Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Politburo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Politburo. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Marcha para a escuridão - J. R. Guzzo

Revista Oeste

O STF é hoje a maior ameaça para o cidadão livre — e um inimigo da pacificação, do direito de discordar e da ideia de que inimigos políticos têm, obrigatoriamente, de contar com a proteção da lei

Montagem com matéria do jornal O Globo | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução O Globo

O Supremo Tribunal Federal está se enfiando num buraco cada vez mais escuro. Não há mais dúvida, há muito tempo, de que a maioria dos ministros decidiu apostar tudo o que tem, a começar pela própria sobrevivência, na criação de um novo regime político para o Brasil. 
É algo nunca tentado antes.  
O STF decretou que existe um “Poder Moderador” no país, que vale mais que os dois outros juntos, e entregou esse poder a si mesmo — dentro da ideia geral de que o Supremo é hoje a única força capaz de governar o Brasil na direção correta. 
 
Deu-se o direito de não obedecer às leis em vigor — todas as vezes em que desrespeita uma, está dizendo que pode desrespeitar todas. 
Também anula leis aprovadas pelo Congresso Nacional, toma decisões opostas à vontade expressa dos parlamentares e legisla sobre assuntos que eles ainda não legislaram. 
Mais do que tudo, o STF transformou os seus integrantes em seres sobrenaturais que não podem ser tocados, mesmo “aparentemente”, como não se pode tocar no Santíssimo Sacrário da igreja. 
Consideram-se dispensados de respeitar as regras mais elementares de um estado de direito. 
É proibido, e perigoso, ter opiniões diferentes das suas. 
O STF, em suma, é hoje a maior ameaça para o cidadão brasileiro livre — e um inimigo da pacificação política, do direito de discordar e da ideia de que inimigos políticos têm, obrigatoriamente, de contar com a proteção da lei. A única dúvida, quanto a isso tudo, é a seguinte: ainda haveria como sair do buraco que o STF cavou para si próprio?

A discussão a respeito do que aconteceu com o ministro Alexandre no Aeroporto de Roma no último dia 15 de julho pode se tornar um marco nessa aventura do STF em território não mapeado na vida pública do Brasil. O incidente foi um miserável bate-boca de aeroporto.
 
 O STF, o governo Lula e a maior parte da mídia transformaram o episódio num “atentado ao estado de direito”. Não podia dar certo — e não deu. As imagens do sistema de câmeras do aeroporto não provam absolutamente nenhuma agressão física ao ministro. 
O caso, que nasceu morto, acaba agora de ser enterrado.                   Mas o STF recusou-se, pelo menos até o momento, a aceitar um cessar-fogo. Se não aconteceu nada, não seria melhor empurrar a teoria do “atentado” para debaixo do tapete, e esperar que essa história toda acabasse esquecida? 
 Não — a “corte suprema”, como diz Lula, decidiu dobrar a aposta e parece mais decidida do que nunca a vingar-se dos supostos agressores. 
O problema é que é impossível fazer isso sem cometer uma injustiça espetacular. 
 Embora o STF e Moraes nunca considerem que possa haver algum problema com nada do que façam, o fato é que o acusado terá de ser condenado sem nenhuma prova visível para o público — mesmo porque o ministro Dias Toffoli, que conduz o caso em parceria com o próprio Moraes, decretou que as imagens do aeroporto são sigilosas e não podem ser vistas nem pelos advogados do cidadão que querem condenar.

Dias Toffoli, ministro do STF | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

E daqui para a frente? É o buraco escuro mencionado no começo deste artigo.  
O STF, como tem feito em toda a sua atividade penal contra o que chama de “extrema direita”, se obriga a condenar sempre.  
Tira de si próprio qualquer outra opção, como o tribunal que Josef K. tem de enfrentar em O Processo e cuja marca principal era não absolver ninguém, nunca. 
No caso de Moraes, conseguiu se colocar numa posição onde quanto menos tem, mais quer — e onde nada que pretende está certo. O “atentado contra a democracia” (como está demonstrado no artigo anterior, de Silvio Navarro) não foi um atentado contra nada. 
O entrevero aconteceu num aeroporto estrangeiro. 
Os suspeitos não podem legalmente ser julgados pelo STF. 
Os acusadores não conseguiram, três meses e meio depois dos fatos, sequer abrir um processo — mas já colocaram o próprio Moraes como “assistente da acusação” do inquérito no qual ele figura como “vítima” e do qual vai ser juiz, para todos os efeitos práticos. 
É algo que simplesmente não existe na lei. 
 
