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segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Selo de mau pagador – O Estado de S. Paulo

Opinião

No total, dívidas do Brasil com organismos internacionais somam mais de R$ 4 bilhões

É estonteante a capacidade de Brasília de implodir pontes que ligam o País à comunidade internacional. O presidente da República e alguns de seus principais ministros, a começar pelo das Relações Exteriores, insultam rotineiramente líderes internacionais; escarnecem de preocupações literalmente vitais à sociedade global, como o meio ambiente ou a pandemia; ameaçam conquistas históricas, como o acordo Mercosul-União Europeia; insistem na vassalagem a um demagogo já rejeitado pelo seu povo; provocam arbitrariamente parceiros comerciais seminais, como a China ou a Argentina; ameaçam países vizinhos, como a Venezuela; sabotam recursos internacionais, como os do Fundo Amazônia; e reduzem o Itamaraty a uma trincheira de suas guerrilhas ideológicas contra conspiradores imaginários. [acordo Mercosul - União Europeia, outro ajuste ditatorial, basta um único país da UE não assinar e o acordo vai para o beleléu - só quem não tem direito nem a piar, exceto para concordar, é o Brasil; o tal do Fundo Amazônia foi sonegado por o Brasil não concordar com os decretos absolutistas da Noruega - país que prega a preservação das florestas brasileiras e causa danos ao meio ambiente do Brasil.] 

Mas não se pode limitar o conjunto da obra de destruição ao desvario de Jair Bolsonaro. O Congresso acaba de negar ao Ministério da Economia as verbas necessárias para quitar os compromissos em atraso do País com organismos internacionais como a e suas agências.

Em 2019, o Brasil quase perdeu o direito a voto na Assembleia-geral, pagando às pressas sua dívida com a ONU. Na análise das contas federais do ano passado, o Tribunal de Contas da União alertou o governo sobre a grande diferença entre os compromissos internacionais pendentes e a dotação orçamentária para quitá-los, com risco de infração ao artigo 167 da Constituição, que proíbe a realização de despesas sem previsão no Orçamento.

 [vale a pena gastar bilhões de reais pagando taxas para integrar organismos internacionais que não são de grande valia?
- para que serve a OMS? quais as decisões realmente úteis tomadas por aquela Organização no combate à covid-19?
- já perceberam que as decisões realmente importantes da democrática ONU são adotadas pelos membros permanentes do Conselho de Segurança daquela Organização?
E as mais importantes são adotadas por um membro permanente do CS/ONU?
Se todos decidirem uma medida e um membro permanente, apenas um, vetar a decisão, o decidido deixa de valer. 
Assim, um membro apenas pode decidir contra a vontade de todos. 
Situação parecida ocorre no Brasil, com o Supremo Tribunal Federal em que um único ministro pode suspender uma lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República. E que o ministro autor da decisão suspensiva, pode retardar a apreciação da matéria pelo colegiado e com isso tornar a suspensão uma revogação.]

Saber mais, clique aqui.]

Neste ano, o governo federal reincidiu na barbeiragem, e deixou para a última hora o provimento de recursos para quitação dos compromissos nacionais com organismos como a OMS, Unesco, OEA, OIT, além de 13 missões de paz, 8 bancos multilaterais, fundos internacionais e outras 106 organizações internacionais. No total, as dívidas somam mais de R$ 4 bilhões.

Para cumprir parte desses compromissos e garantir prerrogativas mínimas, como o direito a voto na Assembleia-Geral da ONU, o Ministério da Economia solicitou ao Congresso um crédito de R$ 1,235 bilhão. Mas a menos de dois meses do vencimento das dívidas, o Parlamento rejeitou o pedido. Todo o episódio é uma verdadeira comédia de erros. Primeiro, há a irresponsabilidade dos parlamentares, ávidos por granjear recursos para as suas praças em época de eleições, mesmo que em flagrante prejuízo dos interesses nacionais. Depois, há a inépcia do Ministério da Economia, que incluiu na mesma solicitação de crédito as contribuições que beneficiavam o MDR, abrindo uma brecha para a manobra do Congresso. Por fim, há a crônica desarticulação do governo com as bases parlamentares.

Agora, conforme apurou o Estadão/Broadcast, a equipe econômica trabalha no afogadilho para utilizar algum projeto de lei de crédito suplementar ainda em tramitação para efetuar novo remanejamento, cortando despesas orçamentárias que não serão executadas, para dar lugar à liquidação de parte daqueles compromissos internacionais.

