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terça-feira, 13 de dezembro de 2016

No dia em que o AI-5 era decretado, há 48 anos, a capital federal perdia parte da inocência

A partir de 1964, o desenho modernista das quadras de Brasília deixou de celebrar as vanguardas urbanísticas. Na liberdade que os pilotis davam aos moradores, os militares encontraram uma forma de cerceá-la. Sem o impedimento de muros e paredes, não havia como se esconder dos olhos da ditadura. As camuflagens não ficaram restritas aos uniformes e, principalmente depois de 13 de dezembro 1968, quando o Ato Institucional nº 5 foi decretado há 47 anos, sob as ordens do general Artur da Costa e Silva todos eram subversivos em potencial. [o AI-5, foi a única forma, também a mais eficaz para impedir que os porcos terroristas, guerrilheiros e comunista nojenta transformassem o Brasil em maus um satélite da URSS.]

“A intervenção policial fazia parte do nosso dia a dia. Era comum estar num bar, chegar um policial à paisana, sentar na sua mesa como um amigo e, discretamente, começar a te interrogar”, lembra o dramaturgo Alexandre Ribondi. Na esteira das restrições aos direitos democráticos, a ditadura esperava colocar Brasília como um exemplo para o restante do país. Para isso, não poupou esforços na tentativa de vender a imagem de uma cidade pacata, distante de centros como Rio de Janeiro e São Paulo e, mais ainda, dos movimentos sociais que existiam neles.

Porém, os militares se frustraram. Fosse por meio da luta armada, da arte, da própria consciência, ou mesmo do empenho profissional, a cidade demonstrava insatisfação, mesmo que isso significasse receber, além da mordaça da censura, a violência da tortura. Em quatro relatos, o Correio revela cidadãos que, em Brasília, se postaram contra a “revolução” prometida em 1964. Nas limitações impostas pela capital que ainda nem havia sido terminada, essas pessoas acabaram não só analisando um período essencial da história do Brasil: fizeram parte dele.

Em 12 de dezembro de 1968, o então adolescente Alexandre Ribondi só queria aproveitar o dia. Afinal, aquele era o primeiro aniversário que passava em Brasília, e o clima de tensão instaurado pela ditadura militar não seria capaz de tirar a empolgação do garoto de 16 anos. Contudo, o preço do entusiasmo se mostrou alto, pois nem mesmo a bebida mais alcoólica seria capaz de garantir uma ressaca tão forte quanto a que o despertou. “Acordei da minha festa de aniversário e tinha um AI-5 na cabeça de todos os brasileiros. Parecia um filme de ficção científica”, recorda o dramaturgo.

O regime pairava em sua rotina, mesmo antes do documento mais duro aprovado pelos militares. Aluno do Elefante Branco, Alexandre testemunhou a invasão da escola. Nas ruas, desconfiava de homens encostados em carros no meio das quadras e que, sem cerimônia, chamavam-no de maconheiro e viado. “Dessa época, lembro-me de ir encontrar o meu irmão na Universidade de Brasília. Era só atravessar a rua, pois morávamos na Asa Norte. Mas tive de voltar quando vi tanques de guerra e policiais por toda parte.”

Ele garante que, ao recordar esse período, um filtro em preto e branco toma conta dos pensamentos. A Brasília da ditadura militar era cinza, mesmo que ele e sua turma tenham tentado dar mais cor aos anos de chumbo. “Claro que vão existir pessoas mais velhas e mais novas que dirão, até hoje, que isso nunca aconteceu. Não interessava a elas verem, não querem essa versão da história recente do país”, lamenta.

Mas Alexandre também rejeita os papéis de vítima e de herói. Se os acasos da vida o trouxeram a Brasília em meio à ditadura, então, ele deveria aproveitar a cidade da melhor forma possível. E foi a mistura da necessidade de se divertir com o ímpeto ativista que o tornou alvo constante da perseguição exercida pelos militares, ainda mais depois do envolvimento com o teatro. “Corajosamente irresponsáveis”, como ele classifica, a trupe promovia leituras poéticas em  locais abertos, além de apresentações na UnB. O troco vinha sempre: fosse na base da truculência ou em nome da segurança nacional. “Era horrível ver policiais perguntando quem era o aluno tal, o levarem preso e a gente não poder fazer nada. Isso acontecia.” Ele recorda que, no restaurante universitário, a música era muito alta o tempo todo para que os alunos não trocassem ideias. “Não que a gente fizesse algo fantástico, mas era porque fazíamos algo. Qualquer coisa provocava desconfiança, fazia ser levado para depor. Fui preso, passei por sessões de tortura e, até hoje, não me sinto à vontade para falar sobre isso. Não é fácil.”

