A OMS alerta para a tendência de aumento progressivo, com o
envelhecimento da população. Segundo estimativas da Alzheimer’s Disease
International, no Reino Unido, os números globais podem chegar a 74,7
milhões em 2030 e 131,5 milhões em 2050.“O Alzheimer é uma doença neuro-degenerativa progressiva, com aumento
do número de casos após os 65 anos. Ele causa uma perda também
progressiva das células neuronais a partir do acúmulo das proteínas tau e
beta-amiloide no cérebro, que levam à atrofia”, explica Alessandra
Rascovski, endocrinologista e idealizadora do Cérebro em Ação, projeto
socioeducativo para a prevenção do Alzheimer.
Segundo Alessandra, “o Alzheimer é considerado uma doença de estilo de
vida. Apesar de não ter cura, já se sabe que ele tem uma fase
pré-clínica enorme. Começamos a ‘construir’ esse cérebro doente cerca de
30 antes do diagnóstico.”
A médica afirma que, em um primeiro momento, a proteína beta-amiloide
começa a acumular no cérebro. Depois surgem disfunções nas sinapses dos
neurônios e lesões pelo acúmulo da proteína tau: há diminuição do volume
do cérebro com alteração estrutural. Em torno de 7 a 10 anos antes do
diagnóstico de demência começam os sintomas de Alzheimer, como alteração
de memória e de comportamento.
O estudo finlandês Finnish Geriatric Intervention Study to Prevent
Cognitive Impairment and Disability, realizado em 2015 e chamado de
Estudo FINGER, foi a primeira referência para prevenção da demência.
“Ele avaliou pacientes de 60 a 77 anos com diagnóstico de declínio
cognitivo. Foram observadas todas as doenças crônicas (como diabetes,
hipertensão, colesterol alto, obesidade), depressão, consumo de álcool,
sedentarismo etc. Esses pacientes foram submetidos a uma diretriz com
atividade física regular, dieta do tipo Mediterrânea e 10 minutos por
dia de meditação. No final de dois anos, houve uma melhora ou não
evolução para demência em uma boa parte dos casos. Ou seja: existe como
realmente construir um cérebro mais saudável.”
O estudo analisou todos os fatores envolvidos no desenvolvimento do
Alzheimer e apontou sete principais fatores de risco para a doença,
todos passíveis de prevenção: sedentarismo, tabagismo, diabetes,
obesidade, hipertensão, depressão e baixa escolaridade.
A hipótese de que cerca de 40% dos casos de demência podem ser evitados
ou retardados foi corroborada por descobertas da The Lancet Commission
on Dementia Prevention, Intervention and Care, também divulgadas na
Conferência Internacional da Associação de Alzheimer (AAIC).
De acordo com as recomendações do relatório da US National Institute on
Aging (NIA) e da comissão de especialistas da The Lancet, a intervenção
no estilo de vida do FINGER será adaptada e testada em vários outros
países.
A partir de estudos desenvolvidos pelos pesquisadores da comissão The
Lancet, em 2017 foram acrescentados o isolamento social e a perda de
audição na meia-idade à lista de fatores relevantes para a demência. Em
2020 a comissão acrescentou mais três pontos: o consumo excessivo de
álcool, a poluição e os traumatismos cranianos à lista dos riscos.
Esse movimento resultou na formação da rede World Wide FINGERS em 2017,
uma iniciativa de pesquisa para prevenir ou retardar o início do
declínio cognitivo. A proposta é gerar evidências sólidas sobre a
eficácia das intervenções combinadas em diferentes contextos e
populações.
“Sabemos que temos que promover neuroplasticidade, ou seja, criar novos
circuitos de neurônios a partir do que a gente faz. Então, partir
daquilo que desencadeia ou acelera o processo de neurodegeneração e
demência chegamos às atitudes protetoras do cérebro, que podem ser
adotadas no dia a dia”, diz Alessadra.
A seguir, ela fala sobre os 12 fatores de risco para Alzheimer e
demência — e o que podemos fazer para prevenir ou atrasar a demência em
40%.
As diretrizes recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam
de 150 a 300 minutos de atividade física aeróbica moderada por semana.
Dá pouco mais de 20 minutos por dia, ou 30 minutos de caminhada esperta
cinco dias por semana.
Para reforçar a importância de incluir a atividade física na rotina, um
estudo publicado na revista científica Jama (Journal of the American
Medical Association), uma das mais conceituadas do planeta, mostrou que
participantes que deram pelo menos 7000 passos/dia, comparados com
aqueles que andaram menos, tiveram um risco de mortalidade entre 50% e
70% menor.
