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segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Os filhotes de Mussolini - Percival Puggina


   

        Na Universidade Federal do Amazonas, marmanjos e marmanjas tentaram expulsar a gritos e empurrões um palestrante judeu que precisou ser escoltado por PMs.

Em Brasília, a Caixa Cultural (da Caixa Econômica Federal) custeou e patrocinou a exibição de “O grito”, mostra de imagens onde a bandeira do Brasil é usada para agressivas e grosseiras mensagens politicamente afinadas com o atual governo da União.

O Ministério da Igualdade Racial gastou metade da verba de uso livre, que é de R$12,5 milhões, em viagens e diárias de assessores e dirigentes com destinos dentro e fora do país.

O governo, seu partido e seus militantes se recusam a qualificar o Hamas como organização terrorista. Responsabilizam Israel pelo indescritível ataque sofrido no momento em que negociava sua convivência pacífica com o Egito.

Em Goiás, professora de uma escola particular postou em rede social foto sua usando camiseta com a frase do artista Flávio Oititica – “Seja marginal, seja herói”.

Em todo o país, para o jornalismo militante (e qual não é, nos mais destacados veículos?), entrechoques entre policiais e bandidos só dão causa a críticas dirigidas aos primeiros e a análises sociológicas sobre a dura vida dos segundos. É raro, raríssimo, encontrar, aqui ou ali, um reconhecimento do valor, dos riscos cotidianos e das agruras inerentes à atividade policial. 

As Salomés da política, instaladas na pagadoria da publicidade oficial pedem aos Herodes de cada meio de comunicação as cabeças dos Joões Batistas conservadores ou liberais.  
Os Herodes entregam e o jornalismo brasileiro expurgou para as mídias sociais seus melhores profissionais.
 
O que une esses fatos, todos tão recentes, seja entre si, seja a muitos outros semelhantes no passado (e, com certeza, também no futuro)? 
Qual é o problema desse pessoal?!

Todos esses eventos envolvem o ativismo esquerdista e expressam características fascistas. Seus adversários políticos são o destino final de todas as maldições, vivem ao desamparo de direitos fundamentais e são as únicas pessoas no mundo a quem tratam como criminosos e para quem pedem cadeia... Sobre os verdadeiros bandidos, dizem que “no Brasil se prende demais” e que “prender não resolve”. Por isso, defendem o desencarceramento.

São filhotes de Mussolini. Querem a censura e a interdição dos “lugares de fala” de toda divergência
Festejam quando seus adversários são julgados à distância, por crimes que não cometeram e condenados a penas desproporcionais. 
Aplaudem a omissão do presidente do Senado e as manobras do presidente da Câmara. 
A discordância política sobre o agir das instituições é classificada como “discurso de ódio”.

Os atores desses eventos promovem usos abusivos de eventuais situações de poder. Alguns, como os marmanjos e marmanjas das universidades públicas, por serem majoritários, oprimem a minoria se ela se atreve a divergir. Outros, servem à causa ou querem atiçar a revolução social.

Já passou da hora de propor que a fobia à direita política – causa de discriminações, opressões e origem de violência – seja considerada, também, “crime análogo ao racismo”. Ah, Brasil!

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Alexandre de Moraes aplica multa milionária contra Daniel Silveira - Malu Gaspar

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), aplicou uma nova multa contra o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ), desta vez no valor de R$ 2,6 milhões.

Com essa punição, imposta no último dia 15, Silveira já soma cinco multas com valor total de R$ 4,3 milhões, o equivalente a 127 vezes o salário bruto de deputado federal a que ele tem direito.

Em decisão sigilosa obtida pela equipe da coluna, Moraes afirma que o parlamentar desrespeitou até agora as medidas cautelares impostas pelo STF em 175 ocasiões distintas, não utilizando tornozeleira eletrônica e concedendo entrevistas sem autorização judicial.

Silveira foi condenado pelo STF em abril deste ano a oito anos e nove meses de prisão por ameaças e incitação à violência contra ministros da Corte.