O dramaturgo cita características próprias de Brasília que facilitavam a perseguição aos considerados subversivos. “Como é difícil se esconder em Brasília. Tudo é aberto, você vê debaixo dos blocos, e isso era usado como estratégia pela polícia. Você corre, e a polícia continua te vendo.”

Repertório

Em um dos seus encontros nada amistosos com a guarda do regime, ele usou táticas aprendidas com o pai, veterano da Segunda Guerra Mundial, para conseguir se safar. Voltando para casa, depois de visitar a namorada, Alexandre reparou que dois homens ao lado de um carro, na 409 Norte, começavam a segui-lo. “Eu parei, eles também pararam. A ideia era que a gente se encontrasse em um ponto no qual eles pudessem me prender sem chamar a atenção. Nem acredito que estivessem me procurando, mas prendendo qualquer um com ar suspeito.” Lançou-se entre os blocos e foi perseguido. Foi quando lembrou do pai, que corria em zigue-zague para escapar dos soldados alemães. “Foi o que fiz. Entrei no apartamento da Jane e me safei.”

Em 1974, depois da tortura, ele “optou” pelo exílio. “Quando a polícia vai à sua casa e sugere que você vá embora do Brasil porque o país é violento e você pode ser vítima de uma bala perdida, não é bem uma escolha”, reflete. Voltou a Brasília em 1978 e presenciou o definhar do regime. Hoje, garante viver em um banho absoluto de liberdade política. “Não há nada que se assemelhe a uma ditadura. A nossa época atual é franca, livre e democrática.”

Com uma amiga, pretende voltar à casa onde viveu em Sobradinho e foi invadida. Querem tentar encontrar uma tradução que ele fez de O Livro Vermelho, de Mao Tsé-Tung. “A gente não se dava conta de que estava fazendo história, apenas implicávamos com quem tínhamos de implicar. Hoje, percebo que temos repertório de história do Brasil nas mãos e na alma”, conclui.

Sentados à mesa durante um jantar, em Brasília, dirigentes de todas as patentes do Exército exaltavam os caminhos que o regime fazia o Brasil trilhar. Uma das convidadas, a empresária Pompeia Addario, interrompeu a fala de um general. “Sempre que ele chamava de ‘revolução’, eu dizia ‘golpe’. O anfitrião disse que nunca mais nos convidaria, mas, no fim, o general reconheceu que eu fui a única pessoa que teve coragem de discutir com ele e me agradeceu”, lembra.

A relação de Pompeia com a ditadura começou no momento em que as forças militares desrespeitavam o estado democrático. Mineira de Juiz de Fora, ela estava na cidade em 31 de março de 1964, quando as tropas sob o comando do general Olímpio Mourão saíram da cidade em direção ao Rio de Janeiro para depor o então presidente João Goulart, que era vice e assumiu o governo após a renúncia de Jânio Quadros. “Eu  me lembro de panfletos pelas ruas que falavam na revolução que seria feita pelo Exército. Mas eu era uma menina, não tinha noção do que aquilo significava.”

Somente ao chegar à capital, em 1969, é que começou a perceber que aquela cena marcada na memória não era apenas uma ameaça. E, mesmo não tendo se envolvido com movimentos de oposição, a empresária sempre teve em mente que o regime militar traria dissabores. “Sentia isso, principalmente, na UnB. Até porque a universidade foi invadida em vários momentos e dava para perceber a tensão entre os alunos”, explica a graduada em história.

Proteção

As amizades que fez mostravam os dois lados desse universo: em uma Brasília paradoxal, a vida mais tranquila, efeito direto da população menor e do seu pouco tempo de inaugurada, se chocava com a vigília constante àqueles considerados subversivos. “No dia a dia, você não notava tanta diferença. A cidade quase não tinha nada, e a gente tinha de fazer com que as coisas acontecessem. Era uma tranquilidade que não existe mais hoje”, lamenta.

