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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

O STF pode tudo? - Revista Oeste

Silvio Navarro
 

Decisão de Alexandre de Moraes de prender um deputado por criticar ministros abre discussão sobre abuso de poder do Supremo


A última quarta-feira, 17, poderia simplesmente terminar marcada como o desfecho triste de um Carnaval que pela primeira vez não aconteceu no país, mas entrará para a História da República brasileira como o dia em que uma das mais recorrentes piadas nos corredores do Congresso Nacional se tornou verdadeira: “Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal acham que são deuses. Os outros têm certeza”.

Numa canetada sem precedentes desde a redemocratização, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou a prisão em flagrante do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) [enfatize-se que foi expedido o competente 'mandado de prisão em flagrante'.]pela publicação de um vídeo que circulava na internet com ataques aos integrantes da Corte máxima. A decisão foi chancelada por unanimidade pelos demais ministros no dia seguinte, o que inflamou um debate no país sobre o papel de cada um dos três Poderes e, principalmente, como um deles, o Judiciário, tem extrapolado suas competências constitucionais.

Ainda que o Código de Processo Penal (CPP) tenha seus caminhos para a tipificação de crimes de injúria, calúnia, difamação ou até de incitação à violência o artigo 286 do CPP prevê punição de três a seis meses de prisão em liberdade , as decisões do inquérito das fake news, apelidado de “inquérito do fim do mundo”, aberto há dois anos pelo ex-presidente do STF Dias Toffoli e comandado por Alexandre de Moraes, têm sido amparadas na Lei de Segurança Nacional, de dezembro de 1983, um entulho da ditadura que sobreviveu à Constituição de 1988. Do guarda-chuva desse inquérito sem pé nem cabeça, já partiram outras decisões arbitrárias, como a recente prisão do jornalista Oswaldo Eustáquio, também por disparar contra a Corte.

Não é novidade que o Supremo decidiu entrar na arena com o Legislativo há anos, tornou-se ativista de determinadas causas a despeito da opinião pública e, para usar outra metáfora de Brasília, blindou-se num arquipélago de onze ilhas intocáveis. Parte da responsabilidade nisso — frise-se — é do próprio Congresso, que engavetou dezenas de pedidos de impeachment dos magistrados e impediu a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da “Toga” para averiguar excessos e suspeitas contra o Olimpo do Judiciário.

Mas, desta vez, Moraes avançou a linha. O artigo 53 da Constituição Federal é bastante claro ao definir que os deputados devem ser julgados pela Câmara. “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, diz a Carta.

A avaliação no tapete verde da Câmara é que Moraes invadiu como nunca a competência do Poder ao lado, responsável por analisar se houve quebra do chamado decoro parlamentar. Para tal, a Câmara possui um Conselho de Ética (reformulado a cada biênio), que pode ser provocado a mergulhar em denúncias feitas por qualquer partido político com representação na Casa — seis siglas, encabeçadas pelas de sempre, o Psol e a Rede, já pediram a cassação de Silveira.

Prisão em flagrante = mandado de prisão em flagrante = “flagrante perenemente possível”
Outro ponto que uniu juristas e políticos de diferentes correntes foi a prisão em flagrante delito. Mas qual foi o delito e por que o flagrante? Essa parece ser a maior aberração no despacho de Moraes sobre o vídeo que desqualifica os ministros do Supremo. "Alguém só pode ser detido nessas circunstâncias no momento em que o crime está sendo cometido. No meu entendimento, não é o que ocorreu. O vídeo já havia sido publicado na internet. Então, não há flagrante para prender. O deputado poderia ser chamado para prestar depoimento, mas não uma prisão em flagrante. Foi um ato inconstitucional”, avalia Matheus Falivene, doutor em Direito e Processo Penal pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da PUC-Campinas.

“A decisão do ministro Alexandre de Moraes é inteiramente inconstitucional na medida em que a própria vítima manda prender o eventual agressor em vez de mandar o caso para a Procuradoria-Geral da República para se instalar o devido processo legal, com a possibilidade de defesa. No caso, portanto, houve uma arbitrariedade muito grande”, diz o jurista Modesto Carvalhosa.

Ninguém pode falar mal do STF
Podem-se questionar os termos grosseiros usados no vídeo pelo deputado, que tem um currículo de encrencas — policial militar, já foi detido mais de 50 vezes e recebeu diversas advertências Mas qualquer busca na internet pescará outros tantos vídeos com políticos como José Dirceu, o deputado Wadih Damus (PT-RJ) ou o ex-senador Roberto Requião (MDB-PR),   enxovalhando o STF e defendendo seu fechamento. Nenhum deles foi preso por isso. [o conhecido criminoso Lula, multicondenado e em liberdade por decisão do STF, disse em alto e bom som  que "Suprema Corte está acovardada”, diz Lula para Dilma.; Afirma  que o STJ e o “parlamento” também.].