Se malograr, será uma desmoralização sem precedentes para a política externa. Mas mesmo que consiga, a imagem do País já está arranhada. No mínimo é mais um sinal às autoridades e investidores internacionais da incúria do País em honrar seus compromissos. O quiproquó é injustificável, mesmo pelo choque da pandemia, já que essas dívidas estão contratadas há anos.

Enquanto se multiplicam por todo o planeta os apelos à cooperação multilateral para combater o vírus e a catástrofe econômica precipitada por ele, o Brasil caminha a passos largos rumo ao isolamento. Não é esta a vocação do Brasil e dos brasileiros.

Opinião - O Estado de S. Paulo

 

terça-feira, 13 de novembro de 2018

O alcance da crise dos Estados

Ao adiar os ajustes necessários para alcançar o equilíbrio financeiro nos últimos anos, os Estados aumentaram sua dívida com o aval da União

Em 2017, 16 Estados e o Distrito Federal ultrapassaram o limite da receita para os gastos com pessoal ativo e inativo

O fato de, no ano passado, 17 unidades da Federação terem estourado o limite de gastos com pessoal fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ─ de acordo com um critério realista de avaliação das finanças estaduais utilizado pela Secretaria do Tesouro Nacional ─ dá nova dimensão à gravidade da crise fiscal. Não se trata de um problema que afeta apenas e agudamente a população e os contribuintes desses Estados, mas de uma questão de âmbito nacional. Ele envolve diretamente o governo federal e, por extensão, todos os contribuintes brasileiros. Nos últimos anos, boa parte dos Estados ampliou suas dívidas contando com o aval da União, razão pela qual a eventual inadimplência desses Estados imporá custos ao Tesouro Nacional. 

Não sem razão, por isso, a Secretaria do Tesouro Nacional acaba de divulgar um estudo que, por mostrar com números impressionantes a péssima situação financeira dos Estados, é uma advertência para todos os cidadãos, a começar pelos governantes que assumirão seus cargos no dia 1.º de janeiro de 2019.  Uma das conclusões do estudo Exposição da União à Insolvência dos Entes Subnacionais editado pelo Tesouro Nacional na série Textos para Discussão é a de que houve “severa deterioração de resultados primários dos governos regionais, em especial nos últimos cinco anos”. O problema é antigo, como o próprio estudo em certo trecho mostra, mas, de fato, agravou-se a partir de 2013, quando começaram a ficar mais nítidas as graves consequências da desastrosa política econômica do governo Dilma Rousseff.

Utilizando uma metodologia que procura escoimar as demonstrações financeiras e contábeis dos Estados de artimanhas utilizadas para encobrir despesas reais com o funcionalismo, o Tesouro conclui que, em 2017, 16 Estados e o Distrito Federal ultrapassaram o limite de 60% da receita corrente líquida para os gastos com pessoal ativo e inativo. O caso mais grave, como mostrou reportagem do Estado, é o Rio Grande do Norte, cujo governo gastou, com pessoal, 86% da arrecadação líquida. Sobrou muito pouco para as demais despesas correntes, inclusive para a manutenção da máquina, e especialmente para investimentos. A população certamente sofreu prejuízos em termos de serviços públicos.

Mas, além de comprometer a qualidade desses serviços, os governos que excederam os gastos com a folha de pessoal descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que deve implicar alguma forma de sanção. Decerto essas sanções estão condicionadas à comprovação do descumprimento da LRF, que envolve discussões até de natureza jurídica sobre o cômputo de diferentes despesas como sendo gastos com pessoal. Qualquer que seja a solução que venha a ser alcançada, há um impacto de natureza financeira, e de efeito imediato, do grave quadro de insolvência dos Estados sobre as contas do governo federal. Não é possível estimar o custo exato de um eventual calote estadual sobre as contas do governo federal. Mas os números conhecidos assustam. No fim do ano passado, o estoque de dívida estadual contratada com o aval da União alcançava cerca de R$ 190 bilhões. Além dessa dívida avalizada pela União, os Estados têm compromissos com bancos federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES. Esses compromissos estão estimados em R$ 38 bilhões.

Os números podem piorar, visto que o conjunto de despesas orçamentárias dos Estados tem sido estruturalmente maior do que o das receitas, e estas, nos últimos anos, cresceram bem menos do que os gastos. Ao longo do período em que contaram com a ajuda financeira da União, os Estados vieram adiando os ajustes necessários para, em algum momento, alcançar o equilíbrio financeiro. O que fizeram nos últimos anos foi aumentar sua dívida com o aval da União. E essa dívida agora ameaça agravar a já séria crise fiscal do governo federal. Isso mostra que o equilíbrio fiscal é tarefa não apenas urgente, mas de responsabilidade nacional.

Editorial - O Estado de S. Paulo