Mas Pompeia estava, de certa forma, protegida contra o regime. Mesmo que ela tivesse opiniões contrárias à ditadura, não era perseguida por causa dos vínculos que a família mantinha com os militares. À época, o então marido era funcionário de uma construtora que prestava serviços ao governo. “Viemos para cá quando ele ficou responsável pela construção de casas no Gama. Isso fazia com que tivéssemos contato com eles”, conta. “Mesmo com as limitações, era uma cidade calma. Hoje, temos a sensação de medo diferente, o da violência urbana, e isso é muito ruim”, conclui.
 
Trabalhando em uma fábrica alemã em Guarulhos, São Paulo, o advogado José Geraldo de Sousa Júnior, 68 anos, viu, da janela, tropas militares que ajudaram a derrubar Jango da presidência da República seguirem para o Rio de Janeiro em 31 de março de 1964. O chefe imediato, sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, jogou-se debaixo da mesa ao ver os tanques, em um efeito que não refletia somente o trauma do conflito, mas previa o tipo de regime a ser instaurado.

A partir de 1971, em Brasília, José Geraldo acompanhou de perto as manobras utilizadas pelos militares para garantir o controle baseado na coerção e na violência. “Aqui, vivi a tensão da aplicação das medidas decorrentes do sistema de segurança em uma cidade que foi reprimida muito fortemente. Em Brasília, não havia representação política nem autonomia de gestão legislativa, e isso restringia a capacidade crítica a um meio social sindical e de movimentos”, explica.

As limitações impostas pela ditadura fizeram José Geraldo integrar o coletivo da primeira Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Nós éramos muito mobilizados, seja no plano político stricto sensu, seja nas ocupações da UnB (ele seria reitor da universidade brasiliense entre novembro de 2008 e novembro de 2012), seja nas perseguições a jornalistas, bem como pelo fato de vários personagens de escala nacional terem sido transferidos para Brasília”, detalha.

O advogado explica que, para entender a repressão na capital federal, é preciso uma análise que começa antes de 1964. Desde o momento em que começou a ser construída, a nova capital teve um sistema de segurança quase miliciano, representado pela Guarda Especial de Brasília (GEB). “A GEB fazia aquilo que, na história brasileira, foi o padrão de contenção social: o modelo policial repressor. Com a ditadura, o aparato se institucionalizou, com um sistema em que a segurança é estrutura das Forças Armadas.”

Até mesmo o fato de o DF ficar longe dos grandes centros foi explorado, na tentativa de sufocar movimentos que no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Belo Horizonte eram mais comuns, como as passeatas. “Aqui, criava-se um espaço no qual, facilmente se montava um perímetro de segurança, fechando as entradas da cidade.” Servindo de modelo para aquilo que os militares queriam mostrar para o resto do país, Brasília teve, inclusive, oficiais do Exército à frente da Secretaria de Segurança Pública durante a ditadura.

Diante disso, logo foram instalados sindicatos de base, como o da construção civil, e mais os terciários, como professores e bancários. “Havia uma mobilização quase que constitutiva da estrutura sindical popular da cidade: de um lado, uma agregação de contingentes de trabalhadores da construção. Com eles, a chegada das organizações sindicais”, analisa José Geraldo. “Com isso, passamos por um sistema de monitoramento e vigilância agressivo, que teve um custo alto do ponto de vista das intervenções dos espaços políticos urbanos.”

Medo
Foi a partir desse cenário que o medo se instalou também na classe média. “O brasiliense tinha horror daquelas Veraneios, que eram veículos identificados como sendo parte das forças clandestinas do aparelho de segurança. Se elas chegavam perto, as pessoas se retraíam. E, não poucas vezes, delas saíam esbirros que encapuzavam e levavam pessoas para salas de interrogatórios.”

