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quarta-feira, 17 de julho de 2019

Respeito ao sigilo bancário - O Estado de S. Paulo

Editorial - O Estado de S. Paulo

Não deixa de ser estranho que o STF tenha de dizer o óbvio, mas, nos tempos atuais, até o mais cristalino direito necessita ser lembrado.

[a decisão do ministro Toffoli coloca um 'freio', ainda que parcial na indústria de vazamentos;
hoje o absurdo é tamanho que nada impede que um funcionário de um banco no qual uma autoridade mantenha sua movimentação bancária - seja o presidente do Supremo, o da República, a Procuradora-geral, o presidente de uma das Casas legislativa - decida simplesmente divulgar toda a movimentação financeira daquela autoridade, dos últimos meses, repasse para um órgão de imprensa e este, abrigado sob o manto da liberdade da imprensa, divulgue tudo e nada possa ser adotado para impedi-lo.
O bancário da hipótese pode até ser punido, mas, a divulgação não pode sequer ser impedida.] 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou a suspensão da tramitação de todos os processos judiciais em andamento no território nacional que versem sobre o compartilhamento, sem autorização judicial e para fins penais, de dados fiscais e bancários de contribuintes. Trata-se de uma medida elementar de respeito ao Direito. Protegidos sob sigilo, os dados bancários e fiscais não podem ser compartilhados com o Ministério Público sem autorização judicial. [notem que na ação que motivou a decisão o compartilhamento não foi só entre COAF x Receita e MP estadual, via vazamento,  também ocorreu com a imprensa.]

Também foram suspensos, pela decisão do presidente do STF, os inquéritos e os procedimentos de investigação criminal conduzidos pelos Ministérios Públicos Federal e Estaduais que foram instaurados sem a supervisão do Poder Judiciário e nos quais houve compartilhamento, sem autorização judicial, de dados da Receita, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e do Banco Central. A decisão foi proferida num Recurso Extraordinário, com repercussão geral reconhecida, que avalia a constitucionalidade do compartilhamento de dados da Receita, do Coaf e do Banco Central com o Ministério Público. No caso, o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região declarou nula uma ação penal sob o fundamento de que a prova apresentada pelo Ministério Público baseava-se exclusivamente em informações sigilosas da Receita Federal, compartilhadas com o Ministério Público sem a devida autorização da Justiça.

Não deixa de ser estranho que a Corte Constitucional tenha de ser acionada para dizer o óbvio. Num Estado Democrático de Direito, a quebra de sigilo bancário e fiscal para fins de investigação criminal ou instrução processual penal depende de prévia autorização judicial. No entanto, deve-se reconhecer que, nos tempos atuais, até o mais cristalino direito necessita ser lembrado e protegido. Com pequenas e não tão pequenas concessões ao longo do tempo, o que era límpido se torna, aos olhos de alguns, nebuloso.

A relativização do sigilo promovida pelo Ministério Público remete a um caso já julgado pelo STF. Em 2016, o Supremo entendeu, por maioria de votos, que era constitucional a permissão, dada pela Lei Complementar 105/2001, para que a Receita Federal recebesse, sem prévia autorização judicial, dados bancários de contribuintes fornecidos diretamente pelos bancos. O entendimento majoritário foi de que essa autorização legal não representava quebra de sigilo. Seria tão somente uma transferência do sigilo da órbita bancária para a fiscal, e os dados permaneceriam protegidos contra o acesso de terceiros. Uma vez que a Receita continuaria com o dever de preservar o sigilo, não haveria ofensa às garantias constitucionais de proteção da privacidade.

Ainda que seja questionável, a interpretação do Supremo Tribunal Federal de modo algum permitiu o acesso direto do Ministério Público a dados sigilosos para fins penais. Vale lembrar que o Supremo, ao fixar as garantias dessa comunicação de dados com o Fisco, indicou a necessidade de “prévia notificação do contribuinte quanto a instauração do processo e a todos os demais atos”. Além disso, a própria Lei Complementar 105/2001 estabeleceu que eventuais informações dos bancos ao Fisco restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados”. Não poderia ser diferente, pois a lei veio regulamentar – e não abolir – o sigilo das operações financeiras.

É grave que o Ministério Público, instituição responsável pela defesa da ordem jurídica, opte por percorrer caminhos que violam o sigilo bancário e fiscal. As investigações devem ser feitas dentro da lei, que prevê modos de acessar dados financeiros e fiscais, sempre mediante autorização judicial. O sigilo bancário e fiscal é uma garantia constitucional, que deve valer para todos, sem exceções.
[Leia o 'contraditório', clicando aqui.

