Empunhando uma machadinha, cabeça
raspada, o homem de 25 anos e 1,80 metro de altura matou quatro crianças — três
meninos e uma menina, com idades entre 4 e 7 anos. A tragédia teria sido ainda
mais assustadora se não fosse a coragem de outros quatro estudantes, que
resistiram aos sucessivos golpes que receberam. Os sobreviventes foram encaminhados
para o Hospital Santo Antônio, onde permaneceram por 24 horas. O enterro das
vítimas ocorreu um dia depois do ataque, sob clima de desolação.
Uma
semana antes, em 27 de março, um adolescente de 13 anos de idade entrou na
Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia (SP), e esfaqueou até a morte a
professora Elisabete Tenreiro, 71 anos. Ele ainda feriu dois alunos e outras
três docentes antes de ser preso pela polícia.
Esses
atentados desencadearam centenas de ameaças a escolas do país, como no Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul, Manaus, Goiás e São Paulo. Este último apresenta o
cenário mais alarmante. De 27 a 31 de março, foram identificadas pela Polícia
Civil 279 suspeitas de ataques no Estado — 56 por dia. Isso representa um
aumento expressivo no número de casos. De 1º de janeiro a 26 de março,
ocorreram 82 ameaças do mesmo tipo (800% a menos).
Um pânico
generalizado se estabeleceu no Brasil, com as famílias temendo a iminência de
novos atentados. A onda de medo teve como catalisador o compartilhamento de
mensagens, fotografias, vídeos e áudios com supostas ameaças em grupos de
WhatsApp. Os propagadores alertam para um possível ataque em massa em 20 de
abril, aniversário de 24 anos do massacre de Columbine. Naquele dia, em 1999, os
norte-americanos Eric Harris e Dylan Klebold invadiram uma escolha e
metralharam 37 pessoas. Dez morreram.
Oportunistas do caos Nem mesmo esse cenário aterrorizante despertou a compaixão dos oportunistas do caos. No momento em que os pais tentam sobreviver à trágica perda dos filhos, os militantes instalados em gabinetes, redações jornalísticas e universidades constroem palanques sobre as vítimas.
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania,
Silvio Almeida, deu início à onda de discursos insolentes. “Vamos esperar
chegar ao número dos Estados Unidos, considerados modelo por muita gente aí?”,
perguntou. “Essa gente cultuando arma, querendo dar golpe de Estado.” [ministro, muitas vezes ficar calado é melhor do que falar asneiras; além do mais, o governo ao qual serves já tem vários recordistas em expelir estultices, um a mais sequer é percebido.]
O desabafo do ministro Silvio Almeida diante da chacina na creche em
Blumenau/SC.
Via @lucasrohan pic.twitter.com/qXFEPgtMUN
— Central
da Política (@centralpolitcs) April 5, 2023
A indecência seguiu pelos estúdios dos telejornais.
Um dos principais comentaristas da GloboNews, Octávio Guedes atribuiu ao
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) os ataques que culminaram na morte de
crianças inocentes. “Isso é problema de uma sociedade doente”, disse o
jornalista. “Adoecida por um discurso de ódio contra a escola, segundo o qual a
escola é um partido político, as universidades são antros de maconheiros, os
professores não estão ensinando coisas decentes e o bom é o homeschooling.
Temos um caldo dentro desse discurso de ódio, que identifico a extrema direita.
Isso levou Bolsonaro ao poder, como a grande propagadora desse discurso.”[cara, você conseguiu superar o Dino, o Almeida e a Franco = é burrice demais para um comentarista só; pede ajuda ao Bonner e os dois empatam com o Lula, isso se o pavão do JN nao trouxer Nostradamus.]
Esse é o “jornalismo” brasileiro: faz até caixão de criança como
palanque para atacar desafeto político. Que nojo… pic.twitter.com/nSdN3NDET7
— Nikolas
Ferreira (@nikolas_dm) April 5, 2023
O
ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, praticamente subscreveu
as afirmações de Guedes. Segundo o ex-governador do Maranhão, os ataques contra
crianças em escolas e as manifestações do 8 de janeiro estão interligados. “Tem
influência da ideia de violência extremista a qualquer preço, a qualquer
custo”, afirmou.
➡️ Ministro da
Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, alerta para a proliferação de
discursos de ódio, durante coletiva sobre o ataque a uma creche na manhã desta
quarta-feira (5/4) em Blumenau, no Vale do Itajaí onde quatro crianças foram
mortas e cinco ficaram feridas.