O advogado diz que o problema do regime de exceção não envolve a discussão do alcance das normas, mas de como serão executadas pelos seus agentes. Por isso, ele teme as ideias defendidas por grupos que pedem a volta da ditadura. “O único valor da experiência é querer evitar, a todo custo, que isso aconteça novamente.”   Correndo em grupo, pela 306 Sul, para fugir da perseguição policial, o jornalista Hélio Doyle, então estudante secundarista, subiu em um dos blocos da quadra em busca de refúgio. A ditadura seguia a época pré-AI-5, e esses alunos recebiam apoio da classe média, inclusive nos momentos em que procuravam abrigo. Vários deles entraram no elevador, mas um policial à paisana que os alcançou lançou uma bomba de gás lacrimogêneo dentro do equipamento. “Só que a nossa pressão na porta foi maior e conseguimos sair. Um colega alcançou o policial e pediu ajuda a um grupo que passava. Eram policiais. Ele apanhou muito”, conta.

Mesmo que o exemplo de truculência policial possa soar comum a outras cidades do país, o fato de ter ocorrido em Brasília demonstra o quanto o regime estava disposto. “Existia uma questão de proteção da capital, de que ela fosse resguardada do que acontecia nos grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo. Eles faziam de tudo para evitar que protestos como os de outras cidades acontecessem aqui”, explica Doyle.

E isso também envolvia a forma como Brasília fora construída. “Diferentemente das outras cidades, você não tinha chance de fazer alguma passeata e, depois, se esconder com facilidade. O único lugar em que havia movimento era a W3 Sul, quando ainda era uma via importante, com muita gente passando”, relembra. Além da consciência dessas limitações, Doyle, que começou na militância aos 15 anos, lembra que as dificuldades estruturais se somaram à maior repressão trazida pelo AI-5, decretado quando ele tinha 18. “Até 1968, havia uma repressão menos drástica. Depois do AI-5, todos começaram a temer mais as consequências de qualquer ato. Antes, você sabia que poderia ser preso, mas a prisão não significava, necessariamente, uma violência maior. Antes, tínhamos receio. Depois, medo.”
E, sendo Brasília uma cidade ainda limitada na maioria dos aspectos, até mesmo as regras mantidas pelos grupos contrários à ditadura eram diferentes. “Na organização de que eu participava, uma das normas de segurança era que a gente não deveria ir ao Beirute. Lá era um centro de intelectuais, e sabíamos que estávamos sob vigilância constante.” E, de forma até irônica, criava situações que dificilmente poderiam acontecer em outras cidades. Doyle lembra que mantinha um apartamento na 410 Norte, alugado com outro nome, que servia para reuniões. Qualquer novo visitante tinha de chegar lá com os olhos vendados para evitar que a localização se espalhasse. “Mas era impossível a pessoa não saber que estava nas 400. Ela só não tinha como saber qual era o bloco.”

“Bandidagem”
A repressão em Brasília também convivia com um paradoxo que somente existiu aqui: ao mesmo tempo em que era considerado extremamente violento, o aparato da Polícia Militar lidava com as ligações intrincadas que existiam entre os “subversivos” e os altos escalões do poder. Doyle explica isso ao contar sobre a primeira vez em que acabou preso. “À época, o meu pai era ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No nosso grupo, havia o filho de um senador da Arena (partido de apoio ao regime). Então, eles tinham muito cuidado. Se isso acontecesse no Rio de Janeiro ou em São Paulo, não seríamos poupados. Isso era a cara de Brasília.”

Não que isso evitasse a tortura, mas o jornalista afirma que, diante das atrocidades que chegavam dos porões da ditadura, o que ele passou não pode ser considerado grave. “Se você sabe que existe o pau de arara e leva um soco, não pode reclamar. Tudo é violência, mas a gente sabia que tinha sorte por só apanhar”, diz.

