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quarta-feira, 30 de junho de 2021

É preciso derrubar os muros contra as liberdades

Queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989
Queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989 | Foto: Arquivo Wikimedia Commons 
 
Há alguns dias, um dos mais famosos discursos políticos da história completou mais um aniversário. 
Foi em 12 de junho de 1987 que Ronald Reagan, o 40º presidente norte-americano, proferiu as palavras que se tornaram imortais: “Mr. Gorbachev, tear down this wall!” (“Sr. Gorbachev, derrube este muro!”). O discurso do Muro de Berlim, como também é conhecido, é hoje um dos mais citados e estudados na ciência da política, não apenas pelas circunstâncias — um muro dividia a Alemanha em duas —, mas pela coragem de dizer o que precisava ser dito sem perder a diplomacia e a razão.

Um dos grandes males da atual geração, a mais rica em termos de acesso a informações, é não mergulhar na história e nos ensinamentos preciosos que ela deixa em páginas, imagens e relatos. Às vezes, tenho enorme vontade de sair por aí perguntando aos jovens, como um instituto de pesquisa, se eles sabem dizer como o Muro de Berlim caiu. Não ficaria surpresa se entre as respostas ouvíssemos “caiu de velho; como um celeiro antigo…”. Pela superficialidade das discussões políticas atuais, e pela perigosa falta de entendimento sobre como precisamos proteger nossas liberdades, a falta de conexão desta geração com o passado e seu legado é preocupante.

O Muro de Berlim foi erguido pela Alemanha Oriental comunista e pela União Soviética em 1961 para impedir que trabalhadores e intelectuais qualificados da Alemanha Oriental fugissem para Berlim Ocidental, um enclave urbano administrado pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França. Na década de 1980, o muro tornou-se símbolo da relação tensa entre o Oriente e o Ocidente durante a Guerra Fria, bem como um ícone da opressão soviética.

As décadas passam e a história não deixa apenas legados, mas rastros e pistas, como um mapa a ser redefinido a partir de similaridades e eventos conectados. Novos contextos são trazidos para a sociedade atual. Novas palavras, novos personagens e desafios. No entanto, os valores que perduram contra as armadilhas do mal ao longo de décadas não mudam. São eles que fazem com que homens e mulheres abandonem o conforto de seu lar para lutar em guerras e derrotar o mal — visto em várias formas.

Há uma guerra em curso. Num novo contexto, é verdade. Mesmo assim, é preciso sair do nosso conforto e enfrentar não apenas o inimigo invisível, mas os adversários de nossas liberdades. Muros e divisões estão sendo levantados. E o silêncio não pode ser uma opção. Há duas semanas, o Senado brasileiro aprovou o projeto de lei que institui o Certificado de Imunização e Segurança Sanitária — o “passaporte da vacina”. Na prática, o “documento” segregará cidadãos. O texto, elaborado pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), foi assustadoramente aprovado por unanimidade e segue agora para votação na Câmara dos Deputados. A ideia é que o comprovante seja utilizado como autorização para ingressar em instituições e eventos públicos, comércios, hotéis, parques, assim como para o uso de meios de transporte coletivos. O projeto também prevê a restrição e até a suspensão da circulação de pessoas em locais públicos e privados.

Juristas já se levantam contra a imposição e ressaltam, além do ponto principal que mexe com os direitos básicos do cidadão, outra questão importante: a de que as vacinas contra a covid-19 foram desenvolvidas em caráter emergencial e experimental;  
e que, por mais louvável que possa ser a intenção de querer frear a pandemia, não é possível equiparar esses imunizantes às demais vacinas obrigatórias no Brasil, que contam com anos de desenvolvimento e monitoramento (o que permite mensurar, entre outras coisas, eficácia, segurança, contraindicações e efeitos adversos).

Por que a pressa para passar o projeto?
Por mais que nosso Senado tenha errado de maneira grotesca na votação desse projeto, medidas legislativas que ferem seriamente as liberdades individuais não são exclusividade das ações irresponsáveis de nossos parlamentares. A União Europeia adotará algo semelhante a partir de julho. Nos Estados Unidos, contudo, sempre embasados nos pilares do federalismo, Estados começam a aprovar legislações locais para que nenhum passaporte sanitário entre em curso.

Governadores republicanos declararam guerra contra o novo muro invisível que burocratas e políticos aliados às Big Techs e Big Farmas querem impor aos cidadãos norte-americanos. Na contramão, algumas propostas dos governos estaduais democratas tentam implementar as chamadas “restrições civis”. A proibição de entrada em certos locais não seria apenas uma restrição física e inconstitucional, mas colocaria de maneira invisível no peito das pessoas a letra escarlate da “vergonha de não ter tomado a vacina”. O próximo passo provavelmente seria a pecha de genocida.