O parlamentar, no entanto, acabou beneficiado por um indulto editado por Bolsonaro, em mais um episódio que tensionou as relações entre o tribunal e o atual ocupante do Palácio do Planalto.


Na última eleição, concorreu a uma cadeira no Senado pelo Estado do Rio e obteve 1,5 milhão de votos, mas teve a candidatura anulada pela Justiça Eleitoral.[Daniel Silveira não poderia ter sua candidatura anulada pela Justiça Eleitoral e ganharia o recurso - já que foi indultado por um DECRETO DE GRAÇA do presidente Bolsonaro.

Desistiu de recorrer por ter sido o 3º colocado e estava em disputa apenas uma vaga. É consenso entre os juristas que anistiada a pena principal também são = Daniel Silveira teve sua condenação à prisão (pena principal) anulada, o que extinguiu as acessórias - multas, e outras mais.

  1. Romário (PL)- 2.384.331 - 29,19%
  2. Alessandro Molon (PSB) - 1.731.786 votos - 21,20%
  3. Daniel Silveira (PTB - anulado/ sub judice) - 1.566.352 votos - 19,18%

Quanto a multa, será mais uma a não ser paga. Caso o que aconteceu com o diretor-geral da PRF, que foi exonerado com uma conta a pagar decorrente de multas aplicadas pelo ministro que preside o TSE, de valor superior a  R$ 2.000.000,00 - mesmo continuasse no cargo necessitaria  de uns dez anos de salário para conseguir pagar.

A dispensa de Silvinei Vasques foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) nesta terça-feira, 20.

                                         Silvinei Vasques

Exonerado, diretor da PRF quis deixar o cargo para se aposentar e evitar represálias do próximo governo

Funcionário da instituição há 27 anos, Silvinei Vasques pode pedir o benefício com base em antiga regra, que estipula 20 anos de atividade policial.]

 Para Moraes, mesmo beneficiado com indulto, Silveira pode ser condenado a pagar multas, já que elas decorrem do desrespeito às medidas cautelares fixadas pelo STF. “As condutas do réu, que insiste em desrespeitar as medidas cautelares impostas nestes autos e referendadas pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, revelam o seu completo desprezo pelo Poder Judiciário, comportamento verificado em diversas ocasiões e que justificam a fixação de multa”, escreveu Moraes na nova decisão.

Em maio, Silveira compareceu a uma motociata no Rio de Janeiro em 22 de maio. Ao participar do evento, disse que o “Judiciário não faz mais nada” e que “não usa mesmo” a tornozeleira. “Eu fui indultado pela graça”, tentou justificar.

As sucessivas multas aplicadas por Moraes contrariam a posição defendida pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo.

Em junho, quando o valor das multas se aproximava de R$ 1 milhão, Lindôra enviou ao STF um parecer em que alegava que “as medidas cautelares não podem perdurar indefinidamente” e que as sanções violavam o “princípio da proporcionalidade”.

Moraes, porém, não acatou a posição de Lindôra e continuou aplicando sanções a Silveira. [que de nada adiantarão, visto ele ter sido indultado.]

Malu Gaspar, jornalista - Coluna em O Globo


sábado, 22 de fevereiro de 2020

Devemos conversar com as polícias - Antonio Dias Toffoli

O Estado de S. Paulo

Há ganhos possíveis em novos fluxos que aproximem magistrados da atividade policial

O Poder Judiciário brasileiro vem sendo convocado a contribuir com soluções efetivas para enfrentar o grave problema da segurança pública em nosso país, o que inclui o estado inconstitucional em que se encontram nossas prisões e o desafio de consolidar canais permanentes de diálogo interinstitucional que apoiem o trabalho daqueles que atuam na ponta.

