Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Ives Gandra da Silva Martins. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ives Gandra da Silva Martins. Mostrar todas as postagens

sábado, 17 de junho de 2023

Sete motivos para o Senado rejeitar Zanin - Deltan Dallagnol

Vozes - Gazeta do Povo

Justiça, política e fé

No dia 1º de junho de 2023, o presidente Lula oficializou a nomeação de Cristiano Zanin, seu amigo e advogado pessoal, para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal após a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski. 
Agora, cabe à Comissão de Constituição e Justiça do Senado sabatinar Zanin e aprovar ou rejeitar o seu nome na próxima quarta (21). Há pelo menos 7 motivos para o Senado rejeitar a nomeação de Zanin para o STF.
 
Primeiro: a nomeação de Zanin viola o art. 101 da Constituição Federal, que exige notável saber jurídico do candidato. 
 Pegando emprestadas as palavras do professor Ives Gandra da Silva Martins, um dos maiores constitucionalistas vivos do nosso país, "O notável é aquilo que está acima da média do conhecimento de todos, o que inclui saber acadêmico, livros publicados, reconhecimento nacional e internacional como jurista. (...) O reconhecimento acadêmico é ser mestre, doutor, livre docente ou professor titular, doutor honoris causa. O reconhecimento acadêmico é o que difere o advogado do jurista. O magistrado do jurista.”
 
Como ficou claro durante a leitura do relatório do senador Vital do Rêgo na data de ontem (15), Zanin pode ser um bom advogado, mas lhe falta o notável saber jurídico. O vídeo está disponível na internet para quem quiser assistir: o relator não consegue expor um título acadêmico de Zanin além daquele de Bacharel em Direito, porque não existe
 É o bastante para um advogado, mas não deveria ser - e quem o diz é a Constituição, não eu - para um ministro do Supremo.

Segundo: a nomeação de Zanin é estelionato eleitoral puro e simples. Durante a campanha, quando Lula e o PT ainda vendiam a falsa ideia de uma frente ampla pela democracia, Lula afirmou: “Estou convencido que mexer na Suprema Corte para colocar amigo, para colocar companheiro, para colocar partidário é um atraso, um retrocesso que a República brasileira já conhece muito bem. Eu sou contra”.

Não é a primeira promessa de campanha que Lula descumpre e nem será a última. Mas esta pode ser a promessa descumprida que terá as consequências mais graves para o futuro do Brasil, já que Zanin poderá ficar até 2050 no STF, quando completará 75 anos. É imoral prometer uma coisa, ambicionando votos, e fazer outra no momento seguinte. É dizer ao eleitor que o manipulou. É tratar o brasileiro como instrumento da sua ambição de poder, negando-lhe dignidade e respeito.

Terceiro: Se aprovado, Zanin substituirá Ricardo Lewandowski, considerado por Lula a nomeação mais acertada à Suprema Corte durante os governos petistas.  
Por qual motivo Lula julga ter acertado com a nomeação de Lewandowski? Segundo a imprensa, não foi pela capacidade técnica do ministro, seu conhecimento a respeito da lei e da Constituição ou por sua independência - todos atributos que se espera de um juiz -, mas pela fidelidade canina a Lula e ao PT, reiteradamente demonstrada em todos os seus anos no STF.

    O relator não consegue expor um título acadêmico de Zanin além daquele de Bacharel em Direito, porque não existe

Agora, Lula parece querer repetir a dose com Zanin e já se comenta que quer triplicá-la por meio da próxima nomeação para a vaga a ser aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber.  
Lula pretende converter uma Corte de juristas em uma Corte de lulistas.  
Há um evidente abuso, um desvio de finalidade, no critério da decisão.
 
Quando Dilma quis nomear o próprio Lula para a Casa Civil, o ministro Gilmar Mendes barrou a decisão por entender que configurava desvio de finalidade e violava a Constituição. 
Alexandre de Moraes fez o mesmo ao impedir que Bolsonaro nomeasse Alexandre Ramagem para a Diretoria da Polícia Federal. 
Por que agora, com Zanin, o entendimento é diferente?
 
