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terça-feira, 26 de março de 2019

Alívio no STF, por ora

Soltar Temer faz sentido, Athié soltar Temer vem sendo questionado


Ao mandar soltar o ex-presidente Temer, o desembargador Antonio Ivan Athié tirou um imenso peso do Supremo Tribunal Federal, que vem sendo atacado pelos bolsonaristas de internet e criticado duramente pela opinião pública em geral. Foi um alívio. Há um certo consenso entre políticos e juristas de que Temer pode não ser nenhum santo e que, mais cedo ou mais tarde, irá responder pelas acusações que pesam contra ele em dez inquéritos. Mas também é consensual que a sua prisão preventiva foi excessiva.

A comparação foi inevitável desde o primeiro momento: o ex-presidente Lula, que também coleciona inquéritos, prestou depoimento, foi indiciado, virou réu, foi condenado em primeira instância e finalmente pelo TRF-4 até ser preso. 

Temer nem sequer tinha sido ouvido e já foi parar atrás das grades preventivamente.

A pergunta cruzou os ares de Brasília: o que justifica a prisão cautelar, se ele por ora não tem ficha corrida, mantém endereço fixo e conhecido, não deu nenhum indício de que pretendia fugir do País nem estava, diretamente, obstruindo a justiça? Os muitos que fizeram essa pergunta ofereciam em seguida a resposta: Temer é um troféu, uma demonstração de força da Lava Jato, uma retaliação à decisão do STF de jogar para a Justiça Eleitoral crimes de corrupção e lavagem de dinheiro conexos a caixa 2 de campanha.

Em seu despacho determinando a prisão, o juiz Marcelo Bretas fez um duplo “hedge”: disse explicitamente que as imputações contra Temer não têm nada a ver com caixa 2 e tentou desviar a relatoria do caso do ministro Gilmar Mendes para um outro ministro mais, digamos, implacável: Luís Roberto Barroso.  Fosse Gilmar ou Barroso que mandasse soltar Temer, a turba da internet iria à loucura e as pessoas comuns ficariam ainda mais indignadas contra o Supremo. Se fosse Gilmar, sempre apontado como o ministro que “solta todo mundo”, a coisa ficaria ainda mais feia. 
Nessas horas, não importam as razões, o julgamento técnico, as argumentações. Os partidários querem massacres em praça pública, os leigos querem sangue.

O primeiro teste do STF foi com o pedido de habeas corpus em favor do ex-ministro Moreira Franco, do mesmo partido, o MDB, e do mesmo grupo político de Temer. Mas, nesse caso, o relator Marco Aurélio Mello saiu-se muito bem: alegou que não fazia sentido queimar etapas (o TRF-2 e o STJ) e a decisão não cabia ao STF.

É aí que entra a polêmica figura do desembargador Athié, que, entre tantas façanhas, já ficou afastado por sete anos da magistratura, sob acusação de estelionato. Sete anos?! Estelionato?! E foi ele também que reclamou da mania de chamarem propinas de propinas, já que em muitos casos não passam de “gorjeta”. É muita cara de pau. Logo, desqualifica e turva a decisão favorável ao ex-presidente. [comentando: nada foi provado contra o desembargador, tanto que o próprio MP que o acusava, pediu o arquivamento do processo - veja aqui.]
 
Pode fazer o maior sentido mandar livrar Temer da prisão provisória, não só do ponto de vista político, mas principalmente jurídico, além de ser um enorme alívio para o Supremo e seus ministros, que se livraram de ter de anunciá-la. O fato de ter sido Athié, porém, enfraquece a decisão pró-Temer, aumenta o clima de desconfiança, joga ainda mais irritação sobre a Justiça. O STF se livrou por enquanto, a Justiça não. As instituições se confundem com seus personagens.

Círculo virtuoso. Viagem aos EUA, Bovespa em 100 mil pontos, o sucesso dos leilões de aeroportos… Era o momento certo para o presidente Jair Bolsonaro decolar, mas parece que ele gosta mesmo é de ficar patinando nos ataques ao Congresso, à política, ao presidente da Câmara. Prefere manter a guerra na internet e abortar o círculo virtuoso.

Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo

 

Volúvel

Desembargador se mostra volúvel ao soltar Temer

Sexta-feira, desembargador se disse desconfortável em decidir monocraticamente. Ontem, liberou presos

O desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), revelou-se estranhamente volúvel: mudou de idéia num fim de semana em relação à própria decisão de enviar para a Primeira Turma os pedidos de habeas-corpus para o ex-presidente Michel Temer, o ex-ministro Moreira Franco e outros acusados pelo Ministério Público Federal do Rio que estavam em prisão preventiva decretada pelo juiz Marcelo Bretas. [comentando: as vezes a necessidade que uma autoridade sente de corrigir uma injustiça, força a que ela antecipe decisões que pretendia retardar.]