Alguns cientistas sérios como o dr. Luc Montagnier, vencedor do Nobel de Medicina pela descoberta do vírus da aids, o respeitado epidemiologista da Harvard, dr. Martin Kulldorff, e um dos inventores da tecnologia do RNA mensageiro, o dr. Robert Malone, vêm manifestando a preocupação de que os riscos dos imunizantes contra a covid-19 tenham sido subestimados. Eles são unânimes quanto à importância das vacinas, inclusive essa, para grupos que possam desenvolver os estágios mais graves da doença, como idosos, por exemplo. No entanto, advertem que os perigos de uma vacina contra a covid-19, ainda em caráter experimental, podem superar os benefícios para certas populações de baixo risco, como crianças, adultos jovens e aqueles que já tiveram a doença.

O muro não existia apenas para separar e segregar pessoas, mas para abafar ideias

Nesta semana, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) mudou sua diretriz para a imunização em crianças e adolescentes e atualizou o texto oficial para a NÃO RECOMENDAÇÃO do uso das vacinas contra covid-19 em menores de 18 anos. O CDC norte-americano, diante do alto número de casos de miocardite apresentados por jovens de até 22 anos, também se reuniu de maneira emergencial para tentar entender o que está acontecendo.

Há gigantesca pressão para que o assunto sobre essas vacinas seja categorizado como intocável. Espirais de silêncio são impostas e muros são erguidos contra aqueles que tentam como a boa ciência manda — questionar o que ainda não está estabelecido em pilares sólidos. O justo debate sobre as reações adversas tem sido empurrado de maneira sórdida para um quarto escuro. Por que a tentativa de silenciar até cientistas e médicos consagrados?

A segregação de quem ousou questionar está em curso. O próximo passo é a construção do muro invisível de quem não quer, pelo motivo que for, submeter-se às vacinas experimentais. Muito mais está em jogo, além do assunto imunizantes ou passaportes sanitários. Reagan, no histórico discurso, incitou uma abertura maior entre as pessoas de ambos os lados da Cortina de Ferro. O apelo do presidente norte-americano em 1987 ao líder soviético Mikhail Gorbachev para derrubar o Muro de Berlim é considerado um momento decisivo de sua Presidência. Mas, de acordo com o escritor e editor dos discursos de Reagan, Peter Robinson, as palavras que convidavam, de maneira incisiva, o líder soviético a interromper a segregação entre seres humanos quase não foram ditas.

A passagem com a frase lendária, “Sr. Gorbachev, derrube este muro!”, correu o risco de ser cortada depois que os conselheiros do Departamento de Estado e do Conselho de Segurança Nacional as consideraram provocativas. Um membro da equipe de Reagan classificou o trecho de pouco “presidencial”. Mas, depois da queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, o que fora tachado de audacioso tornou-se auspicioso.

O muro não existia apenas para separar e segregar pessoas, mas para abafar ideias, suprimir perguntas e engessar o pensamento. Para quem estava no lado Leste do muro, o lado frio do concreto e das marcas de bala no gélido cinza, apenas ordens. Do lado Oeste, no entanto, viam-se cores, grafitti e esperança. Esperança de quem sabia que um dia aquele maldito viria abaixo, não de velho, mas derrubado. Derrubado porque boas pessoas não parariam de fazer perguntas incômodas. Hoje, se não existem muros físicos para derrubar, há questionamentos e frases a ser ditos para impedir que eles sejam erguidos.

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste


quarta-feira, 15 de junho de 2016

Ódio, força motriz da mente revolucionária



A Revolução Francesa causou (e ainda causa) assombro em todo o mundo, e por diferentes motivos. O morticínio provocado pelos revolucionários deixou atrás de si um rastro de sangue inocente, e foi um divisor de águas na história do homem sobre a terra. Mais do que uma característica inerente aos processos revolucionários que se seguiram, o extermínio do inimigo e a destruição de tudo o que ele representa é um traço essencial da mentalidade revolucionária. De fato, a principal força motriz de todo revolucionário tem um nome: ódio – puro, cristalino, manifestado sobretudo no terror. 

 Uma análise objetiva dos fatos que se deram durante todos os processos revolucionários bastaria para revelar isso – desde a guilhotina dos jacobinos, passando pelos gulags soviéticos e campos de concentração nazistas, até os campos de trabalho e reeducação de Cuba, China e Coréia do Norte. Apesar de hoje a mentalidade revolucionária não ser uma exclusividade marxista – há diferentes ideologias que compartilham desse ódio, mesmo sem advogar uma revolução violenta –, ela foi profundamente influenciada pelo marxismo. Para que não haja dúvida, deixemos que os próprios revolucionários falem a esse respeito.