A Polícia Federal tornou-se parte da causa, como aliada do ministro — e por aí se vai. O resultado é que o Tribunal se meteu, mais uma vez, numa situação em que vai ficar desmoralizado. 
A condenação do desafeto, pela evidência dos fatos, é absurda.
A absolvição, pela tábua de mandamentos que o STF impôs a si mesmo, é impossível.  
Realmente: como Alexandre de Moraes, e os outros membros do politburo que manda no Supremo, vão absolver alguém a esta altura do campeonato?  
A impressão é que está ficando tarde para regressar ao Planeta Terra. 
A cada vez que teve oportunidade de dar algum passo no rumo da saída, o STF fez o oposto; enfiou-se ainda mais na direção da treva. É para onde está indo, com o gás todo, no golpe de Estado da sala vip.

O cidadão é acionado na Justiça e não tem o direito de apelar da decisão, porque o juiz de primeira instância é também o juiz de última instância; o infeliz vai direto para o inferno. Perdeu, mané

Certamente, nessa alucinação toda, o governo, os escalões inferiores da elite e grande parte dos jornalistas fazem um esforço concentrado para manter de pé a ficção de que não está acontecendo nada de errado no Brasil. Fingir que a alucinação não existe, porém, não faz com que ela desapareça — nem que se torne racional. 
Desta vez, todos eles, mais o STF e Moraes, não só defendem a violação da lei para “salvar a democracia”
Estão querendo também romper relações com o princípio fundamental da lógica comum, vigente desde que foi exposto por Aristóteles 2,4 mil anos atrás: é impossível uma coisa ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo. A agressão é falsa, do ponto de vista penal, porque as imagens mostram que ela não aconteceu. 
Mas é verdadeira, também do ponto de vista penal, porque o agressor que não agrediu está sendo vítima de um inquérito muito real movido por Toffoli, Moraes e a PF. É uma aberração. 
É também o que está previsto no manual de procedimentos regulares em vigor no STF de hoje, como nos “protocolos” de hospital. 
 
O sujeito apresenta sintomas de má conduta em relação à democracia, ou mesmo de más intenções, apenas? Então está condenado.  
E se for acusado de “agressão aparente”, ou de “tapa aparente”, ou de “deslocamento aparente de óculos” em filho de ministro do STF? Também está condenado. Pode recorrer da sentença? Não pode. 
É uma situação desconhecida em qualquer democracia séria do mundo. 
O cidadão é acionado na Justiça e não tem o direito de apelar da decisão, porque o juiz de primeira instância é também o juiz de última instância; o infeliz vai direto para o inferno. Perdeu, mané.Alexandre de Moraes e, ao fundo, matéria feita pelo O Globo | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução O Globo/Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao insistir na ideia fixa de condenar o “golpista do Aeroporto de Roma”, sejam quais forem os fatos, o STF se afunda ainda mais no beco estreito no qual se enfiou desde que abriu, quatro anos atrás, o inquérito perpétuo e 100% ilegal contra “atos antidemocráticos”
Ou melhor: no beco em que escolheu se perder, ou do qual talvez não possa mais achar o caminho de volta. Foi o que aconteceu com o ex-deputado federal Daniel Silveira, que foi condenado em abril de 2022 a oito anos e nove meses de prisão fechada por ter ofendido ministros do STF num vídeo de internet. Trata-se de uma escalada serial de violações da lei, uma pior que a outra. Silveira não podia ser processado porque tinha imunidades parlamentares, na condição de deputado eleito, e a Constituição lhe garante o direito de se expressar livremente sobre quaisquer assuntos. 
Se tivesse cometido algum delito, a Câmara teria de abrir o processo. 
Se a Câmara tivesse aberto, os únicos delitos possíveis seriam o de injúria ou de ameaça. O primeiro é punido com detenção de um a seis meses ou multa; e o segundo, com reclusão de seis meses a dois anos. 
Se houvesse condenação, teria de ser por esses dois crimes, e não por “ameaça ao estado democrático de direito”, como foi decidido. 
Enfim, tendo havido condenação, a lei determina que ele deveria estar solto há mais de um mês, porque já cumpriu 16% da pena. 
É a mesma coisa, piorada, com as condenações para os mais de 1,3 mil acusados de tomarem parte nos “atos antidemocráticos” do dia 8 de janeiro em Brasília. 
Estavam presentes num quebra-quebra. Estão sendo condenados a até 17 anos de prisão por cometerem “tentativa de golpe de Estado”.