Para responder a esses importantes desafios o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) iniciou uma pesquisa nacional com o objetivo de ouvir os nossos valorosos policiais estaduais. São mulheres e homens que reúnem vasto conhecimento de campo para qualificar o debate nacional sobre o tema e para apoiar a articulação de respostas do Estado na direção de soluções concretas e replicáveis. O objetivo do projeto Diálogos Polícias e Judiciário, inserido no contexto de atividades do programa Justiça Presente, é mergulhar no espaço de intersecção do trabalho das polícias estaduais e do Poder Judiciário e emergir com propostas para melhorar a persecução penal no País. Nesse sentido, é fundamental coletar experiências de diferentes partes do Brasil, considerando a nossa abrangência continental e os desafios específicos de cada região.

Vamos intensificar o relacionamento já existente com as polícias para subsidiar a construção de estratégias do Judiciário em matérias associadas à segurança pública e ao sistema de Justiça Criminal, aperfeiçoando e, se for o caso, revisando procedimentos e fluxos de trabalho. Identificaremos gargalos entre o trabalho policial e o funcionamento do processo penal. E ampliaremos o conhecimento a respeito da percepção dos policiais quanto aos procedimentos penais, desde a abordagem policial até a execução da pena, passando pela investigação e pela fase processual, bem como pela forma de interação do Judiciário com as policiais.

Para aumentar o nosso alcance e potencializar resultados teremos o apoio do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade reconhecida por seu trabalho na produção e compilação de dados e informações sobre segurança pública. Sua missão será ouvir todos os setores das polícias, sem viés corporativo ou institucional, contando com a capilaridade de uma rede de associados que inclui profissionais de todas as regiões do nosso país.

A partir do que já foi observado, há ganhos possíveis em novos fluxos que aproximem magistrados das particularidades da atividade policial e que, por outro lado, integrem as polícias cada vez mais às rotinas judiciárias, tão importantes nas fases investigativas para garantir o bom andamento dos processos em fases posteriores. Não há lados nessa história e tanto o ritmo das ruas quanto as formalidades processuais são duas perspectivas de uma mesma realidade. Precisamos, sim, trabalhar para que as engrenagens do sistema funcionem em sintonia, a favor de uma Justiça de qualidade.

A necessidade dessa pesquisa se tornou indiscutível a partir dos avanços do programa Justiça Presente, parceria inédita entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com o suporte do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para o enfrentamento de problemas históricos no sistema prisional e no sistema socioeducativo.

Iniciado em janeiro de 2019, o programa trabalha 19 iniciativas simultâneas que consideram todo o ciclo penal, apostando no amplo envolvimento de atores do poder público e da sociedade civil. O intuito é fortalecer instituições e órgãos locais para o desenvolvimento de ações com foco na responsabilização em meios adequados, maior eficiência na gestão com apoio da tecnologia e estruturação de serviços para racionalizar a porta de entrada, qualificar a porta de saída e promover políticas de cidadania. Conforme o programa se desenvolve, é cada vez mais evidente a mensagem de que não há propostas possíveis para a superação de fraturas do sistema prisional que desconsiderem as interfaces com o trabalho das polícias.

Acreditamos que a construção de soluções para a segurança pública passa pela elaboração de diagnósticos baseados em evidências e procedimentos cientificamente comprovados. Muito se faz em várias esferas, instituições e Poderes, mas cada vez mais temos percebido que gestão e tecnologia, quando bem planejadas, são instrumentos fundamentais para unir esforços e melhorar nossas respostas às demandas da sociedade por justiça e cidadania. Partindo dessas premissas, apresentaremos em breve o resultado dessa pesquisa com subsídios para a implementação de melhorias capazes de aperfeiçoar o nosso sistema penal, reduzir a violência e enfrentar as diversas dinâmicas de violência e criminalidade.

O Estado é um só e sua função – por meio dos três Poderes da República, das funções essenciais à Justiça, da polícia judiciária e de todas as suas esferas e áreas de atuação – é atender ao bem comum. O desafio está lançado. Desde já, agradecemos aos que colaboraram e participaram.
Justiça Presente!

