possivelmente, dada a dimensão, talvez
compartilhe a análise com outras empresas de comunicação.
Portanto, Greenwald anuncia um jogo longo. Estamos apenas na primeira parada técnica. No final da partida, voltamos a conversar. No
momento, não me importo que me julguem rapidamente, pois esse é o
espírito do tempo. Nem que me culpem por apoiar a Lava-Jato. De um modo
geral, as pessoas que o fazem são as mesmas que culpo por omitirem os
erros da esquerda, sobretudo a colossal roubalheira que tomou conta do
país nos últimos anos. Portanto, jogo jogado. No entanto, vale a
pena discutir, por exemplo, a tese do cientista político Luiz Werneck
Vianna, que compara o papel da Lava-Jato ao do tenentismo nos anos 20.
Na época em que ele lançou essa ideia, por coincidência, eu estava lendo
o livro de Pedro Doria sobre o tenentismo. Concorde-se ou não com as
teses de Werneck, ele lança um tema que merece ser discutido e estudado
porque nos remete a alcance histórico mais longo que a sucessão diária
no Twitter.
Werneck tem uma visão crítica da Lava-Jato. Considera
que o objetivo dos procuradores é mais corporativo e que se esforçam
para concentrar poder e, possivelmente, benefícios. Mas se
examinamos o momento mais tenso do tenentismo, a Revolta dos 18 do
Forte, veremos que também eles costumam ser classificados de
corporativistas. Em tese, estariam reagindo às criticas oficiais que
maculavam a honra dos militares.
O tenentismo repercute por toda a
década de 20 em espasmos distintos, inclusive a Coluna Prestes. Muitos
dos integrantes do movimento são nome de rua em várias cidades do país. O
tenentismo lutava contra um poder concentrado na oligarquia de Minas e
São Paulo, a chamada aliança café com leite. A Lava-Jato já encontra
tantos anos depois um sistema mais bem distribuído nacionalmente e
atinge quase todos os partidos. Quando a candidatura de Nilo
Peçanha enfrenta a oligarquia, existe uma tentativa de conquista da
opinião da classe média para as teses do que se chamava Reação
Republicana.
Aqui de novo uma grande diferença. A inspiração da
Lava-Jato foi a Operação Mãos Limpas, na Itália. Nela estava contida
também a necessidade de convencer a opinião pública. Os meios de
hoje são mais potentes, e a própria opinião pública, mais articulada e
desenvolvida. Os tenentes estavam dispostos à ação armada, ainda que em
condições dramaticamente desfavoráveis. A Lava-Jato optou pelo
caminho legal. O que realizava na prática era passível de confirmação ou
veto pelas instâncias superiores. Havia nela o mesmo fervor dos
tenentes que esperavam com ação consertar o Brasil.
Dentro do quadro jurídico, ela sobreviveu até agora. Os julgamentos de seus atos foram públicos. No
momento, sofre um ataque especial. Dificilmente um movimento histórico
dessa dimensão não se desgasta com a divulgação de conversas íntimas que
se acham protegidas da divulgação. Lendo o livro sobre o gênio
político de Abraham Lincoln, a sensação é de que, se algumas conversas
fossem vazadas como hoje, também seriam incômodas. Para abolir a
escravatura, foi preciso um toma lá dá com parlamentares, ainda que em
número pequeno. Isso não justifica nada. Apenas reforça a tese de
que um julgamento depende de dados, de um contexto e, sobretudo, de
verificação de sua autenticidade.
Por que tanta pressa, se garantem que é devastador o material contra a Lava-Jato?