“O exercício físico que parece ser o mais benéfico para a saúde do
cérebro é o aeróbico e intervalado de alta intensidade (HIIT, High
Intensity Interval Training), que provoca a oscilação da frequência
cardíaca. É importante, no entanto, que as pessoas desenvolvam outras
habilidades, como flexibilidade, equilíbrio e força muscular. Uma vida
cotidiana ativa já é muito interessante”, diz Alessandra.
Ela afirma que, com as últimas descobertas da ciência, em 2020 o
músculo foi “promovido” a órgão endócrino, ou seja, foi descoberto que o
músculo é um órgão que produz hormônios e substâncias que agem tanto no
próprio órgão como à distância.
“Uma contração muscular produz, além de todos os benefícios ligados ao
exercício em si, uma substância chamada irisina, que faz a conexão
provável entre a atividade física e a função cerebral. O exercício
também aumenta o fator neurotrófico cerebral (produz neuroplasticidade),
o que também acontece quando aprendemos coisas novas ou quando mudamos
processos, como escovar os dentes com a mão esquerda.”
O aumento do fluxo cerebral promovido pelo exercício diminui o acúmulo
de beta-amiloide no cérebro, reduzindo o risco e a progressão do
Alzheimer. A atividade física também ajuda a modular o cortisol, o
hormônio produzido durante o estresse crônico. O cortisol diminui a
resistência insulínica e aumenta o risco de diabetes, obesidade e de
inflamação crônica do organismo.
“A atividade física aeróbica é eficaz até para a mudança do volume do
cérebro. Estudos mostraram que exercícios aeróbicos provocam reversão da
diminuição do hipocampo, área do cérebro relacionada com a memória”,
diz.
“Existe uma associação do fumo com a progressão do Alzheimer e piora de
demência, talvez até por causas vasculares. E não é só o cigarro
convencional, mas tabaco, naguile e cigarro eletrônico também.”
Por outro lado, depois de 10 anos sem fumar a pessoa é considerada não
fumante para doenças pulmonares. “Como ainda não existem estudos sobre a
ação no cérebro de parar de fumar, usamos essa referência.”
Metade das pessoas que têm a doença não sabem. Para elucidar o efeito
do açúcar no cérebro a médica cita um estudo relevante, publicado com o
título "The Starving Brain" (o cérebro faminto), que usa o termo
diabetes tipo 3 para se referir ao Alzheimer. Ele foi feito com
pacientes com diabetes e que consumiam muito açúcar.
“Dentro do neurônio normal deveria ter açúcar, que é o combustível da
célula. O que se viu em imagens de ressonância é que o cérebro do
paciente com Alzheimer tem muito pouco açúcar porque a resistência
insulínica impede que ele entre no neurônio. O resultado é perda neural.
O consumo excessivo de açúcar está associado ao estresse oxidativo
cerebral.”
“Existe uma conexão alimentação-cérebro. A dieta tem impacto sobre
memória, humor, envelhecimento e doença”. Várias metanálises de dieta e
nutrição sugerem a Dieta Mediterrânea como a mais saudável para o
cérebro. Ela prioriza o consumo de alimentos frescos: legumes, verduras,
frutas, gorduras boas (como azeite e oleaginosas) e peixes, com
restrição ao consumo de carnes e alimentos de origem animal, ricos em
gorduras saturadas.
“Os nutrientes que merecem destaque para o cérebro são vitamina D,
antioxidantes, ácido fólico, colina, ômega 3 e magnésio. No estudo
FINGER foi demonstrado que dois a quatro cafezinhos por dia melhoram o
desenvolvimento e o desempenho da cognição.”
Também devemos considerar a importância da microbiota intestinal (o
conjunto de bactérias) saudável, e o que comemos impacta na microbiota.
“Um agravante para o envelhecimento é a microbiota da boca: dificuldade
de escovação, cáries, perda dentária e doenças da gengiva mudam muito
as bactérias da boca. E elas têm um grande impacto no desenvolvimento do
Alzheimer.”
Como no caso do diabetes, muita gente tem hipertensão e não sabe.
Fatores de risco nem sempre provocam sintomas e às vezes a doença vai se
instalando devagar.
“O consumo diário de sal recomendado é de até 5 gramas por dia. No
Brasil o último levantamento mostra o consumo de 12 gramas por dia. E
muitas vezes achamos que não estamos consumindo sal e a açúcar, mas eles
estão presentes em excesso nos produtos industrializados. Então, o
primeiro passo é diminuir o consumo de sal e de açúcar.”
“Ela é considerada um fator isolado de predisposição para o Alzheimer,
com papel importante mesmo que o paciente não tenha nenhum dos outros
fatores”, diz a médica. Ela reforça que depressão é doença: ficar triste
a maior parte do tempo, não ter vontade de fazer as coisas que fazia
antes, perder o interesse por hobbies e não querer socializar não é
normal. É preciso pedir ajuda profissional.