Os réus não estão sendo punidos porque há provas de que participaram das ações de vandalismo contra os edifícios dos Três Poderes. Decidiu-se que é desnecessário estabelecer, individualmente, o que fizeram; basta o fato de estarem presentes no local, ou mesmo numa aglomeração a 8 quilômetros de distância, num quartel do Exército. 
Foram culpados de cometerem “crime multitudinário”, na linguagem do MP e do STF — se você está numa multidão, e a multidão pratica um delito, a culpa é sua. Os acusados são punidos duas vezes, somadas, por terem feito a mesma coisa: “golpe de Estado” e “abolição violenta do estado de direito”.
 
Não poderiam, pela lógica elementar, ser condenados por nada, pois não se pode condenar ninguém por praticar um “crime impossível”, como definiu o ministro Nunes Marques; ou seja, não havia nenhuma possibilidade real de darem um golpe, como não há possibilidade de se cometer um roubo na Lua. 
(O ministro Marques levou uma descompostura em público por votar pela condenação somente por dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, ou a dois anos e meio de prisão em regime aberto. Aparentemente, não tem o direito de votar como acha mais correto.) 
Até agora, enfim, não houve nenhuma absolvição para os acusados de golpe; se está no banco dos réus, é culpado. 
A única esperança, para uma parte dos processados, é assinar um documento do MP assumindo a culpa por crimes que o próprio MP, por escrito, diz que não pode provar.
 
É onde estamos
. 
Conto O Burrinho Pedrês, de João Guimarães Rosa | Foto: Reprodução

No conto O Burrinho Pedrês, uma das leituras fundamentais da obra de Guimarães Rosa, o humilde burrinho “Sete de Ouros” se transforma em herói; seu grande mérito era não entrar, nunca, em lugares de onde não pudesse mais sair. 
Do inquérito que pode durar para sempre à condenação de Daniel Silveira, dos óculos do filho do ministro às penas de 17 anos pelo tumulto do dia 8 de janeiro, o STF vai entrando, cada vez mais, num lugar do qual não pode sair. Os sinais, até agora, parecem indicar que a estratégia é ir ficando cada vez mais radical
 
O presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, acaba de dizer que as coisas são assim mesmo. 
O STF, segundo ele, tem de “desagradar”. 
A função do Tribunal não é desagradar ou agradar — embora agrade muita gente. Quem desagrada ou agrada, e tem de encarar as consequências, são os Poderes Executivo e Legislativo, os únicos eleitos pelo povo brasileiro.  
Ao STF cabe somente aplicar a Constituição — a Constituição, boa ou ruim, como ela é, e não como os ministros acham que deve ser, ou como pode ser melhorada por eles. 
No regime do STF, o governo não tem de ter o consentimento dos governados, como se entende há 350 anos que as coisas devem ser. Os ministros acham que estão fazendo filosofia política.
 Estão apenas sendo avalistas de ditadura, como os juristas que endossaram a legalidade do golpe militar de 1964.
 
 


sábado, 2 de julho de 2022

Eles não querem cumprir a lei - Revista Oeste

Luís Roberto Barroso | Foto: SCO/STF
Luís Roberto Barroso | Foto: SCO/STF

Será que o STF não tem mais nenhum processo a resolver — e está sobrando tempo para os ministros viajarem pelo mundo afora? 
Prepare-se para continuar com as suas dúvidas, porque ninguém vai responder pergunta nenhuma e é melhor não insistir, para não ser indiciado criminalmente por “ataques” à suprema corte, “atos antidemocráticos” e outros horrores.[com risco de ser lançado na vala comum do 'inquérito do fim do mundo']
 
O curioso, nas palestras de Barroso no exterior, é que ele não fica em temas ligados à ciência do Direito vira e mexe o ministro se lança a comentários esquisitos sobre a política interna do Brasil.  
Ele já disse, nos Estados Unidos, que o presidente Jair Bolsonaro é o “inimigo”, e que uma de suas missões é “empurrar a história para a frente”. Em outra ocasião, também lá, participou de um seminário cujo tema era “como se livrar de um presidente” e já chamou o regime hoje vigente no Brasil dedictatorship”. 
 
Agora, num discurso que fez em sua própria homenagem em Londres, discorreu sobre os feitos extraordinários que teria realizado durante a pandemia; um deles, segundo disse, foi vencer “o abominável retrocesso” do voto impresso com “contagem manual”. Como assim? Nunca houve nenhum projeto de lei, ato do governo ou qualquer coisa parecida propondo o voto impresso no Brasil, e muito menos a apuração manual. 
Pode ser, até, que tenham falado nisso no debate sobre o sistema eleitoral, mas ficou-se por aí, na conversa. 
O que houve foi um movimento em favor do recibo impresso para o voto eletrônico — o que é claramente outra coisa. Alguns dos presentes chegaram a protestar. Ficou por isso mesmo.