Relembrar esses momentos faz com que Doyle se choque ainda mais com os grupos atuais que pedem o retorno dos militares ao poder. “Eu me pergunto: será que aquela violência poderia se repetir? O que eles fariam com os protestos que acontecem hoje? Prenderiam todo mundo? Matariam?”, questiona. Para o jornalista, acreditar que a violência urbana cairia caso a ditadura voltasse é outro pensamento limitado. “Esse pessoal deve partir do princípio de que violência resolve tudo. Só que isso é inadmissível. Sem falar que a repressão construía a bandidagem como, por exemplo, no caso dos assassinos do (jornalista) Mário Eugênio. Quando você dá poder excessivo ao repressor, ele começa a extorquir, roubar e usá-lo em seu benefício”, conclui.[mentira: nos tempos do Governo Militar existia bandidos - é algo inevitável, mas, a polícia agia de forma preventiva com eficácia e quando algum crime ocorria, a autoria era sempre identificada.
Ocorreu, se muito, dois ou três crimes que não foram esclarecidos. Nos dias atuais,  de cada cem crimes, são esclarecidos, se muito,  dez.
A matéria é excelente, apenas parcial - por ouvir apenas um dos lados e, maximizar os aspectos negativos ao Governo Militar da versão dos depoentes, que por natureza já era contrária à verdade.
Pela reportagem, fica a impressão que os depoentes eram inocentes, assíduos frequentadores de igrejas e que nada faziam contra as leis e a Segurança Nacional.
A presença ostensiva e também velada dos agentes de segurança se fazia necessária e interrogatórios enérgicos - erroneamente chamados de tortura - era necessários.

O caso Mário Eugênio, assassinado em 1984 - já sob a égide da Lei de Anistia - não teve nenhum envolvimento com atividades de repressão ao terrorismo. O jornalista foi assassinado por bandidos comuns, com motivação na sua profissão de 'repórter policial' co Correio. ]

Fonte: Correio Braziliense

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Na Pátria do Pixuleco, nem inferno é o limite



Em plena campanha, a candidata à reeleição Dilma Rousseff afirmou, sem medo de ser contrariada, que seria capaz de “fazer o diabo” para ganhar eleições. Foi uma das poucas verdades que disse ao longo de todo o pleito – talvez a única. Prometeu o paraíso nos trópicos e está entregando uma conjunção infernal de crises: política, econômica e, sobretudo, moral.

Mas nenhuma das mentiras que ela contou em palanques e debates na TV é comparável à sua reação aos protestos de 16 de agosto dos revoltados com a corrupção e com seu padim Lula, indignados com seu partido de adoção, o PT, e insatisfeitos com a má gestão de seu desgoverno. Em vez de dar alguma satisfação aos manifestantes, mandou uma trinca de porta-vozes falar por ela. 

Foram eles seu porta-voz, Edinho Silva, acusado na Operação Lava Jato de ter recebido dinheiro sujo para a campanha dela, da qual ele era tesoureiro; e os líderes de seu desgoverno na Câmara, José Guimarães (PT-CE), [também conhecido como 'capitão cueca'.]chamado pelo ex-presidente de Lula de “aloprado” após um assessor ter sido preso no aeroporto com dólares na cueca e irmão de José Genoino, ex-presidente de seu partido e condenado por corrupção pelo Supremo Tribunal Federal; e no Senado, José Pimentel (PT-CE), que ninguém sabe de onde vem nem para onde vai. O tal trio classificou como manifestações de “intolerância” os protestos pacíficos, dos quais não participaram os anarquistas black blocs de junho de 2013 e em que não se registrou, por isso mesmo, nenhum ato de vandalismo.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, cobrou da presidente o “gesto de grandeza” da renúncia. O apelo serviu de senha para conter o oportunismo em duas mãos da oposição, dividida entre o golpismo do senador Aécio Neves (PSDB-MG), tentando antecipar a eleição presidencial, e a esperteza de Geraldo Alckmin (PSDB-SP), que prefere deixar o desgoverno dela desabar sobre nossas cabeças descobertas até 2018. “Vamos deixá-la sangrar”, disse o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP).

Mas não provocou nenhuma reação da chefona do governo. Como esperar um “gesto de grandeza” de uma presidente incapaz sequer de reconhecer os próprios erros? Ou de corrigir, de forma satisfatória, a trajetória errática da condução de sua política econômica? Ela deu uma guinada para a direita nomeando Joaquim Levy ministro da Fazenda. E logo em seguida convocou o fantasma da origem da catástrofe, que ela encomendou a Guido Mantega no primeiro mandato, ao distribuir benesses à indústria automobilística, cujos operários têm retribuído o patrocínio do próprio desemprego com índices espetaculares de rejeição, que foi de 84% no ABC na pesquisa do Datafolha com índice nacional de 71%. Posterior à pesquisa, o desemprego do mês passado foi o pior de todos os meses de julho nos anos anteriores.  