 Opinião - O Estado de S. Paulo

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Pontos polêmicos podem fazer reforma parar no STF

Pontos da reforma da Previdência podem ser considerados inconstitucionais

Segundo advogados e professores do tema, a sobretaxa na contribuição previdenciária e a mudança no FGTS podem ser questionados no STF se aprovados como estão

Oito dias depois da entrega do texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência Social, os debates sobre as mudanças presentes no documento começaram a movimentar especialistas no tema. Muitos deles elencam pontos que poderiam ter a constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) no futuro.
Dentro do grupo dos servidores, que se aposenta pelo Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), algumas polêmicas foram levantadas. Um dos pontos que chama a atenção de advogados e professores do assunto é a sobretaxa na contribuição previdenciária. De acordo com Paulo Blair, doutor em direito constitucional e professor da Universidade de Brasília (UnB), o tópico é um dos principais que atinge a constitucionalidade da reforma.


A soma da alíquota previdenciária que pode chegar a 22% sobre os supersalários — e do Imposto de Renda — de até 27% representaria 49% do salário de um servidor. “Isso beira o confisco e, na minha leitura, é inconstitucional”, diz o professor, que acredita ser improvável ver o STF acolher uma alíquota previdenciária tão alta. “O STF já decidiu que o aumento de alíquota não pode ter um caráter de confiscar renda”, analisa. [destaque-se que apesar da imparcialidade do STF, especialmente em assuntos que cuidem dos salários dos magistrados, serão os magistrados os mais atingidos pelo confisco de 49% dos salários.

Apesar de ressalva que devido ser adotado na alíquota previdenciária o escalonamento utilizado no Imposto de Renda, o que faz com que apenas sobre parte de um supersalário incida os 22%, tornando a soma de 49% inaplicável na prática sobre qualquer supersalário.]

Para Jorge Boucinhas, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (da FGV), uma das principais vulnerabilidades da reforma é a execução das transições estabelecidas. De acordo com ele, por conta do encurtamento da regra de transição, que baixou de 20 para 12 anos, algumas pessoas acabarão ficando de fora da regra. “Por causa desse encurtamento da transição, crescerá a quantidade de pessoas que já se sentia dentro de um regime e não vai conseguir entrar”, analisa Jorge. Ele acredita que o grupo mais atingido será o de servidores de 2003 e 2013.

Ainda dentro do tema, o advogado e professor especialista em direito previdenciário Diego Cherulli diz que os trabalhadores rurais não têm uma regra de transição clara para seguir e isso acarretará uma argumentação. “Eles não teriam uma transição e essas regras seriam aplicadas de imediato a eles. Isso com certeza será um problema que será discutido”, explica. Jorge Boucinhas concorda com Diego e acredita que tanto os trabalhadores rurais quanto os professores grupos que se encaixam em aposentadorias especiais — podem questionar a lei. “Não está muito claro que existe uma regra de transição específica para essas aposentadorias especiais. Sem dúvida, poderão ser questionadas”, concorda.



FGTS e idade mínima
Quanto à idade mínima única definida no texto da reforma, ambos os pesquisadores não veem inconstitucionalidade no tópico. Para Cherulli, o problema da questão é a previsão de um gatilho que aumenta, por lei, a idade mínima automaticamente de acordo com a expectativa de sobrevida.

Outro ponto polêmico, segundo o advogado Diego Cherulli, é a proposta que retira a obrigatoriedade de recolhimento de FGTS dos empregados já aposentados e ainda ativos nas empresas. Diego classifica a proposta como “absurda” por quebrar a isonomia da sociedade. “O jovem não vai ter condições de concorrer com esse trabalhador mais velho, considerado mais vantajoso para a empresa”, considera. Paulo Blair concorda e garante que este direito não pode ser retirado do trabalhador, mesmo aposentado. “Significa, basicamente, a extinção de uma garantia constitucional”, afirma.

Na berlinda
Confira alguns pontos da proposta  de reforma da Previdência que correm risco de serem levados à análise do STF:

» ‘Gatilho’ que eleva a idade  mínima a cada quatro anos
» Regra de transição dos servidores públicos e de aposentadorias especiais

» Sobretaxa na contribuição de servidores que ganham acima de R$ 39 mil

» Fim da obrigatoriedade de  recolhimento de FGTS e  pagamento da multa de 40% a empregados já aposentados


Correio Braziliense