Quarto: Há ainda outra quebra de confiança causada pela incongruência entre a escolha de Lula e suas pautas eleitorais e políticas
A indicação frustra até mesmo a expectativa de alas do próprio PT e de grande parte dos eleitores de Lula por indicações ao Supremo que contemplassem a diversidade e a inclusão. 
Esses setores torciam pela nomeação da primeira mulher negra para o Supremo, a exemplo do que fez o presidente americano Joe Biden ao nomear Ketanji Brown Jackson à Suprema Corte americana.

Não vai acontecer. O critério escolhido por Lula é um só: a fidelidade. Lula, segundo diversos jornalistas, não quer repetir os “erros” cometidos pelo PT na nomeação de outros ministros que “falharam” com o partido, especialmente durante os julgamentos do Mensalão e da Lava Jato. Assim, a opção lulista, para além de contradizer seu discurso expresso de campanha dirigido a todos os brasileiros, frustra aqueles que votaram nele em razão das políticas e valores que ele implementaria. Uma dupla traição.

Quinto: A nomeação de Zanin viola também o princípio constitucional da impessoalidade, previsto no art. 37 da Constituição Federal. 
Em seu pronunciamento público sobre a nomeação, Lula deixou claro que o fator preponderante para sacramentar Zanin como novo ministro do STF foi o fato de ele ter sido seu advogado durante a operação Lava Jato, o que, como se sabe, resultou na anulação das condenações do petista e na recuperação de seus direitos políticos.  
O absurdo salta mais aos olhos se levássemos esse critério ao extremo: e se Lula tivesse oportunidade de escolher os onze ministros e só indicasse quem tivesse sido seu advogado?

    Lula pretende converter uma Corte de juristas em uma Corte de lulistas

Vale recordar que, em 1954, Juscelino Kubitschek lançou sua candidatura presidencial sob o famoso lema “50 anos em 5”. 
Foi vitorioso, porém a oposição tentou anular a eleição. JK empregou, então, Sobral Pinto, um dos maiores juristas da história do Brasil, como seu advogado. Sobral Pinto defendeu a legitimidade da vitória de JK e ganhou o caso.
 
Já presidente, JK convidou Sobral Pinto para ser ministro do STF, mas o advogado recusou o convite, porque não queria deixar para a história a impressão de que defendeu JK por interesses pessoais, apenas para chegar ao Supremo. 
Não são relações pessoais que devem guiar essas escolhas, mas o que é melhor para o Brasil. 
Esse é o tipo de grandeza e de espírito público que se espera de um candidato a uma vaga na Suprema Corte.
 
Sexto: Ao nomear Zanin, Lula não viola apenas o princípio da impessoalidade, mas coloca interesses privados acima do interesse público.  
A nomeação de Zanin pode ser analisada olhando para o passado e para o futuro. 
Olhando para o passado, a nomeação está relacionada à gratidão de Lula a quem foi seu advogado e ajudou a garantir sua impunidade. Nesse sentido, é quase como se Zanin estivesse sendo “premiado” com um cargo no mais alto tribunal do país por serviços prestados à Lula, seu cliente mais famoso.
 
O olhar para o futuro revela o desejo irreprimível do presidente de ter alguém fiel a ele mesmo, com quem possa ter interlocução constante perante à Corte, alguém para quem possa “telefonar”, como afirmou a imprensa. 
Essa é mais uma prova de que Lula pretende dobrar o interesse público a seus interesses privados mais imediatos, relacionados à garantia da manutenção de seu poder pessoal e do projeto de poder de seu partido, o PT. O império da lei cede ao império das pessoas e suas relações. Menos lei, mais compadrio.

Quer se olhe para o passado quer para o futuro, os motivos da indicação são pouco republicanos e revelam um absoluto enfraquecimento e descrédito do Estado de Direito perante os olhos da sociedade e da comunidade internacional.