Não há notícia de que juízes da Suprema Corte americana, o modelo universal de excelência quando se fala em fornecer justiça de alta qualidade, venham ao Brasil discutir questões políticas internas dos Estados Unidos. 
Também não fazem esse tipo de coisa os magistrados de primeira grandeza da França, Itália, Alemanha e outras democracias que se respeitam. 
O Brasil já foi assim um dia — mas hoje é outra coisa. 
Por decisão da maioria dos ministros do STF, tomada pouco a pouco ao longo do tempo, não existe mais no Brasil uma corte suprema de justiça. Em seu lugar, em vez de um tribunal dedicado a decidir sobre questões que envolvam a aplicação correta da Constituição, há um Comitê Central, ou uma espécie de Politburo, de militantes políticos que fazem exatamente o contrário do seu dever: desrespeitam abertamente as normas constitucionais para governar o Brasil através de despachos. Ficou assim porque os ministros deram a si próprios o direito e o dever de construir um país e uma sociedade que resultem não da vontade da maioria, expressa nas eleições para o Congresso Nacional e o Poder Executivo, mas num modelo de virtudes que têm dentro das suas próprias cabeças.

A maioria erra, acham os ministros. Elegem governos que o STF considera direitistas, populistas, autoritários e conservadores nas questões ligadas a Deus, pátria, família e costumes em geral algo intolerável para o seu entendimento do mundo e da vida. 
Estão convencidos de que é sua obrigação corrigir isso, mesmo porque, em seu credo, há eleições e eleições: quando perdem, não é porque o adversário teve mais votos, mas porque “usou” as eleições para subir ao governo e, uma vez ali, agir contra a democracia. É o que eles acham que aconteceu com o Brasil em 2018. É o que não querem que aconteça de novo em 2022.

O problema para esta doutrina é simples e insolúvel: não existe em nenhuma lei brasileira, e nem nos artigos 101, 102 e 103 da Constituição Federal, onde são descritas, uma a uma, as 21 tarefas que o STF está autorizado e obrigado a executar, o mais remoto vestígio de permissão para que os ministros façam o que estão fazendo.     Não é permitido a eles, ali, o exercício de nenhuma outra função pública que não seja a de magistrado não se prevê que governem nada, nem que abram inquéritos criminais para apurar “notícias falsas” ou “atos antidemocráticos” e nem que sejam “empurradores” da história.  

Não estão autorizados a criar crimes que não existem no Código Penal, como a “homofobia”, nem a proibir a polícia de subir nos morros do Rio de Janeiro e nem a manter na cadeia por nove meses, e depois condenar a quase nove anos de prisão, um deputado federal no pleno exercício de seu mandato, que não cometeu crime inafiançável e nem foi preso em flagrante. 
Não podem criar a figura jurídica do “flagrante perpétuo”. 
Não têm licença legal para salvar “a democracia”.

Os ministros do STF vêm fazendo há pelo menos três anos e meio tudo o que lhes dá na telha e ninguém age contra isso

Os ministros do STF sabem ler a Constituição tão bem quanto qualquer brasileiro alfabetizado.  
Se não cumprem o que está escrito ali, é porque não querem cumprir e não querem cumprir porque vêm fazendo há pelo menos três anos e meio tudo o que lhes dá na telha e ninguém age contra isso, a começar pelo Congresso Nacional
Ao contrário: embora tenham um índice de aprovação popular de 24%, algo francamente miserável, são apoiados com paixão pela esquerda, as elites, os empresários socialistas, os empreiteiros de obras públicas, os criminalistas que defendem corruptos, a mídia, as classes culturais, o movimento LGBT+ e por aí afora. É quem tem voz; é quem aparece. 
 
Todos têm mais ou menos a mesma visão do STF sobre o Brasil ideal. 
São a favor do aborto; do princípio segundo o qual o criminoso deve ser, acima de tudo, protegido pela lei, e que o policial é o inimigo da sociedade; da pregação nas escolas da noção de que todes são do mesmo sexo até se tornarem adultes, e que menines e menines não se diferenciam por gênero; da crença em que o agronegócio brasileiro destrói a natureza, envenena os alimentos com “agrotóxicos” e mata os índios;  
do controle sobre a liberdade de expressão nas redes sociais; 
das prisões políticas de militantes da direita e por aí se vai, na direção geral que todo mundo sabe.
 