A corda estica ainda mais se olharmos para o Palácio do Planalto, onde despacha o presidente Jair Bolsonaro, chamado frequentemente por adversários de “genocida”, “fascista”, entre outros termos impróprios. Contudo, se o alvo não for o STF, a régua será outra.

“O deputado extrapolou, mas isso não autorizava sua prisão; não houve flagrante de crime inafiançável. Ao ser expedido o mandado de prisão, já não há flagrante. Ou é um mandado de prisão preventiva ou temporária, ou é um flagrante, uma coisa ou outra. Abre-se um precedente sério, que pode alcançar outros deputados e trazer prejuízo para a democracia. Vamos acabar com as garantias e prerrogativas do mandato parlamentar?”, diz o desembargador Ivan Sartori, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O advogado Sylvio do Amaral Rocha Filho também ressalta que, com essa linha de argumento, o Supremo afasta a inviolabilidade das manifestações de qualquer parlamentar. “Em 1968, em plena ditadura militar, o deputado federal Márcio Moreira Alves fez um discurso pedindo a volta à ordem institucional e foi punido, acusado de desestabilizar a ordem vigente. Ironicamente, passados mais de 50 anos, em plena democracia, o deputado Daniel Silveira foi punido ao explicar ao mundo sua horrível visão do nosso Supremo Tribunal Federal.”

Congresso entre a cruz e a espada
Além da seara jurídica, a decisão do STF colocou muitos deputados contra a parede: defender o colega no voto aberto para reverter a detenção significava enfrentar os 11 ministros togados. Muitos permaneceram em silêncio, inclusive em suas movimentadas contas nas redes sociais e em grupos de WhatsApp das bancadas.

Numa rápida consulta aleatória em dez gabinetes de deputados e senadores, com compromisso de sigilo da fonte, chega-se à resposta: como a prerrogativa de foro arremessa denúncias contra os congressistas diretamente para os gabinetes do Supremo, ninguém quer comprar briga com seu potencial juiz de amanhã.“O Supremo agiu de forma corporativa e a Câmara vai baixar a cabeça e concordar? Já estou envergonhado de participar desta legislatura. Em vários casos, o Supremo tem legislado, é uma Corte com superpoderes. E o que é pior é o silêncio e a omissão de muitos parlamentares, não sei se por rabo preso ou covardia”, cobrou o deputado Capitão Augusto (PL-SP), presidente da Frente Parlamentar de Segurança Pública.

O Parlamento terá de agir ao arbítrio e apontar à Suprema Corte o caminho do devido processo e do respeito à Constituição. Hoje é com um deputado de que talvez você não goste, mas amanhã pode ser contra um de que você gosta”, disse Marcel van Hatten (Novo-RS).

Os deputados são escolhidos pelo voto para o Parlamento justamente para parlar (falar, do latim parolare) o que pensam seus eleitores — goste-se do que digam ou não. É fato que das oratórias da tribuna pouco se aproveita hoje em dia, algo piorado com a extensão dela nas redes sociais. Mas isso não significa que eventuais excessos ou bobagens ditas sejam piores do que guardar dinheiro surrupiado na cueca (como fez o senador Chico Rodrigues) ou mandar matar o marido (como é o caso da deputada Flordelis). Ambos estão soltos e com o mandato à disposição. Daniel Silveira foi preso “em flagrante”.

Colaboraram nesta reportagem Afonso Marangoni e Cristyan Costa

 Silvio Navarro - Revista Oeste 

 

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Daniel Silveira foi preso por “crime de opinião” - Gazeta do Povo - VOZES

Alexandre Garcia

O Brasil amanheceu com a notícia de que o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) havia sido preso pelo que eu chamaria de "crime de opinião" — é uma prisão claramente política. Ele poderia ser enquadrado no Código Penal pelos crimes de injúria, difamação e calúnia, mas não, houve sim um enquadramento na Lei de Segurança Nacional.

Nunca vi uma prisão em que houve mandado de prisão em flagrante. Eu acho que vão ter que estudar isso nas faculdades de Direito. Ora, se houve tempo de emitir um mandado de prisão, então não é mais flagrante. Prisão em flagrante é aquela em que se flagra o criminoso em plena ação criminosa. O deputado foi preso às 11h30 da noite de terça-feira (16), em casa. Em geral, com os corruptos, esperava-se o dia raiar para entrar na casa da pessoa porque o lar é inviolável. Mas no caso dele não. [ele apoia Bolsonaro]