Na sexta-feira ele se disse desconfortável em decidir monocraticamente uma questão tão delicada. Ontem, anunciou a liberação de todos os presos. Athiê não precisava tomar a decisão na sexta-feira, muito menos transferir o julgamento para sua Turma.
Mudança tão repentina pode ter sido influenciada pelos habeas corpus dados no sábado e domingo para outros envolvidos no caso pela desembargadora Simone Schreiber, da Segunda Turma do TRF-2. E também pela reação de parte da opinião pública, refletida em editoriais de jornais e comentários, contra prisões preventivas consideradas tecnicamente injustificáveis. Há quem diga, no entanto, que o desembargador temeu ser derrotado na Primeira Turma, formada ainda pelos desembargadores Abel Gomes e Vlamir Costa, juiz de primeira instância convocado no Tribunal para substituir o desembargador Paulo Espírito Santo. São dois magistrados duríssimos.

Mesmo que tenha afirmado que é a favor da Lava-Jato em sua decisão, o voto do desembargador Ivan Athiê era considerado praticamente certo a favor dos acusados. Afinal, ele em 2017, durante uma sessão da Primeira Turma, comparou pagamentos de propinas a meras gorjetas. “Nós temos que começar a rever essas investigações. Agora, tudo é propina. Será que não é hora de admitirmos que parte desse dinheiro foi apenas uma gratificação, uma gorjeta? A palavra propina vem do espanhol. Significa gorjeta. Será que não passou de uma gratificação dada a um servidor que nos serviu bem, como se paga a um garçom que nos atendeu bem? Essas investigações estão criminalizando a vida”.

Além de escolher o sentido do termo mais brando e inusual no português do Brasil, o desembargador considera normal um servidor público receber gorjeta. Um dos pontos mais evidentes na investigação do Ministério Público para indicar que a “organização criminosa” continuava atuando não foi utilizado no pedido de prisão preventiva pelo juiz Marcelo Bretas: a tentativa de um depósito de R$ 20 milhões em dinheiro vivo detectado pelo Coaf na conta o Coronel Lima na Argeplan. [comentário 1: apesar do aparente respaldo dado por uma comunicação do Coaf, a 'estória' da tentativa de depósito não se sustenta; 

milhões de brasileiros viram, grande parte ainda se lembra, da situação cômica protagonizada por Loures ao transportar uma mala com R$ 500 mil em espécie. 

Das imagens amplamente divulgadas fica claro que Loures além de ser do tipo atrapalhado, não era chegado a esforço físico.

Destaque-se: a mala conduzida pelo assessor continha apenas quinhentos mil. A suposta tentativa de depósito era de um valor quarenta vezes superior - R$ 20.000.000, 00; em notas de R$ 100, duzentas mil = o suficiente para encher duas ou três malas do tamanho da conduzida pelo atrapalhado assessor.

É dificil de se acreditar que nos tempos atuais, em que tudo é filmado, gravado, registrado, medido, etc, etc, alguém compareça a uma agência bancária, com três malas de tamanho avantajado e não seja filmado, não exija até mesmo que a abertura de uma porta secundária, devido o volume.

Tudo indica que não  ocorreu tal registro, tal filmagem e, se ocorreu,  foi ignorada. 

Diante da negativa do banco em acolher o depósito, o portador do discreto volume saiu puxando as malas para procurar outra forma de guardar dinheiro.

É burrice demais para merecer crédito - nem os petistas que ainda sobrevivem e acreditam no Lula livre, seriam capaz de tamanha asneira.]


Esse fato, juntamente com a patética tentativa do mesmo coronel de esconder debaixo da almofada de um sofá dois aparelhos celulares, depois de dizer que não tinha nenhum, serve de demonstração de que os acusados têm o que esconder. Além de o ex-presidente Temer ter em sua casa um telefone fixo registrado na empresa Argeplan. Mais para frente o mérito desse habeas corpus vai ser julgado, e a Primeira Turma pode confirmar a decisão liminar, ou revogá-la e mandar prendê-los de novo, o que é pouco provável. Eles podem ser presos preventivamente de novo pelo juiz Bretas ao longo do processo, se fatos novos que justifiquem a prisão preventiva forem alegados.

Do contrário, só podem ser presos se condenados em segunda instância pelo TRF-2. Como o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar no dia 10 de abril, no mérito, a permissão para prisão em segunda instância, com tendência de mudar a jurisprudência para a prisão após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do trânsito em julgado, é provável que uma nova prisão demore a ser decretada, se não forem absolvidos no decorrer desses recursos prolongados.

Merval Pereira - O Globo