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terça-feira, 17 de janeiro de 2017

‘Calvito barbudo’

Eleição peruana de 2011 teve intervenção de Lula e Chávez e dinheiro de empresas brasileiras. O modelo foi repetido na Argentina, Paraguai, Equador e Bolívia

A capa é couro marrom, lembra pele de crocodilo. É uma agenda de 2010, com 196 páginas. Numa delas, a mulher do candidato à Presidência do Peru escreveu: “1º de julio, 2010. Calvito barbudo, 10 millones de dólares.” 

Em outras páginas há registros similares: “Marcelo, 21 de mayo. + 30 mil dólares”; “Marcelo, 24 de julio. + 30 mil dólares”; “Marcelo, 10 de enero de 2011. + 70 mil dólares”...
A agenda é de Nadine Heredia, 39 anos, mulher de Ollanta Humala, que presidiu o Peru de 2011 até julho do ano passado. 

Ainda não se descobriu quem seria o “Calvito barbudo”, mas é certo que ele e “Marcelo” são brasileiros — este último foi identificado pelo Congresso, que obteve algumas das agendas da ex-primeira dama. Marcelo é o Odebrecht, preso em Curitiba, acionista do grupo que acumulou US$ 12,5 bilhões em contratos e concessões no Peru entre 2004 e 2015. 

Em Lima, há certeza de que Odebrecht pagou a campanha de Humala em 2011, com o venezuelano Hugo Chávez. Também doaram Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, donas de US$ 4,2 bilhões em contratos. As evidências coletadas no eixo Curitiba-Brasília-Lima indicam que a eleição peruana de 2011 teve intervenção de Lula e Chávez e dinheiro de empresas brasileiras. O modelo foi repetido na Argentina, Paraguai, Equador e Bolívia.

Chávez pagava as contas do casal desde a fracassada campanha de Humala em 2006. O dinheiro venezuelano era lavado no caixa de ONGs, entre elas a Prodin, coordenadas por Nadine. Ela participou ativamente das decisões mais relevantes do governo do marido. 

O governo Lula uniu os Humala aos grupos brasileiros, que contribuíram até com pacotes de dinheiro amarrados ao corpo dos emissários. O PT enviou dirigentes e indicou publicitários para a campanha.

As relações fluíram. Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e OAS já mantinham negócios — agora sob investigação — com os governos de Alan García (2006-2011) e de Alejandro Toledo (2001-2006), derrotado por Humala em 2011. 

Planilha apreendida na Camargo, com o título “Previsão de Capilés”, detalha pagamentos peruanos. Parte foi para a conta nº 0308478009 do Citibank em Londres (swift CITIGB2L), do israelense Yosef Maiman, que exibia credenciais de embaixador do Turcomenistão. 

O operador da Camargo era Marcos de Moura Vanderley, também conhecido pelo relacionamento com Rocío Calderón, amiga da ex-primeira-dama. No governo, Nadine deu a Rocío a diretoria do Conselho das Contratações do Estado. Rocío emprestava-lhe seus cartões de crédito para compras. O Congresso produziu 300 páginas das contas privadas de Nadine. 

Em fevereiro, ainda no governo, ela pediu socorro a José Graziano da Silva, ex-ministro de Lula e diretor-geral da FAO, que lhe deu uma chefia em Genebra. Para garantir imunidade diplomática à amiga , Graziano removeu do cargo Xiangjun Yao, designada pela China, e atropelou normas sobre chefias na ONU — entre elas, a exigência de diploma universitário. Nadine e o marido vivem sob vigilância. A Justiça obrigou-a informar com antecedência suas viagens, sob compromisso de retornar a cada 30 dias. Em Lima, continua a caça a “Calvito barbudo”, o brasileiro que presenteou o casal com US$ 10 milhões.

Fonte: José Casado - O Globo