Maximilien de Robespierre, o mais virulento dos líderes da Revolução Francesa (aliás, profundamente admirado por Karl Marx), em seu discurso Sobre os princípios da moral política”, de 5 de fevereiro de 1794, disse: O terror não é outra coisa que a justiça expedita, severa, inflexível; é, pois, uma emancipação da virtude. É muito menos um princípio contingente do que uma conseqüência do princípio geral da democracia aplicada às necessidades mais urgentes da pátria.

Na mesma linha, Karl Marx defendia com ardor o ódio, plasmado através do terror, como princípio universal de atuação do revolucionário: Há apenas um caminho pelo qual os estertores agonizantes da velha sociedade e os sangrentos espasmos do nascimento da nova sociedade podem ser encurtados, simplificados e concentrados, e esse caminho é o terror revolucionário. (Karl Marx, “A Vitória da Contra-Revolução em Viena”. Neue Rheinische Zeitung, 7 nov. 1848)

Nós não temos compaixão, e não lhes pedimos compaixão. Quando nossa hora chegar, não haveremos de inventar desculpas para o terror. (Karl Marx, artigo da última edição do Neue Rheinische Zeitung, 18 maio 1849)

Vladimir Lênin, líder máximo da Revolução Bolchevique de 1917, não hesitava em defender e aplicar o terror. Um exemplo claríssimo disso foi a maneira como lidou com uma revolta de kulaks (proprietários rurais de médio porte que empregavam mão-de-obra em suas fazendas) na região de Penza Oblast em 1918. Ao orientar os líderes comunistas da região Vasily Kurayev, Yevgenia Bosch e Alexander Minkina como suprimir a revolta, em telegrama datado de 11 de agosto de 1918, Lênin assim ordenou:
Camaradas! A insurreição dos cinco distritos kulak deve ser impiedosamente suprimida. Os interesses de toda a revolução dependem disso, pois ‘a última batalha decisiva’ com os kulaks está acontecendo em toda parte. É preciso dar exemplo.
  1. Enforquem (e se certifiquem que os enforcamentos aconteçam aos olhos de todos) não menos do que cem proprietários conhecidos, homens ricos, sanguessugas.
  2. Divulguem seus nomes.
  3. Confisquem toda sua produção.
  4. Façam reféns de acordo com o telegrama de ontem.
Façam-no de tal forma que, num raio de centenas de quilômetros, o povo possa ver, tremer, saber, gritar: “eles estão sufocando, e vão sufocar até a morte, esses kulaks sanguessugas”.
         Seu, Lênin.
         Encontrem pessoas realmente duras.

Esse mesmo ódio assassino, manifestado pelo terror, é apaixonadamente defendido por Che Guevara admirado até mesmo por grupos LGBT, a despeito de ter defendido que a homossexualidade era uma doença da burguesia e ativamente perseguido gays. Em sua “Mensagem aos Povos do Mundo Através da Tricontinental”, de 16 de abril de 1967, escreveu:
O ódio como fator de luta: o ódio intransigente ao inimigo, que impulsiona mais além das limitações naturais do ser humano e o converte numa efetiva, violenta, seletiva e fria máquina de matar.

Mesmo a Nova Esquerda, que se apresenta de modo quase sempre tão romântica e inocente ao recusar a violência do marxismo-leninismo, enxerga a importância e a necessidade do ódio. Herbert Marcuse, um dos luminares da Escola de Frankfurt, declarou-o sem receio ao palestrar na Universidade Livre de Berlim Ocidental em julho de 1967: Não há dúvida de que, no curso de movimentos revolucionários, emerge o ódio, sem o qual a revolução é simplesmente impossível, sem o qual não há libertação. Nada é mais terrível do que o sermão “não odiais o vosso inimigo”.

Paulo Freire, que usava a própria aparência – longa barba branca, jeito manso de falar, linguajar hermético cheio de neologismos “poéticos”, a típica imagem de sábio presente no inconsciente coletivo – como arma de propaganda, defendia, em “Pedagogia do Oprimido”, que o ódio, manifestado na rebelião, era um gesto de amor dotado de superioridade moral ímpar: Na verdade, porém, por paradoxal que possa parecer, na resposta dos oprimidos à violência dos opressores é que vamos encontrar o gesto de amor. Consciente ou inconscientemente, o ato de rebelião dos oprimidos, que é sempre tão ou quase tão violento quanto a violência que os cria, este ato dos oprimidos, sim, pode inaugurar o amor. […] Um ato que proíbe a restauração deste regime [dos opressores] não pode ser comparado com o que o cria e o mantém.

Todo revolucionário alega que luta por um mundo melhor. Todo revolucionário atesta que, por enfrentar um inimigo violento, é preciso utilizar táticas violentas, ora de forma explícita, ora de forma sorrateira. E todo revolucionário acredita que a beleza de suas bandeiras justifica a baixeza de suas ações. No entanto, é cristalino que, sob tudo isso, o que age é o ódio – essa força poderosamente bestial que perverte a alma humana e nos desumaniza à condição de monstros.


Publicado no
Politburo.