Com a perspectiva de chegar o fim do ano com 1 milhão de brasileiros sem emprego, a tendência é seus índices de popularidade desabarem, aumentando em proporção similar a intolerância da cidadania à corrupção, sobre a qual Dilma e seus asseclas calam. Mas os fatos se sucedem de forma espantosa: as notícias de que a Camargo Corrêa devolverá R$ 700 milhões às estatais tungadas e de a UTC ter vencido licitação na BR com um preço 795% maior que o dos concorrentes não levaram Dilma a reconhecer o óbvio.

E agora, ao confessar que não percebeu a dimensão da crise na campanha, insinuando que sofremos aqui o efeito do desabamento chinês, a presidente já merece receber – juntos os Prêmios Nobel da Economia, por gerir uma crise vinda de fora um ano depois; da Física, por ter antecipado o efeito à causa; e da Literatura. Pois superou Jonas, considerado pelo Prêmio Nobel Gabriel García Márquez o inventor da ficção porque contou à mulher que fora engolido e expelido por uma baleia. Comparado com Dilma, o profeta bíblico é um repórter sem imaginação.

Na campanha, o marqueteiro João Santana produziu um vídeo em que mãos peludas de banqueiros furtavam a comida da mesa do trabalhador, referindo-se a Neca Setúbal, assessora da adversária Marina Silva. Um ano depois, tornada a terra prometida o deserto de desesperança geral, Roberto, irmão de Neca e presidente do Itaú-Unibanco, disse à Folha de S.Paulo que a saída da reeleita do poder provocaria “instabilidade”. Com lucro líquido de R$ 20,242 bilhões no ano passado, 29% acima do resultado de R$ 15,696 bilhões de 2013, talvez ele tema que a “instabilidade” que infelicita centenas de milhares de trabalhadores sem holerite, este ano, vá bater às portas do seu banco.

Dilma, que se jacta de ter resistido à tortura na ditadura, adotou na tal campanha o codinome de Coração Valente. Recentemente, ao lado de Barack Obama, na Casa Branca, disse desprezar delatores, referindo-se a colaboradores da Justiça na Operação Lava Jato, o único empreendimento público do Estado brasileiro a merecer respeito da cidadania.
 
E a guerrilheiros que, torturados, deram informações a torturadores que os levaram a companheiros de armas. No entanto, não contestou o coronel Maurício Lopes Lima, que ela havia acusado de ter quebrado seus dentes, no DOI-Codi da Rua Tutoia. Lima negou e até fez blague dizendo em entrevista ao Portal IG, citada pelo jornalista Luiz Cláudio Cunha no jornal , de Porto Alegre: “Se eu soubesse naquela época que ela seria presidente, eu teria pedido: ‘Anota meu nome aí. Eu sou bonzinho’”. A frei Tito o tal oficial apresentou o DOI-Codi como “a sucursal do inferno”.

Dilma também não contestou o relatório apresentado pelo Exército à Comissão da Verdade, que ela constituiu, assegurando que nada aconteceu de irregular em suas dependências. A ditadura acabou, mas as vítimas das pedaladas e outras artimanhas de seu desgoverno nesta Pátria do Pixuleco vivem um inferno  em cuja porta, ao contrário do de Dante Alighieri, não têm mais esperança nenhuma a deixar.


Fonte: Publicado no Estadão - JOSÉ NÊUMANNE



sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

CONTANDO CADÁVERES



Publicado na Veja desta semana, um artigo de Reinaldo Azevedo sobre os bajuladores nacionais de Fidel Castro provocou entre os referidos a clássica reação desproporcional de ódio insano, camuflado em indignação moral e vertido abundantemente em cartas à redação e e-mails ao blog do colunista. O que mais irritou os remetentes foi a comparação entre o número de vítimas da ditadura brasileira e as da cubana – quatro centenas aqui, cem mil lá, num país de população quinze vezes menor --, mostrando, pela enésima vez, que os protestos humanitários tão típicos da tagarelice esquerdista se baseiam na total inversão das proporções e numa reivindicação psicótica do direito ao genocídio abençoado.

