Míriam
Leitão
Há uma
lucidez nas férias que ajuda o jornalismo. Às vezes, a distância da correria
diária permite um olhar mais agudo sobre o país. As tragédias recentes
atingindo negros colocam o combate ao racismo como ponto central de qualquer
projeto de futuro. Não precisamos de mais mortes para entender que esse
problema pode destruir a Nação, se não for encarado com coragem, obstinação e
propostas objetivas. Séculos de violência contra o povo preto nos olham
desafiadores.
Não há
palavras de repúdio que confortem os que vivem sob a ameaça constante e perdem
pessoas queridas de maneira brutal. O refugiado congolês Moïse Kabaganbe foi
vítima de uma barbárie tão imensa que nos cobriu de vergonha. Ele era apenas um
menino de 24 anos que buscou abrigo entre nós. A mancha não sairá da nossa
bandeira, nada há que apague esse crime hediondo. [a ilustre jornalista "esqueceu" que a morte do refugiado congolês, configura um quadro em que um homem negro - o refugiado - foi assassinado por outros homens negros.
Assim, a tese de um caso de racismo é sepultada, visto que estaríamos diante do impossível caso de racismo entre negros? homens negros praticando racismo, sendo racistas contra outros homens negros?
Quanto ao caso Durval Teófilo tem um todo um conjunto de circunstâncias que tornam improvável prosperar a tese de homicídio doloso ou mesmo a de Legítima defesa com excesso doloso.
A área de ocorrência do fato é violenta, a situação do portão eletrônico ter apresentado defeito - o que explica uma possível dedução pelo sargento Aurélio de ser o defeito uma armadilha para facilitar assaltos - que somado à escuridão total, que dificultava a visão (obrigando o sargento a efetuar três disparos, haja vista não ter condições de saber ter acertado algum disparo - ciência que só ocorreu após Durval Teófilo cair ao solo)
Só podemos, diante dele,
fortalecer a convicção de que é preciso resgatar o país do fosso cada vez mais
fundo em que estamos. Ver logo depois Durval Teófilo Filho com o braço
estendido, como um pedido de paz, diante do seu assassino, foi dilacerante. O
sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra já havia dado um tiro no seu vizinho
de condomínio. Foi quando, caído, Durval levanta a mão desarmada. Ele estava
apenas tentando chegar em casa. Aurélio saiu do carro, mirou a vítima caída e
deu mais dois tiros. O sargento quis matar. Aos 38 anos, Durval foi executado
por ser negro e seu vizinho achou que ele só podia ser um ladrão. [a dedução 'executado
por ser negro', não se sustenta quando conhecidas às condições do local do fato.
É muito cômodo para a 'mídia militante' desenvolver em minutos a teoria de "ato
explícito de racismo", que não se sustenta.
A mesma mídia omite que no caso Carrefour, em que foram indiciados seis seguranças, NENHUM dos seis foi indiciado por racismo.] Um ato
explícito de racismo que termina tragicamente. Na sua defesa, o sargento fez
alegação absurda. Disse que atirou “para reprimir a injusta agressão iminente
que acreditava que iria acontecer”. O jovem Yago Corrêa de 21 anos saiu para
comprar pão e foi preso. O delegado disse que Yago “estava na hora errada, no
lugar errado”. Graças à mobilização da família e de moradores da favela do
Jacarezinho ele foi solto.
Com
quanto sangue mais vamos manchar nossa bandeira antes de entender que só haverá
futuro quando o país encarar seu racismo? O racismo é inimigo da pátria, que só
será pátria se honrar a sua rica diversidade étnica. Não é tarefa dos negros
combater essa violência, é de cada pessoa e de todos os poderes.
O
presidente da Central Única de Favelas e escritor Preto Zezé, em artigo na
terça-feira, na “Folha de S.Paulo”, exprimiu o sentimento dos negros. “Somos
exilados de direitos no nosso país e perseguidos como inimigos. O cenário
inviabiliza qualquer ideia de nação, já que, devido à cor da pele, somos
privados de direitos básicos. E corremos riscos, pois o imaginário popular está
habitado com a ideia de preto como perigoso.”
Um país
assim, que mata negros [insistimos em lembrar que Moses foi assassinado por homens negros.] por serem negros, que escravizou africanos por três
séculos, que nunca teve política de reparação, que até hoje os discrimina, não
pode perder tempo com debate estapafúrdio. Não há racismo reverso. Ponto final.
Os brancos não são ameaçados por serem brancos. Pelo contrário. Chega de dar
espaço a debate falso. A mentira não é inocente, ela nos afasta do essencial e
urgente.
Sempre
houve quem lutasse a luta justa no Brasil. O herói da Pátria Luiz Gama é
desses. O filme “Doutor Gama”, de Jeferson De, no Globoplay, narra uma das suas
muitas lições de resistência. Precisa ser visto. O livro “Avesso da Pele”, de
Jefferson Tenório, é outra recomendação que faço. Nele, o narrador, em diálogo
com o pai, vai revelando ao leitor o cotidiano das feridas que os olhares, as
palavras, as portas fechadas vão impondo ao negro. A pessoa adoece e um dia não
aguenta mais. Tenório nos conta dessa morte lenta, desse cumprimento de uma
pena sem culpa e sem remissão. Por quanto tempo mais o tecido social brasileiro
suportará tamanha covardia?
Gosto dos
números, acho que eles são reveladores, mas prefiro nem levantar aqui
estatísticas para mostrar o que é evidente, a hegemonia dos brancos, a exclusão
dos negros. Por natureza sou otimista. Acredito em políticas públicas e nas
decisões privadas para mitigar problemas sociais. As poucas que surgiram nos
últimos anos, como as cotas nas universidades públicas, ajudaram. As empresas
que sinceramente querem mudar estão avançando. Tudo somado é pouco perto da
imensidão da tarefa. Este é um ano eleitoral. O combate ao racismo deveria
ocupar as agendas como uma obsessão.
Míriam Leitão - Com
Alvaro Gribel (de São Paulo)