O Estado de S. Paulo - Antonio Dias Toffoli é presidente do STF 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Pacote de Moro contra crime esbarra em decisões do STF

Se no âmbito político os obstáculos já são grandes, em relação ao Judiciário podem ser intransponíveis

A proposta de alteração legislativa apresentada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, prevê uma série de mudanças no Código Penal, no Código de Processo Penal e em mais de uma dezena de outras leis penais.
Cogita-se que, em breve, tal proposta será enviada ao Congresso Nacional, onde deverá ser debatida na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, podendo sofrer significativas alterações. Além do óbvio desafio de mobilizar uma base governamental, a aprovação da proposta de Moro pode encontrar uma dificuldade a mais no Congresso Nacional, já que parte das medidas já foi objeto de debate pelo Legislativo. Ou são contrárias a legislações aprovadas recentemente pelos parlamentares, como as regras sobre colaboração premiada e sobre organizações criminosas, ou procuram requentar propostas que foram desprezadas, como a criminalização do caixa dois e alteração das regras de prescrição, que constavam das medidas contra corrupção encabeçadas pelo Ministério Público.

Se no âmbito político os obstáculos já são grandes, no âmbito do Judiciário podem ser intransponíveis: apesar de se apresentarem como novidade, grande parte das medidas propostas pelo ministro Moro se relaciona com temas já debatidos e considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, a vedação da progressão de regime prisional foi julgada contrária à garantia constitucional de individualização da pena, [para registro: tudo que dificulta o combate ao crime e favorece a vida de bandido, está contido no famoso artigo 5º da CF(no caso da individualização da pena está no inciso  XLVI) aquele que concede centenas de direitos sem estabelecer deveres.
 
Qualquer medida séria, responsável e objetiva para combater o crime no Brasil não vai prosperar enquanto a CF tiver o artigo 5º e o 60, este é o que concede sustentação  aos absurdos abrigados no citado artigo 5º.]  no célebre caso sobre a lei de crimes hediondos. 
 
Da mesma forma, a impossibilidade de concessão de liberdade provisória (ou de medidas cautelares) foi considerada inconstitucional por violar a presunção de inocência e o devido processo legal, quando o STF julgou as penas impostas pelo Estatuto do Desarmamento. O flagrante preparado, chamado de "introdução de agente encoberto" na proposta, foi julgado inconstitucional tantas vezes que gerou até edição de súmula pelo STF. Além dessas, outras ações que dialogam com as propostas de Moro foram recentemente julgadas no Supremo.
O tribunal afastou o controle judicial prévio da negociação das colaborações premiadas; impediu que tribunais e juízes de primeira instância desmembrassem processos de réus com prerrogativa de foro por função; negou a execução provisória de pena restritiva de direitos e delimitou temporalmente a interceptação telefônica ao estrito período de autorização judicial. Todos indicam, a priori, posições contrárias às defendidas por Moro. Um outro tema deve em breve entrar para a longa lista de medidas propostas por Moro e deliberadas pelo Supremo: trata-se da prisão após condenação em segunda instância, cujo julgamento está marcado para abril.
Algumas medidas, caso aprovadas, possuem grandes chances de provocarem reação do Judiciário, como a gravação de conversas entre advogados e seus clientes e a coleta de DNA de acusados. [sem um efetivo controle do relacionamento advogado x cliente preso, as chances de muitos advogados (há exceções) servirem de pombo correio para seus clientes - são inúmeros os flagrantes e os casos em curso na Justiça.
 
Alguns limites a gravação das conversas advogados x clientes presos são aceitáveis, mas a proibição total de qualquer forma de contato físico entre o advogado e o cliente preso deve ser estabelecida com urgência -  sem a proibição, muitos advogados se prestarão ao vil papel de pombo correio, portadores de encomendas, etc.]
Outras podem levar o país a também ser condenado internacionalmente: o afrouxamento do controle sobre a atividade policial e a flexibilização da legítima defesa podem ser considerados incentivos à prática de execuções sumárias, ou seja, "pró crime". [antes de se preocupar com as críticas internacionais, o Brasil tem que se preocupar com SEUS problemas internos - as maiores democracias quando decidem por uma medida que as beneficie não ligam a mínima para a opinião internacional.]
Como um todo, ao estimular o encarceramento provisório, restringir os direitos de defesa e diminuir o controle sobre a atividade investigatória e policial, a proposta de Moro encontra resistências em diversos e numerosos casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal a que teoricamente estaria vinculado, além de encontrar limites na própria Constituição que adotou um sistema exigente e robusto de garantias processuais. [o erro principal da proposta de Moro é que pretende combater o crime, dificultar a vida dos bandidos, evitar a morte de policiais, aumentar as punições aos criminosos - caso Moro queira ver suas ideias aprovadas é só privilegiar os direitos dos manos, suprimir os direitos humanos dos humanos direitos, consultar antecipadamente a anistia internacional e assemelhadas, sobre qualquer medida que busque dificultar a prática de crimes. ]

