J. R. Guzzo
Ministério da Justiça agora diz houve trâmite internacional entre autoridades dos dois países, desconstruindo tese que embasou despacho do ministro do STF
A anulação das provas sobre os atos de corrupção praticados pela construtora Odebrecht, um manifesto político que
jamais seria reconhecido como peça de valor jurídico em qualquer
democracia séria do mundo, é uma dessas histórias que começam da pior
forma possível – e conseguem se tornar piores ainda à medida em que
passa o tempo.
Como podem ser consideradas “imprestáveis” as
provas contra um réu que confessou, com a plena assistência de seus
advogados, ter praticado os crimes dos quais era acusado?
Mais: ele
também delatou por livre e espontânea vontade outros criminosos e os
seus crimes, em acordo assinado com o Ministério Público
dentro de todas as exigências da lei.
Abriu os computadores que
contabilizavam os pagamentos feitos pelo seu departamento de propinas;
sim, a empresa tinha um departamento só para cuidar desses assuntos.
Por
fim, devolveu R$ 2,7 bilhões de dinheiro roubado – e quem aceita
devolver essa montanha de dinheiro se não fez nada de errado?
Toffoli
diz que essas provas foram obtidas de forma ilegal, para servir à uma
conspiração feita pela justiça brasileira com o objetivo de impedir que o
presidente Lula pudesse
voltar ao governo em 2018.
O ministro não cita nenhum fato concreto
capaz de dar um mínimo de coerência à acusação que faz.
Se houve um
pré-golpe de Estado na vara criminal de Curitiba que julgou Lula e a
Odebrecht, como se explica, então, que a empresa e uma subsidiária
tenham aceitado pagar 3,5 bilhões de dólares de multa nos Estados
Unidos, após confessarem ter utilizado 780 milhões de dólares para
subornar governos de doze países diferentes?
A justiça americana teria
também participado da conspiração do ministro Toffoli? É igualmente um
mistério que a Odebrecht, ao longo de todos os últimos anos, nunca tenha
reclamado de nada disso.
Acaba
de cair, agora, mais uma porção inteira da casa.
Toffoli disse em seu
despacho que um dos motivos principais para a anulação das provas foi a
inexistência de um documento legal, originário na Suíça e entregue às
autoridades brasileiras, que permitia acesso aos computadores do serviço
de propinas da Odebrecht.
O problema, aparentemente insolúvel, é que
esse documento existe.
O Ministério da Justiça, acionado por Toffoli
antes da sua decisão, tinha informado a ele que não existia; mas o mesmo
ministério, que segundo o ministro Flavio Dino
trabalha pela “causa” de Lula, está dizendo agora que existe.
Segundo o
departamento encarregado de tratar do caso, o documento suíço foi
“encontrado”, com uma nova pesquisa em seus arquivos digitais.
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O
despacho de Toffoli, que declarou a condenação de Lula “um dos maiores
erros judiciários” da história do Brasil, transformou-se numa criatura
do dr. Frankenstein.
Era, desde o começo, uma aberração. Para começar, o
pedido de anulação das provas contra a Odebrecht está numa ação movida
por Lula através de uma advogada que é mulher do ministro Cristiano Zanin,
recém-nomeado para o STF pelo próprio presidente – e seu advogado
pessoal nos processos em que foi condenado pelos crimes de corrupção e
de lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes.
A partir daí, o monstro foi subindo de patamar.
Sabe-se lá de que jeito
vai estar mais adiante – mas e daí? Esse tipo de coisa, hoje em dia, é a
menor preocupação do STF.
J. R. Guzzo, colunista, - O Estado de S. Paulo