Ontem à noite (21/04), após muito tempo, assisti à Globo durante alguns minutos. Queria saber o que era dito sobre a concessão de graça ao condenado Daniel Silveira. Foi como se o controle remoto da TV me levasse a um universo paralelo, que tanto poderia ser o kafkiano despertar do cidadão Josef K., quanto o pesadelo orwelliano narrado no livro 1984. Ali, nada era como de fato é. Essa sensação só passou quando me dei conta de ser disso mesmo que se tratava. Os ministros do STF são habitantes do mesmo universo. Convivem com aqueles que se creem detentores de todo o poder e a todos mais reduzem a proporções nanométricas.
Mencionarei apenas quatro exemplos dentre tantos. Lá onde vivem, um vídeo na nuvem do YouTube dá motivo para prisão em flagrante, por ordem judicial, em horário noturno;
o preceito constitucional que assegura a inviolabilidade dos congressistas por quaisquer opiniões palavras e votos está submetido à “opinião” dos ministros do STF sobre cada congressista e sobre suas respectivas opiniões e palavras;
um mesmo vídeo pode encerrar uma sequência de crimes continuados e as penas somadas até exceder 8 anos (o bastante para que o 1/6 da pena seja cumprido em regime fechado);
a vítima
da injúria pode relatar o processo e julgar quem o ofendeu; o ministro
Alexandre cometeu o ato falho de, em seu voto, colocar-se pessoalmente
como objeto da agressão.[ato que tirou do supremo ministro a condição de julgador e o tornou um vingador.]
Creem que aqui, no universo dos fatos e dos “súditos”, ninguém viu coisa alguma, ninguém percebeu a absurda desproporção entre as acusações e as penas, nem o odor amargo da vingança proporcionada pela bandeja que deveria bem servir à justiça, à democracia e ao Estado de Direito.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.