O que a maioria dos ministros faz nesse momento é desrespeitar a Constituição. 
Têm um candidato aberto ao cargo de presidente da República. Perseguem os adversários políticos. 
Eliminam direitos individuais e liberdades públicas. 
Impedem o trabalho de advogados na defesa dos clientes que foram indiciados em seus inquéritos policiais. 
Dão ordens ao Congresso. 
Bloqueiam a ação do Poder Executivo sempre que podem, e interferem o tempo todo em suas decisões administrativas. 
São os únicos cidadãos brasileiros que não prestam contas a ninguém. 
Estão governando o Brasil num regime de exceção.

Leia também “Um projeto para destruir o Brasil”

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste

 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

O ataque - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

A baderna no Capitólio é mais um sintoma da crise da democracia do que a causa de novos problemas

Em 1812, os Estados Unidos enfrentaram a maior potência naval do mundo, a Grã-Bretanha, em um conflito que teria um impacto enorme no futuro do jovem país. As causas da guerra incluíram tentativas britânicas de restringir o comércio dos EUA e o desejo da América de expandir seu território. Ao longo do confronto considerado “a 2ª Guerra de Independência”, os Estados Unidos sofreram muitas derrotas nas mãos de tropas britânicas, potência naval e nativas americanas, e, em agosto de 1814, os norte-americanos viram a captura e o incêndio da capital do país, Washington, DC. O prédio do Capitólio, um dos mais importantes do governo, ardeu em chamas por horas e só não virou cinzas devido a uma forte tempestade.

Nesta semana, o Capitólio, que deveria ser um dos lugares mais seguros do mundo, já que guarda as alas da legislatura bicameral norte-americana — a Câmara dos Representantes, na ala sul, e o Senado, na ala norte —, foi novamente invadido. O ataque, não perpetrado por tropas inimigas, foi executado por cidadãos comuns. O acontecimento revela mais um sintoma da crescente insatisfação de partes do tecido social norte-americano, esticado e maltratado, e que vem sobrevivendo a drásticos remendos ao longo dos últimos anos.

Não apenas a violência de alguns e o ataque ao Capitólio marcaram o último dia 6 de janeiro na capital. No dia em que a Constituição manda o Congresso abrir os votos do Colégio Eleitoral para certificar os resultados da eleição presidencial, centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de Washington, pacificamente, para mostrar apoio ao presidente Donald Trump em face das muitas alegações e indícios de fraude na última eleição. Com discursos, palavras de ordem e milhares de cartazes espalhados em um mar de gente, a direita americana mostrou que a confiança no atual sistema político — e em algumas instituições e seus agentes — está também esgarçada, e pobremente remendada.

Ainda não se sabe se houve infiltração no movimento que invadiu o Capitólio de membros de grupos terroristas domésticos, como Antifa e Black Lives Matter, mas, mesmo se isso for confirmado pelas autoridades policiais que investigam essa possibilidade, o fato é que o Congresso foi, também, tomado por apoiadores do presidente Donald Trump.

Qualquer tipo de violência, independentemente do lado do espectro político do qual se origine, deve sempre ser condenado — e sempre será, pelo menos aqui na Revista Oeste. Podemos discutir as muitas perguntas sem respostas desta última eleição presidencial norte-americana, os gravíssimos indícios de fraude, a descarada e absurda censura das Big Techs a vozes antagônicas ao globalismo e aos tecnocratas, e até as obscuras relações da família Biden com a China. Mas invadir um dos símbolos da liberdade plena no Ocidente é uma ação antidemocrática que jamais pode ser tolerada.

O ataque ao Capitólio foi grave, mas mostra apenas o sintoma de um Estado que alimenta pontos de ebulição em uma sociedade totalmente dividida e compartimentada, com setores extremos que retroalimentam o ódio pelo debate justo. Isso seria um reflexo dos governantes, ou eles são o reflexo da atual sociedade? Nesse cenário, há vários players e agentes de condução desses pontos, com ações e estratégias beligerantes que aram o solo para um novo modelo de guerra civil. Mas há um agente, disfarçado muitas vezes de pacificador, paladino dos fatos e mensageiro intelectual do que podemos ou não consumir, dizer e pensar, que está entre os maiores pecadores e agitadores da atual desorientação social, alimentando as batalhas sangrentas virtuais: a mídia.

