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segunda-feira, 17 de outubro de 2022

A estrela do xerife - Gazeta do Povo

Guilherme Fiuza 


 

Era uma vez uma democracia graciosa e frágil como uma donzela inocente, bonitinha e ordinária como uma santa de Nelson Rodrigues. Ela vivia vagando por aí cheia de dúvidas e vulnerabilidades, muito instável e inconstante. Até que surgiu o xerife.

O xerife era um personagem decidido, resoluto, que não precisava de nada nem de ninguém para fazer acontecer e mover a roda da história com energia e impetuosidade. Ele então dirigiu-se à democracia, aquela donzela frágil e hesitante, e determinou: fica sentadinha ali no canto, sem dar alteração, que agora é comigo.

Foi maravilhoso. Toda aquela instabilidade decorrente da existência errática da mocinha débil foi corrigida e substituída pelos poderes resolutos do xerife.  
A confusão de opiniões díspares que poluíam o senso comum foi erradicada num instante. 
Instaurando o regime da lisura informacional, com tolerância zero para comentários impuros, insolentes e antidemocráticos, o homem da estrelinha prateada botou ordem na bagunça. 
Quem dissesse coisa errada perdia a língua - e ponto final. [cuidado Fiuza... não começa a dar ideia..]  Como ninguém tinha pensado nisso antes?

Talvez até tivessem pensado, mas ainda não tinha aparecido ninguém com a desenvoltura e a objetividade suficientes para acabar com as gracinhas no recinto. O xerife era o homem certo no lugar certo, porque não tinha problema de inibição. Nem de timidez. Nem de vergonha. Nem de juízo. Nem de semancol. Como diriam William Shakespeare e William Bonner, todo herói é meio sem noção.

Enquanto redigimos este texto, chega um pedido de direito de resposta de Shakespeare, que somos obrigados a acatar e passamos a transcrever: “Me tira dessa, companheiro. Não tenho nada com isso. Me erra. Ass: Will”.

Pronto, está feita a reparação em favor do dramaturgo inglês. Se chegar um pedido do Bonner e a Justiça do Xerife considerar procedente, acataremos da mesma forma, sem discussão. Tudo pela lisura informacional.

A salvação da democracia acabou levando também à salvação da imprensa. 
Os jornalistas andavam meio perdidos, sem saber direito o que panfletar e a quem bajular. 
O xerife preencheu essa lacuna. Era tudo falta de um comando firme. Daí em diante foi um show de liberdade de expressão. 
Confiante de que o xerife era a lei, a imprensa formou um consórcio para ratificar, legitimar e exaltar tudo o que ele fazia. 
Assim surgiu uma prodigiosa onda de manchetes triunfais sobre quebras de sigilo, arrombamentos, pés na porta, mordaças, intimidações, coações, atropelos e perseguições por um mundo melhor.
Políticos, empresários, banqueiros, médicos, advogados, juízes e demais categorias aderiram ao gigantesco bloco de legitimação dos poderes magníficos do xerife
É bem verdade que a sociedade ficou dividida, mas não havia polarização: metade era de cúmplices e a outra metade era de covardes. Como acontece em toda democracia absolutista, a cumplicidade e a covardia se complementam - e confluem para a harmonia do todo. 
Na hora da eleição, por exemplo, não houve espaço para desavenças e ondas de ódio. O xerife esclareceu de saída: vai ser o que eu quiser, como eu quiser.

Alívio geral. Covardes e cúmplices se abraçaram e foram felizes para sempre lambendo as botas do xerife.

Guilherme Fiuza, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

domingo, 3 de setembro de 2017

Episódio mostra como é frágil no MPF o entendimento sobre delações premiadas


A decisão do procurador Ivan Cláudio Marx de pedir a absolvição do ex-presidente Lula e a anulação do acordo de delação do ex-senador Delcídio do Amaral é um cavalo de pau do Ministério Público Federal e arma um nó de difícil solução. O episódio revela como é frágil, no MPF, o entendimento sobre método e alcance dos acordos de delação. 

Ressalta a dificuldade do combate à corrupção calcado em acordos fechados antes que as provas sejam alcançadas por outros métodos clássicos de investigação, como interceptações de telefonemas e laudos periciais. Ocorre que, antes de Marx, e sobre os mesmos fatos, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já havia denunciado Lula e pedido sua condenação. 

Agora temos a seguinte situação: um delator contou à PGR o que alegou que sabia e, com base nisso, Janot entendeu que era possível conceder perdão judicial. O STF aprovou. Um ano depois, a fala do delator é atacada por outro membro do MPF. Ou seja, o delator agradou a um ouvido, mas não a outro e, por isso, poderá ser punido com a perda de todo o acordo. 

Muitas perguntas surgem: se o Estado, na figura da PGR, entendeu que as declarações do candidato a delator eram suficientes para um acordo e até para uma denúncia e depois disse que elas eram mentirosas, quem errou foi o delator ou foi o Estado? Se o Estado assina e pouco depois quer desfazer um acordo, que sinal está emitindo a futuros delatores? 

Os críticos, encontrados principalmente nos quadros da Polícia Federal, do método da PGR de homologar delações antes da busca de outras provas terão aqui um farto material de análise. Por um ponto de vista, o episódio é exemplo do caos processual, onde membros do mesmo órgão, justamente o responsável por fazer valer a lei, batem cabeça. Por outro, pode ser interpretado como manifestação vigorosa da independência dos procuradores de primeira instância. 

"Chefe", no Ministério Público Federal, não deveria interferir nas convicções dos procuradores durante um processo judicial. A independência, reforçada lá na Constituição de 1988, foi reafirmada com ênfase nesta sexta (1º), para o bem e para o mal.

Fonte: Folha de S. Paulo