“A depressão não tratada por si só causa inflamação e neurodegeneração.
Estudos mostraram que a cada 10 anos de depressão sem tratamento, 20%
do cérebro degenera. Outro estudo interessante avaliou pessoas que não
quiseram tomar medicação.Trataram de outro jeito ou não fizeram nada.
Entre esses, houve 30% de inflamação no córtex pré-frontal esquerdo, a
área do cérebro responsável pela emoção positiva e pelo raciocínio
lógico.”
Alessandra chama atenção para o fato que, nesse século 21, as mulheres
vão viver cerca de 30% da vida na menopausa. E sem reposição hormonal
pode haver um impacto grande na memória. “A reposição deve ser feita com
acompanhamento médico, considerando prós e contras. A neuroproteção do
estrógeno acontece principalmente quando se inicia a reposição, em torno
de três a cinco anos que a menopausa se instalou.”
O estudo FINGER destacou a importância da meditação para o cérebro.
Existem vários estudos científicos que comprovam que a meditação aumenta
a capacidade de atenção, ativa regiões corticais profundas que promovem
relaxamento, melhoram o declínio cognitivo e o humor.
“Um estudo bem importante associou um tipo específico de meditação,
chamada Kirtan kriya, ao controle do estresse e prevenção de Alzheimer.
Com 12 minutos por dia, a meditação mudou morfologicamente a estrutura
do cérebro no lobo frontal e regulou genes inflamatórios. Meditar ainda
aumenta a longevidade.”
Segundo a médica, a enzima telomerase, que funciona como protetora dos
telômeros (extremidades do cromossomo do DNA, que vão encurtando com o
passar dos anos e são considerados biomarcadores de envelhecimento)
aumentou em 43% com essa meditação.
“O isolamento tem um papel absurdo para a progressão do Alzheimer. A
interação social e o convívio com os outros não só são recomendáveis,
mas fundamentais. Existe um estímulo de diferentes regiões corticais
quando a gente aprende com os pares. E é importante que esse convívio
tenha periodicidade para manter esse estímulo, criando agenda mensal ou
semanal de encontros com amigos e familiares.”
8 - Comprometimento auditivo
“Não escutar direito acaba gerando o isolamento do idoso. Por outro
lado, o uso de aparelho auditivo pode até reverter o declínio
cognitivo”. O cuidado deve começar agora: evite usar fones de ouvido o
tempo inteiro e fique atento ao volume. É importante de tempos em tempos
fazer uma audiometria.
9 - Baixa escolaridade na infância
“As primeiras vivências da infância moldam a estrutura cerebral. A
finalidade da escola é também promover reserva cognitiva, uma conexão
neuronal mais firme e duradoura. É o aprendizado sucessivo, que se
repete várias vezes, que estrutura o cérebro.”
E mais: quanto maior o número de anos estudados, maior reserva
cognitiva. Ou seja, estudar (em qualquer idade) é um fator protetor para
o declínio cognitivo.
10 - Consumo excessivo de álcool
“Existe muita controvérsia sobre se existe de fato um limite seguro
para o consumo de álcool. Costumamos sugerir como limite máximo até sete
doses por semana para mulheres e até 14 doses para homens.”
Acrescentado recentemente, esse item chama atenção para a poluição
gerada pelos carros, pela indústria e pela fumaça que atinge o fumante
passivo. Evite correr ou fazer esportes em locais de muito trânsito e
busque, sempre que possível, momentos de contato com a natureza.
12 - Traumatismos cranianos
Não se trata apenas do trauma causado por um acidente grave que acaba
no pronto-socorro. Pancadas na cabeça podem causar dano: em esportes
(como futebol e boxe) e no trânsito (use capacete ao andar de bike).
“O Alzheimer não tem cura e, por enquanto, não tem tratamento. Mas
podemos prevenir a doença a partir dos nossos hábitos e das nossas
escolhas no dia a dia. Essa responsabilidade é de cada um: pessoal e
intransferível”, conclui Alessandra.
Se você mora em São Paulo, participe do evento Cérebro Em Ação, neste
domingo, 13 de novembro, no Parque do Ibirapuera (Serralheria).
O Cérebro em Ação (@projetocerebroemacao #chegadealzheimer) é um
projeto social e educativo para espalhar conhecimento e motivar as
pessoas a fazer boas escolhas no dia a dia, adotando hábitos mais
saudáveis para proteger o cérebro.
Espiritualidade e Bem-estar - O Globo - MATÉRIA PUBLICADA = UTILIDADE PÚBLICA