Desde 2016, milhões de norte-americanos são chamados de deploráveis, fascistas, nazistas, racistas e de toda uma lista de adjetivos impublicáveis. E, aqui, reafirmo que nada disso é motivo ou justificativa para iniciar qualquer ação violenta. O exercício é para que possamos tentar ir além de eventos isolados, de modo a poder enxergar os perigos de todos os lados e propor soluções.

Desde 2016, esse grande agente no cenário político, a imprensa, deixou de lado o papel investigativo e factual e passou a apenas opinar e militar. Nessa militância, além do uso grotesco de qualificativos para descrever cada movimento político que desaprova, os “arautos” do pensamento público não hesitam em insultar a razão, a História e em desconsiderar as reais vítimas de regimes nefastos como o nazismo e o fascismo. A responsabilidade de apontar erros em ambos os lados se transformou no gritante duplo padrão de hipocrisia. Enquanto nada foi dito, publicado ou condenado durante as várias semanas em que bairros inteiros eram queimados em muitas cidades norte-americanas em 2020, o mesmo silêncio foi quebrado nos últimos dias para o total — e com razão — repúdio à violência dentro do Capitólio.

“Mostre-me onde se diz que manifestantes devem ser educados e pacíficos”

Não é preciso uma detalhada pesquisa para ilustrar o duplo padrão de cobertura. Durante os protestos que começaram em junho passado, o âncora da rede CNN Chris Cuomo, em uma transmissão que mostrava atos de violência de membros do BLM e Antifa, em que estabelecimentos comerciais ardiam em chamas e prédios federais eram cercados, disse: “Por favor, mostre-me onde se diz que manifestantes devem ser educados e pacíficos. Posso mostrar a vocês que cidadãos indignados fizeram da América o que ela é e que a levaram a marcos importantes”.

Na mesma época, Kamala Harris, agora a vice-presidente que será empossada no dia 20 de janeiro, bradou em uma entrevista, quase em tom ameaçador, contra uma possível vitória de Donald Trump: “Eles [os movimentos Black Lives Matter e Antifa] não vão parar antes da eleição e não vão parar depois. Todos devem anotar isso. Eles não vão parar e eles não devem parar”. Harris, ao longo das semanas de protestos, fez várias campanhas de arrecadação de dinheiro para tirar da cadeia, com o pagamento de fiança, os vândalos e agitadores violentos presos pela polícia. Biden e outros democratas importantes ficaram em silêncio.

Durante quatro anos, Donald Trump foi, dia sim e outro também, pintado como o novo Hitler do século, que exterminaria a democracia. Milhões de norte-americanos compraram o retrato do “novo demônio“. 
E quem não ajudaria a fraudar uma eleição para derrubar Hitler? ]
Quem não mentiria ou distorceria fatos para acabar com Hitler? 
Mesmo com a administração dando seguidos exemplos na outra direção, com acordos de paz sendo assinados, esforços despendidos para os EUA não entrarem em outra guerra e medidas que possibilitaram o avanço da economia, a narrativa do risco do fascismo prosseguia entre os jacobinos da mídia. “Vejam, estamos diante de mais uma ameaça fascista à República norte-americana. E, claro, com o Hitler do momento liderando um golpe de Estado” foi a leitura que se viu da invasão do Capitólio. Mais uma vez a guilhotina jornalística entrou em ação e, mais uma vez, o desvirtuamento do real cenário social foi empurrado para debaixo do tapete.

Um ataque a um dos símbolos mais importantes do sistema político norte-americano deve ser visto como uma afronta à democracia. Infelizmente, uma apoiadora de Trump foi baleada dentro do Capitólio e faleceu fato ignorado pelas redações militantes —, mas o que se seguiu às horas de tensão não foi apenas um ataque à democracia, mas aos pilares importantíssimos do Ocidente. Como um Politburo, num movimento uníssono, as plataformas digitais resolveram bloquear e derrubar todas as contas do presidente dos Estados Unidos, num bizarro movimento orquestrado que deveria arrepiar os cabelos de qualquer pessoa que more do lado de cá das fronteiras comunistas.

Não basta pintá-lo como o novo Hitler ou Nero que incendiará a América, o populismo de Donald Trump e sua conexão com a classe trabalhadora norte-americana precisavam ser eliminados. Tenho uma lista de críticas a Donald Trump e posso, ao mesmo tempo, enaltecer as conquistas de seu governo, mas este artigo não é para fazer uma defesa de sua administração. É necessário colocarmos as paixões políticas de lado e entendermos o que, de verdade, está na guilhotina dos novos jacobinos. E não é a cabeça ou a voz de Donald Trump. É a minha, a sua, e a de qualquer pessoa que desafie a supremacia cultural e política da mídia, com cada vez mais poder de distorcer a realidade. Como se os violentos protestos do BLM fossem apenas manifestações pacíficas e o populismo do presidente norte-americano, o novo fascismo.