Contra esses números que falam por si, o beautiful people fidelista reagiu em massa mediante argumentos que, somados, se resumem a dois, o primeiro enunciado pelo diretor teatral Gerald Thomas, o segundo pelo tom geral das mensagens. Esses argumentos são: (1) O colunista escreve essas coisas porque está insatisfeito sexualmente; (2) Contar cadáveres não vale. Dessas duas premissas, o cérebro coletivo daquela entidade ruminante tirava a seguinte conclusão: Demitam esse desgraçado.

Como essa investida grotesca imita outras tantas das quais eu mesmo já fui alvo, aliás, pelas mesmíssimas razões, permito-me aqui acrescentar ao artigo de Reinaldo Azevedo três observações que, numa discussão séria do assunto – coisa que não se pode esperar de um Gerald Thomas e similares --, jamais deveriam ser esquecidas:
1. Quando os comunistas e seus amantes protestam contra a contagem de cadáveres, alegando que a quantidade não vem ao caso, eles o fazem porque sabem que seu partido é o recordista mundial de homicídios em massa. Abstraída a quantidade, os crimes do comunismo ficam parecidos com os de qualquer outra ditadura ou mesmo com os efeitos de erros acidentais ou de catástrofes naturais, camuflando sua fisionomia hedionda no confortável anonimato das generalidades. Reinserido no panorama o fator quantidade, o comunismo, como já afirmei, matou mais gente do que duas guerras mundiais, somadas a todas as ditaduras de direita, epidemias e desastres aéreos do século XX. É natural que os advogados de cliente tão ruim tenham de apagar da sua folha corrida o traço distintivo que faz dele aquilo que é: o mais temível flagelo que já se abateu sobre a espécie humana.

2. No exame da violência estatal, as comparações quantitativas são não apenas legítimas, mas indispensáveis e obrigatórias. Sem a quantidade, fica impossível distinguir entre homicídio e genocídio, entre crimes contra a pessoa e crimes contra a humanidade. Fazer abstração do fator quantitativo, como os esquerdistas invariavelmente fazem nessas discussões, é abolir toda a legislação internacional de direitos humanos, à qual no entanto eles mesmos apelam quando lhes convém, reduzindo-a a mero instrumento de propaganda.

3. No caso específico do Brasil e de Cuba, não se trata de uma comparação entre governos quaisquer, nem mesmo entre violência estatal “de direita” e “de esquerda”, mas da comparação entre dois exércitos em combate: de um lado, o Estado brasileiro; de outro, a guerrilha internacional planejada, comandada e subsidiada pelo governo cubano. Em todas as discussões do tema na mídia nacional, os guerrilheiros do MR-8, da ALN ou da VAR-Palmares são sempre apresentados como puros dissidentes internos, quando na verdade faziam parte de um organismo político-militar supranacional, a OLAS, Organização Latino-Americana de Solidariedade – antecessora do Foro de São Paulo –, que obedecia estritamente ao comando estratégico de um governante estrangeiro, o ditador Fidel Castro.

Ora, num confronto entre um Estado e uma força militar fundada no exterior, a única possibilidade de uma tomada de posição moral responsável é examinar quem começou as hostilidades e qual dos lados representava a alternativa mais razoável e humana. Que a iniciativa agressora partiu de Fidel Castro, é coisa que ninguém tem o direito de ignorar desde que a historiadora Denise Rollemberg – insuspeita de direitismo – demonstrou que a guerrilha nordestina de 1963 já era subsidiada pelo governo cubano, sendo, portanto uma fraude completa explicar a eclosão do terrorismo no Brasil como reação ao golpe militar que sobreveio meses depois.

Quanto ao segundo fator, a contagem das vítimas de um regime e do outro – quatro centenas de guerrilheiros em comparação com cem mil civis desarmados – fornece o dado essencial para o julgamento justo da situação. O Brasil foi agredido por uma força comandada do exterior, orientada pelo regime mais brutal e homicida do continente. Que na resposta nacional houve excessos e que eles devem ser investigados e punidos, ninguém jamais duvidou. Mas a reação em si, tanto quanto o uso da violência militar para implementá-la, foi inteiramente justa, necessária e moralmente obrigatória. Só mentalidades deformadas pelo culto autolátrico da santidade esquerdista podem negar uma verdade tão patente.

Fonte: Olavo de Carvalho