Eloisa Machado de Almeida é professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP - Folha de S. Paulo


quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Como nasceram as narcomilícias

Numa manhã de agosto de 2011, dois policiais militares checavam uma denúncia contra a milícia de Curicica, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro. Sabiam que o suspeito chamava-se André, andava de Volkswagen Bora preto e parecia ser miliciano, pois o relatório dizia que ele mexia com caça-níqueis e segurança privada. No cruzamento de duas ruas movimentadas do bairro, cheia de lojas e bares, os dois avistaram um Bora preto, sem placas, estacionado na calçada de frente para a rua, igual fazem as viaturas da polícia. André Luiz Serralho se identificou como PM. Ao revistarem o carro dele, os policiais encontraram três armas "frias": uma pistola 9 milímetros, de uso restrito, outra calibre ponto 40 e um revólver 357 Magnum. Havia ainda cerca de 700 balas, 450 fichas de cobranças de cestas básicas com endereço de moradores e R$ 32 mil em dinheiro. Até aquele momento, tudo indicava coisa de miliciano mesmo.

Como muita gente já se aglomerava em volta, a equipe decidiu que o melhor seria ir à delegacia da Polícia Civil mais próxima. Lá revistaram o carro novamente. Acharam uma bolsa de viagem com 57 pacotinhos de plásticos cheios de cocaína, que pesaram 51 gramas. As embalagens continham a inscrição: "pó 20 C.V", a sigla do Comando Vermelho, maior facção do tráfico e até então considerada inimiga das milícias.  Serralho contou uma história estranha. Ele disse que recebera denúncia sobre movimentação do tráfico na favela do 15, localizada próxima. Resolveu ir ao local sozinho. Quando os traficantes o avistaram, correram deixando para trás as armas e a mochila com drogas. Serralho disse que pegou o material para levar à delegacia e só esperava um colega de farda chegar para ajudá-lo, quando então os policiais o prenderam. Podia ser um caso de "espólio de guerra", comum no Rio de Janeiro, em que policiais corruptos ficam com as drogas e armas de traficantes para revender. A diferença nesse caso é que havia grande suspeita de envolvimento de Serralho com milícias, cuja estratégia ao que se sabia era a de não tolerar a venda de drogas.


A situação inédita levou a Promotoria de Justiça, numa atitude rara, a denunciar Serralho e depois pedir absolvição dele por falta de provas. O juiz à frente do processo não aceitou o argumento. Condenou o policial a seis anos e três meses de prisão. Mais tarde, o Tribunal de Justiça abaixou a pena para cinco anos e seis meses.  As milícias apareceram como remédio contra o tráfico de drogas, que aliciava crianças e adolescentes para desespero dos pais. Também vendiam proteção ao bairro ou favela contra assaltantes, estupradores e outros tipos de criminosos. Com o tempo, apareceram as garras da extorsão dos milicianos, que tomavam conta do transporte público de vans e mototáxis, controlaram a venda do gás, o sinal da internet e a TV a cabo. Dominavam ainda até o comércio de cestas básica. Exigiam taxa de segurança contra seus próprios atos violentos. Pouca gente na polícia e no Ministério Público sabia, mas naquele ano de 2011 – quando houve a prisão de Serralho – os milicianos rompiam a última barreira. Eles fechavam acordo com os traficantes de drogas, até então os arqui-inimigos, principalmente os membros do Comando Vermelho.