… pic.twitter.com/D66gfA8PGd
—
Metrópoles (@Metropoles) April 5, 2023
A
pesquisadora Luka Franka reforçou o elenco de discursos oportunistas, com o
relatório intitulado “O Extremismo de Direita entre Adolescentes e Jovens no
Brasil: Ataques às Escolas e Alternativas para a Ação Governamental”. No
estudo, entregue ainda no ano passado à equipe do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, a pesquisadora alega que “os alvos de cooptação pelo discurso de
extrema-direita [sic] são majoritariamente adolescentes brancos e
heterossexuais, e a misoginia exerce um papel crucial no processo”.
(...)
Pais distantes, games próximos Alheias aos discursos ideológicos dos gabinetes, das redações jornalísticas e das universidades,
as famílias buscam compreender as razões dos atentados em escolas. Segundo a psicanalista infantil Mônica Pessanha, especializada em mães e filhos, o uso excessivo dos games pode levar os jovens a cometerem assassinatos em massa. Isso porque os jogos estimulam a liberação de dopamina, um neurotransmissor que causa sensação de prazer, euforia e conforto. “
É importante os pais entenderem que não é adequado permitir às crianças e aos adolescentes ficarem horas em jogos violentos”, observou a psicanalista.
“Um dos efeitos da exposição excessiva pode ser a noção de que o uso da violência justifica a resolução de conflito.”
(...)
Idolatria a homicidas
O massacre na Columbine High School, em 1999, deu início à série de ataques contra escolas e universidades. Conforme a escritora e jornalista Madeleine Lacsko, especialista em Cidadania Digital e estudiosa da chamada deep web, os assassinos norte-americanos pertenciam a uma subcultura digital que idolatrava a morte
. “Eram dois meninos com ódio da sociedade que começaram a fazer manuais de como prejudicar pessoas e montar bombas”, observou, ao lembrar que a polícia rechaçou possíveis investigações de Eric Harris e Dylan Klebold.
“Eles começaram o que até hoje existe e faz sucesso: as postagens com fantasias violentas envolvendo pessoas conhecidas.” De lá
para cá, os homicidas se tornaram ídolos em fóruns de conversas na deep web
— uma parte da internet não acessível aos navegadores convencionais. Ali,
constata Madeleine, jovens sem propósitos falam dos assassinos como se fossem
heróis. “Isso inicia uma subcultura com um conjunto de valores próprios, muito
atraente para adolescentes problemáticos”, disse a jornalista. “A grande
maioria dos frequentadores desses fóruns tem a fantasia mórbida de imaginar
como seria assassinar os outros. Sente prazer ao falar disso, ao compartilhar
fotos de cadáveres e vídeos de assassinatos. Mas, ali no meio, também tem quem
queira levar essa fantasia para a realidade.”
O
massacre de Suzano (SP), em 13 de março de 2019, é um símbolo das práticas
desses grupos. Os assassinos — dois jovens de 17 e 25 anos — invadiram a Escola
Estadual Raul Brasil e atiraram contra professores e estudantes. Eles mataram
cinco alunos, duas funcionárias e um comerciante. Outras 11 pessoas ficaram
feridas, mas sobreviveram.
Na época,
os homicidas revelaram que tinham o objetivo de superar o número de mortes em
Columbine. “Como já estavam inseridos nessa subcultura, acabaram mais famosos
que os autores dos outros nove massacres escolares ocorridos no Brasil em
2019”, lembrou Madeleine. “Eles não conseguiram superar o número de mortos.
Assassinaram oito pessoas. Depois, um dos atiradores matou o outro e cometeu
suicídio.”
(...)Tanto
Keké como Susan conheciam Taucci, ex-aluno da escola em Suzano. Segundo os
sobreviventes, o assassino costumava rondar a porta da instituição de ensino.
“Um ano e meio antes do atentado, Taucci disse para o meu filho que iria voltar
e matar os meninos que o zoavam”, revelou Andreia. “Ele pediu que meu filho
ficasse em paz, porque não seria alvo dos ataques.”
No
momento do atentado, Susan disse ter reconhecido o assassino. “Ela não gostava
do jeito que Taucci a olhava”, disse Nadja, ao contar as lembranças da filha.
“Ela se sentia mal.” Quando o homicida apontou a arma, Susan relatou que ficou
de joelhos. Taucci disparou, mas o tiro atingiu o garoto ao lado. “O sangue do
menino jorrou nela”, lembrou a mãe. “O assassino recarregou a arma, e isso foi
a deixa para Susan fugir.”
Taucci e
o comparsa, Luiz Henrique de Castro, usaram um calibre .38 e um machado para
assassinar inocentes. Depois de alvejar os alunos, o suicida matou seu parceiro
de crime e atirou contra a própria cabeça. Um terceiro indivíduo, de 17 anos de
idade, foi condenado pela Justiça. Apesar de não ter participado diretamente do
atentado, o jovem é considerado seu mentor intelectual. Atualmente, está em
liberdade.
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