A Revolução Francesa
causou (e ainda causa) assombro em todo o mundo, e por diferentes motivos. O morticínio provocado pelos revolucionários deixou atrás de si um
rastro de sangue inocente, e foi um divisor de águas na história do homem
sobre a terra. Mais do que uma característica inerente aos processos
revolucionários que se seguiram, o extermínio do inimigo e a destruição de tudo
o que ele representa é um traço essencial da mentalidade revolucionária. De fato, a principal força motriz de todo
revolucionário tem um nome: ódio – puro,
cristalino, manifestado sobretudo no terror.
Uma análise objetiva dos fatos que se deram durante todos os
processos revolucionários bastaria para revelar isso – desde
a guilhotina dos jacobinos, passando pelos gulags soviéticos e campos de
concentração nazistas, até os
campos de trabalho e reeducação de Cuba, China e Coréia do Norte. Apesar de
hoje a mentalidade revolucionária não ser uma exclusividade marxista – há diferentes ideologias que compartilham
desse ódio, mesmo sem advogar uma revolução violenta –, ela foi
profundamente influenciada pelo marxismo. Para que não haja dúvida, deixemos
que os próprios revolucionários falem a esse respeito.
Maximilien de Robespierre, o mais
virulento dos líderes da Revolução Francesa (aliás,
profundamente admirado por Karl Marx), em seu discurso “Sobre os princípios da moral política”, de 5
de fevereiro de 1794, disse: O terror não é outra
coisa que a justiça expedita, severa, inflexível; é, pois, uma emancipação da
virtude. É muito menos um princípio contingente do que uma conseqüência do
princípio geral da democracia aplicada às necessidades mais urgentes da pátria.
Na mesma
linha, Karl Marx defendia com ardor o
ódio, plasmado através do terror, como princípio universal de atuação do
revolucionário: Há apenas um caminho pelo qual os
estertores agonizantes da velha sociedade e os sangrentos espasmos do
nascimento da nova sociedade podem ser encurtados, simplificados e
concentrados, e esse caminho é o terror
revolucionário. (Karl Marx, “A Vitória da Contra-Revolução
em Viena”. Neue Rheinische Zeitung,
7 nov. 1848)
Nós
não temos compaixão, e não lhes pedimos compaixão. Quando nossa hora chegar,
não haveremos de inventar desculpas para o terror. (Karl Marx, artigo da última edição do Neue Rheinische Zeitung, 18 maio 1849)
Vladimir Lênin, líder máximo da Revolução
Bolchevique de 1917, não hesitava em defender e aplicar o terror. Um exemplo claríssimo disso foi a maneira como lidou com uma
revolta de kulaks (proprietários
rurais de médio porte que empregavam mão-de-obra em suas fazendas) na
região de Penza Oblast em 1918. Ao
orientar os líderes comunistas da região – Vasily Kurayev, Yevgenia Bosch e Alexander Minkin – a como suprimir a revolta, em telegrama
datado de 11 de agosto de 1918, Lênin assim ordenou:
Camaradas!
A insurreição dos cinco distritos kulak deve ser impiedosamente
suprimida. Os interesses de toda a revolução dependem disso, pois ‘a última
batalha decisiva’ com os kulaks está acontecendo em toda parte. É
preciso dar exemplo.
- Enforquem (e se certifiquem que os enforcamentos aconteçam aos olhos de todos) não menos do que cem proprietários conhecidos, homens ricos, sanguessugas.
- Divulguem seus nomes.
- Confisquem toda sua produção.
- Façam reféns de acordo com o telegrama de ontem.
Façam-no de tal forma que, num raio de
centenas de quilômetros, o povo possa ver, tremer, saber, gritar: “eles estão
sufocando, e vão sufocar até a morte, esses kulaks sanguessugas”.
Seu, Lênin.
Encontrem pessoas realmente duras.
Esse mesmo ódio assassino,
manifestado pelo terror, é apaixonadamente defendido por Che Guevara – admirado até mesmo por grupos LGBT, a despeito de ter defendido que a
homossexualidade era uma doença da burguesia e ativamente perseguido gays. Em sua “Mensagem aos Povos do
Mundo Através da Tricontinental”, de 16 de abril de 1967, escreveu:
O
ódio como fator de luta: o ódio intransigente ao inimigo, que impulsiona mais
além das limitações naturais do ser humano e o converte numa efetiva, violenta,
seletiva e fria máquina de matar.
Mesmo a Nova Esquerda, que se apresenta de modo quase
sempre tão romântica e inocente ao recusar a violência do marxismo-leninismo, enxerga a importância e a necessidade do
ódio. Herbert Marcuse, um dos luminares da Escola
de Frankfurt, declarou-o sem receio ao palestrar na Universidade Livre
de Berlim Ocidental em julho de 1967: Não há dúvida
de que, no curso de movimentos revolucionários, emerge o ódio, sem o qual a
revolução é simplesmente impossível, sem o qual não há libertação. Nada é mais
terrível do que o sermão “não odiais o vosso inimigo”.
Paulo Freire, que usava a própria aparência – longa barba branca, jeito manso de falar,
linguajar hermético cheio de neologismos “poéticos”, a típica imagem de sábio
presente no inconsciente coletivo – como
arma de propaganda, defendia, em “Pedagogia do Oprimido”, que o ódio, manifestado na rebelião, era um
gesto de amor dotado de superioridade moral ímpar: Na verdade, porém, por paradoxal que possa parecer, na
resposta dos oprimidos à violência dos opressores é que vamos encontrar o gesto
de amor. Consciente ou inconscientemente, o ato de rebelião dos oprimidos, que
é sempre tão ou quase tão violento quanto a violência que os cria, este ato dos
oprimidos, sim, pode inaugurar o amor. […] Um ato que proíbe a restauração
deste regime [dos opressores] não pode
ser comparado com o que o cria e o mantém.
Todo revolucionário alega que
luta por um mundo melhor. Todo revolucionário atesta
que, por enfrentar um inimigo violento, é preciso utilizar táticas violentas,
ora de forma explícita, ora de forma sorrateira. E todo revolucionário acredita que a beleza de
suas bandeiras justifica a baixeza de suas ações. No entanto, é cristalino que, sob tudo isso, o que age
é o ódio – essa força poderosamente bestial que
perverte a alma humana e nos desumaniza à condição de monstros.