ÉPOCA teve acesso ao documento do Ministério Público do Rio, de dezembro de 2011, que identificou o surgimento da nova organização criminosa. "Conforme dados de inteligência, milicianos estariam vendendo informações a Luiz Fernando da Costa em troca de assistência jurídica", diz o relatório. Primeiro preso federal do Brasil, Fernandinho Beira-Mar chefia o Comando Vermelho de dentro das penitenciárias de segurança máxima por onde passa. "Além de milicianos e advogados, um grupo de policiais corruptos e ex-policiais auxiliaria a rede mantida por Luiz Fernando, especialmente na facilitação da chegada de entorpecente ao Rio".

O documento mostra que não há separação ideológica entre as facções de milicianos e traficantes. "Apesar de pertencer ao colegiado de lideranças do CV, chefiando grupos de traficantes estabelecidos nas fronteiras do país, e aparentar não se relacionar com policiais (filosofia da facção), esta coordenadoria de Inteligência não descarta a hipótese de Fernandinho se aliar ou contratar milicianos para o cometimento de ações criminosas".
Serralho foi assassinado a tiros em frente à casa dele em Curicica, em agosto de 2016. Em outro caso importante, a polícia voltou a se deparar com milícia do bairro em outubro de 2017, quando houve a prisão do ex-policial acusado de chefiar o grupo. Orlando Oliveira de Araújo, mais conhecido por Orlando Curicica, é suspeito de envolvimento na execução da vereador Marielle Franco, morta com quatro tiros na cabeça em março passado. Atrás de alguma pista, os investigadores rastreiam as ligações e contatos do telefone celular de Orlando, apreendido no momento de sua prisão.

A suspeita de participação de milícias na morte de Marielle só indica que o grupo criminoso está cada vez mais forte e, pior, agora associado ao tráfico. É o que o livro Rio sem Lei, lançado em junho, chama de surgimento das "narcomilícias". A ousadia desse bando não tem limites. O delegado da Polícia Civil Alexandre Capote, personagem do livro, que combateu os milicianos, está com a cabeça a prêmio. Mesmo fora de atividade policial, trabalhando no Tribunal de Justiça, Capote precisa de escolta armada para sobreviver. Ele se tornou a única testemunha viva contra milicianos presos na Operação Capa Preta, que vem desde 2010. Juíza que atuou na investigação, Daniela Barbosa Assunção confirma no livro o florescimento dos narcomilicianos.

ÉPOCA publica abaixo trechos de Rio sem Lei que falam do surgimento da facção. Na obra, alguns nomes foram omitidos ou trocados por segurança dos autores, e também das testemunhas.
* * *
"Capítulo 15O surgimento das narcomilícias com a união de milicianos e traficantes"
No final de 2011, um relatório reservado do Ministério Público anunciava o impensável: o casamento entre duas facções outrora inimigas de sangue. A milícia e o tráfico fecharam um acordo com as bênçãos de seus respectivos chefes, os irmãos Minho e Lino e Fernandinho Beira-Mar. Pela parceria que estabeleceram, o Comando Vermelho pagaria advogados para os presos da Liga da Justiça. Em troca da ajuda, os traficantes receberiam a cooperação dos milicianos no esquema de venda de drogas em bairros e favelas cariocas.
Os chefes da milícia queriam assistência jurídica para deixar as penitenciárias federais o quanto antes. Eles desejavam cumprir o resto da pena em alguma cadeia do Rio de Janeiro. Nelas, estariam próximos não só da família, mas do território onde ainda causavam terror. Recluso em Campo Grande (MS), o genro de Minho sonhava com a transferência mais do que todos, segundo dizia o relatório do Ministério Público. Ele entrou em contato com advogados de Beira-Mar para executar o plano. Em 2008, o miliciano escapara facilmente de um cárcere fluminense, certamente a boa lembrança da fuga o animava a voltar. ..."


Rio sem Lei
Autores: Hudson Corrêa e Diana Brito
Geração Editorial
2018



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