Na quinta-feira, o diretor político da ABC News, com sede em Washington, foi ao Twitter e disse que “era preciso limpar o movimento que Trump comanda”. Rick Klein escreveu: “Trump será um ex-presidente em 13 dias. O fato é que livrar-se de Trump é a parte fácil. Limpar o movimento que ele comanda vai ser outra coisa”. Entenderam? Esse, na verdade, deveria ser o alarme do final de uma das administrações mais polêmicas da História. O sinal, já vermelho, de que o caminho a ser trilhado agora será calar as vozes irritantes — com Trump ou sem Trump —, aquelas que resolverem discordar dos tecnocratas.

Uma das lições que vamos colhendo ao longo de um caminho político que tem sido impiedoso nos mostra que a situação já atingiu um ponto nevrálgico de polarização quase sem cura. Pela primeira vez depois da guerra de 1812, o Capitólio, símbolo da política e da lei na maior nação do mundo, sofreu uma invasão bárbara, assim como a sagradíssima Primeira Emenda Americana que ilumina o Ocidente com o farol da liberdade de expressão, de imprensa, de religião, de protestar pacificamente.

Não importa se eu e você acreditamos que houve ou não fraude nas últimas eleições presidenciais norte-americanas — metade do país, que ouviu durante quatro anos que é deplorável, acredita. Esse é um lugar perigoso para estar. Portanto, talvez em vez de tentar demonizar mais da metade do país de dentro de uma torre de marfim ou atrás de um teclado de redação ou câmera de TV, pleitear alguma transparência ou reforma não seria nada perto do fascismo que querem pintar. Poderia ser a tão esperada vacina em tempos de pandemia intelectual.

Não estou interessada em justificar o que aconteceu no Capitólio. Esse tipo de comportamento é abjeto e deverá sempre ser repudiado. No entanto, além de se tratar de responsabilidade, crucial em uma nação fundamentada na lei e na ordem, é ainda mais urgente enfrentar a realidade em todo o seu contexto. Porque, se houver alguma chance de fazer uma mudança, de nos afastarmos da beira do precipício, temos de começar entendendo onde estamos e como chegamos aqui.

Leia também o artigo de Rodrigo Constantino nesta edição, “A nova luta de classes e a elite tecnocrática”

Revista Oeste - Ana Paula Henkel, colunista  - 8 janeiro 2021

 

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Ódio, força motriz da mente revolucionária



A Revolução Francesa causou (e ainda causa) assombro em todo o mundo, e por diferentes motivos. O morticínio provocado pelos revolucionários deixou atrás de si um rastro de sangue inocente, e foi um divisor de águas na história do homem sobre a terra. Mais do que uma característica inerente aos processos revolucionários que se seguiram, o extermínio do inimigo e a destruição de tudo o que ele representa é um traço essencial da mentalidade revolucionária. De fato, a principal força motriz de todo revolucionário tem um nome: ódio – puro, cristalino, manifestado sobretudo no terror. 

 Uma análise objetiva dos fatos que se deram durante todos os processos revolucionários bastaria para revelar isso – desde a guilhotina dos jacobinos, passando pelos gulags soviéticos e campos de concentração nazistas, até os campos de trabalho e reeducação de Cuba, China e Coréia do Norte. Apesar de hoje a mentalidade revolucionária não ser uma exclusividade marxista – há diferentes ideologias que compartilham desse ódio, mesmo sem advogar uma revolução violenta –, ela foi profundamente influenciada pelo marxismo. Para que não haja dúvida, deixemos que os próprios revolucionários falem a esse respeito.

Maximilien de Robespierre, o mais virulento dos líderes da Revolução Francesa (aliás, profundamente admirado por Karl Marx), em seu discurso Sobre os princípios da moral política”, de 5 de fevereiro de 1794, disse: O terror não é outra coisa que a justiça expedita, severa, inflexível; é, pois, uma emancipação da virtude. É muito menos um princípio contingente do que uma conseqüência do princípio geral da democracia aplicada às necessidades mais urgentes da pátria.