Nesta quinta-feira (18) tem audiência de custódia, quando Silveira será submetido à decisão de um juiz para saber se mantém ou não a prisão dele. A Câmara Federal está esperando isso.  A alegação do Supremo foi que, numa gravação de quase 20 minutos, que eu vi, o deputado usa de palavras de baixo calão e de termos chulos. 
Ele ofende o STF e faz acusações contra ministros do Supremo
Disse que gostaria muito de ver um ministro levar uma surra na rua e tal. Eu acho que isso aí é uma questão para a Comissão de Ética da Câmara examinar o decoro e a conduta desse parlamentar, e puni-lo de acordo com a gravidade do que ele fez em relação ao outro poder. Não vejo Lei de Segurança Nacional.
Crime inafiançável é só se ele estivesse com arma na mão e reunido um grupo armado para derrubar o governo, o Supremo, o Congresso ou seja lá o que for. É o que está escrito na Constituição. Quem quiser ver, alínea 44 do artigo quinto. No entanto, a prisão foi justificada porque está lá, no artigo 53, que o deputado e o senador é inviolável. E ele só pode ser preso em flagrante de crime inafiançável. O artigo 220 da Constituição disse que é livre a liberdade de expressão e não pode haver censura. Todo mundo goza de liberdade de opinião. 
O que Silveira fez foi injúria, difamação e calúnia. Cabe Código Penal, mas aí tem que pedir autorização para a Câmara para processá-lo.
Mas não, ele já foi preso. E o Supremo confirmou por unanimidade, mostrando a união da Corte em torno dessa interpretação. E não é o que a gente lê na Constituição.
Digo isso para a gente ficar atento ao rumo dos acontecimentos, porque um inquérito sem Ministério Público, como manda o artigo 127 da Constituição, está rolando no Supremo. Já foi preso um jornalista. E agora é preso um parlamentar que tem inviolabilidade de opinião. [Todo o afirmado na matéria está certo, absolutamente certo. 
O que complica é que no Brasil quem julga o que está certo - até seus próprios atos - é o Supremo. O Supremo Tribunal Federal é necessário para ser a instância máxima de todo o Poder Judiciário - exceto quando o ato questionado é um praticado pelo STF.
O Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil - STF, julga seus próprios atos.
A Constituição Federal tem o remédio para evitar tal supremacia suprema.
Também em épocas passadas, quando a coisa encrencava se socorriam do Papa.
Só que o Supremo é o menos interessado em corrigir,ou facilitar a correção, desse absurdo. A melhor prova disso é que o ministro Fux, às vésperas de ser empossado presidente, questionado sobre o artigo 142 da Constituição Federal, apresentou uma interpretação - oficiosa, é claro - favorecendo a manutenção do atual estado de coisas e nada mais se falou.]

Investigar Pazuello é querer criar barulho à toa

Nós, jornalistas, e os parlamentares devem estar pensando: qual é o limite da nossa liberdade? 
A nossa liberdade é plena? 
Nós vivemos numa democracia? 
Temos liberdade plena, só não podemos cometer crimes.
Agora, o próximo passo deverá ser dado por um juiz na audiência de custódia ou na Câmara, porque é um episódio que tem que ir para a Comissão de Ética. Aliás, esse deputado é suplente dessa comissão. [ultimamente, temos plena se o ditador da Coreia do Norte decidir governar a seu país seguindo os critérios do Supremo? 
Caminhamos para uma ditadura e já temos candidato, bem cotado pelos seus pares, para ser o nosso Kim-Jong un.
Além de dar a palavra final sobre seus atos, quando são eventualmente contestados, a nossa Suprema Corte conduz o inquérito,  investiga, denuncia,  julga e confirma a sentença.]
 
Alexandre Garcia, jornalista - Gazeta do Povo - VOZES
 

domingo, 15 de dezembro de 2019

Bolsonaro diz que vetará aumento de pena para injúria na internet - Exame

"Internet é território livre", definiu o presidente; medida está prevista no projeto de lei anticrime

O presidente Jair Bolsonaro disse neste domingo (15) que vai vetar o artigo que triplica a pena para crimes de injúria cometidos pela internet. A medida está prevista no projeto de lei anticrime, aprovado na semana passada pelo Congresso Nacional.
“Vou vetar aquele artigo que fala em triplicar a pena para crimes na internet, de injúria, calúnia, difamação. Internet é território livre. Eu quero a liberdade de imprensa. Ninguém mais do que eu sou atacado na internet, não é por isso que vou querer achar que tem que criminalizar”, disse, ao deixar o Palácio da Alvorada na manhã deste domingo.

[são os ilustres congressistas que mais tem interesse em silenciar a internet;
eles, em sua maioria, tem rabo preso - se deixar por conta dos parlamentares,  os que denunciarem seus crimes, poderão ser presos, enquanto o processo do denunciado - quase sempre um endinheirado - se arrasta pelos supremos escaninhos.]

De acordo com o presidente, outros possíveis vetos serão discutidos com os ministros do governo. O presidente passa o fim de semana em Brasília, sem compromissos oficiais previstos para hoje. No final da manhã, ele deixou a residência oficial para participar de um almoço no Clube do Exército, em Brasília.

Revista EXAME - Transcrito em 15 dez 2019