Na mesma linha, Karl Marx defendia com ardor o ódio, plasmado através do terror, como princípio universal de atuação do revolucionário: Há apenas um caminho pelo qual os estertores agonizantes da velha sociedade e os sangrentos espasmos do nascimento da nova sociedade podem ser encurtados, simplificados e concentrados, e esse caminho é o terror revolucionário. (Karl Marx, “A Vitória da Contra-Revolução em Viena”. Neue Rheinische Zeitung, 7 nov. 1848)

Nós não temos compaixão, e não lhes pedimos compaixão. Quando nossa hora chegar, não haveremos de inventar desculpas para o terror. (Karl Marx, artigo da última edição do Neue Rheinische Zeitung, 18 maio 1849)

Vladimir Lênin, líder máximo da Revolução Bolchevique de 1917, não hesitava em defender e aplicar o terror. Um exemplo claríssimo disso foi a maneira como lidou com uma revolta de kulaks (proprietários rurais de médio porte que empregavam mão-de-obra em suas fazendas) na região de Penza Oblast em 1918. Ao orientar os líderes comunistas da região Vasily Kurayev, Yevgenia Bosch e Alexander Minkina como suprimir a revolta, em telegrama datado de 11 de agosto de 1918, Lênin assim ordenou:
Camaradas! A insurreição dos cinco distritos kulak deve ser impiedosamente suprimida. Os interesses de toda a revolução dependem disso, pois ‘a última batalha decisiva’ com os kulaks está acontecendo em toda parte. É preciso dar exemplo.
  1. Enforquem (e se certifiquem que os enforcamentos aconteçam aos olhos de todos) não menos do que cem proprietários conhecidos, homens ricos, sanguessugas.
  2. Divulguem seus nomes.
  3. Confisquem toda sua produção.
  4. Façam reféns de acordo com o telegrama de ontem.
Façam-no de tal forma que, num raio de centenas de quilômetros, o povo possa ver, tremer, saber, gritar: “eles estão sufocando, e vão sufocar até a morte, esses kulaks sanguessugas”.
         Seu, Lênin.
         Encontrem pessoas realmente duras.

Esse mesmo ódio assassino, manifestado pelo terror, é apaixonadamente defendido por Che Guevara admirado até mesmo por grupos LGBT, a despeito de ter defendido que a homossexualidade era uma doença da burguesia e ativamente perseguido gays. Em sua “Mensagem aos Povos do Mundo Através da Tricontinental”, de 16 de abril de 1967, escreveu:
O ódio como fator de luta: o ódio intransigente ao inimigo, que impulsiona mais além das limitações naturais do ser humano e o converte numa efetiva, violenta, seletiva e fria máquina de matar.

Mesmo a Nova Esquerda, que se apresenta de modo quase sempre tão romântica e inocente ao recusar a violência do marxismo-leninismo, enxerga a importância e a necessidade do ódio. Herbert Marcuse, um dos luminares da Escola de Frankfurt, declarou-o sem receio ao palestrar na Universidade Livre de Berlim Ocidental em julho de 1967: Não há dúvida de que, no curso de movimentos revolucionários, emerge o ódio, sem o qual a revolução é simplesmente impossível, sem o qual não há libertação. Nada é mais terrível do que o sermão “não odiais o vosso inimigo”.

Paulo Freire, que usava a própria aparência – longa barba branca, jeito manso de falar, linguajar hermético cheio de neologismos “poéticos”, a típica imagem de sábio presente no inconsciente coletivo – como arma de propaganda, defendia, em “Pedagogia do Oprimido”, que o ódio, manifestado na rebelião, era um gesto de amor dotado de superioridade moral ímpar: Na verdade, porém, por paradoxal que possa parecer, na resposta dos oprimidos à violência dos opressores é que vamos encontrar o gesto de amor. Consciente ou inconscientemente, o ato de rebelião dos oprimidos, que é sempre tão ou quase tão violento quanto a violência que os cria, este ato dos oprimidos, sim, pode inaugurar o amor. […] Um ato que proíbe a restauração deste regime [dos opressores] não pode ser comparado com o que o cria e o mantém.

Todo revolucionário alega que luta por um mundo melhor. Todo revolucionário atesta que, por enfrentar um inimigo violento, é preciso utilizar táticas violentas, ora de forma explícita, ora de forma sorrateira. E todo revolucionário acredita que a beleza de suas bandeiras justifica a baixeza de suas ações. No entanto, é cristalino que, sob tudo isso, o que age é o ódio – essa força poderosamente bestial que perverte a alma humana e nos desumaniza à condição de monstros.


Publicado no
Politburo.