Sétimo: a sociedade sabe muito pouco sobre o que Zanin pensa acerca de temas extremamente sensíveis, como a descriminalização das drogas e do aborto. 
Esse é um reflexo do próprio desconhecimento da sociedade a respeito de quem é Zanin e suas ideias, e também da ausência de notório saber jurídico do indicado, porque não há teses de mestrado, doutorado e volumes variados de livros registrando o pensamento de Zanin sobre diferentes aspectos jurídicos da vida em comunidade.
 
Num aspecto central para a sociedade, que é a redução da impunidade, Zanin representa o oposto do anseio da população
Opôs-se firmemente à prisão em segunda instância, medida que é absolutamente necessária para restabelecer uma efetividade mínima do sistema de justiça contra réus ricos ou poderosos. 
Para quem deseja um sistema de justiça criminal que funcione, a nomeação de Zanin traz uma séria preocupação.

    Os motivos da indicação são pouco republicanos e revelam um absoluto enfraquecimento e descrédito do Estado de Direito

Na próxima semana, caberá ao Senado decidir. Para além da base lulista que apoiará cegamente a indicação, os parlamentares de centro e de direita serão pressionados por emendas e pelo receio de se oporem a alguém que, no dia seguinte, se alcançar sucesso na nomeação, passará a julgá-los
A sabatina pode se tornar um mero espetáculo público para carimbar a indicação do presidente.
 
Precisamos de parlamentares com coragem. É provável que ainda não tenhamos chegado lá - veremos -, mas os brasileiros estão fartos de pessoas que se elegem dizendo que farão diferente e, uma vez lá, tornam-se mais do mesmo
O que eu posso dizer é o que eu farei: pedirei aos senadores do meu Estado que cumpram seu papel e rejeitem a indicação.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

Deltan Dallagnol
, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Este não é um país de idiotas - Percival Puggina

O inquérito e a ação penal contra Daniel Silveira furaram todas as filas. Não esquentaram prateleira no STF. Nunca foi preciso soprar-lhes o pó. Numa Corte onde os ministros gostam de dizer que não olham a capa dos processos (querendo significar que não importa quem seja o fulano do caso), esses autos parecem trazer grafado o nome do réu em letras fosforescentes. Transitaram em carrinhos de mão com giroflex. Enquanto isso, 35 inquéritos, dos quais sete já são ações penais, segundo site Congresso em Foco, aguardam nessas mesmas prateleiras a almejada prescrição.

Ontem à noite (21/04), após muito tempo, assisti à Globo durante alguns minutos. Queria saber o que era dito sobre a concessão de graça ao condenado Daniel Silveira. Foi como se o controle remoto da TV me levasse a um universo paralelo, que tanto poderia ser o kafkiano despertar do cidadão Josef K., quanto o pesadelo orwelliano narrado no livro 1984. Ali, nada era como de fato é. Essa sensação só passou quando me dei conta de ser disso mesmo que se tratava. Os ministros do STF são habitantes do mesmo universo. Convivem com aqueles que se creem detentores de todo o poder e a todos mais reduzem a proporções nanométricas.

Mencionarei apenas quatro exemplos dentre tantos. Lá onde vivem,      um vídeo na nuvem do YouTube dá motivo para prisão em flagrante, por ordem judicial, em horário noturno;

     o preceito constitucional que assegura a inviolabilidade dos congressistas por quaisquer opiniões palavras e votos está submetido à “opinião” dos ministros do    STF sobre cada congressista e sobre suas respectivas opiniões e palavras;

     um mesmo vídeo pode encerrar uma sequência de crimes continuados e as penas somadas até exceder 8 anos (o bastante para que o 1/6 da pena seja cumprido em regime fechado);

    a vítima da injúria pode relatar o processo e julgar quem o ofendeu; o ministro Alexandre cometeu o ato falho de, em seu voto, colocar-se pessoalmente como objeto da agressão.[ato que tirou do supremo ministro a condição de julgador e o tornou um vingador.]

Creem que aqui, no universo dos fatos e dos “súditos”, ninguém viu coisa alguma, ninguém percebeu a absurda desproporção entre as acusações e as penas, nem o odor amargo da vingança proporcionada pela bandeja que deveria bem servir à justiça, à democracia e ao Estado de Direito. 

E creem, por fim, que, à exceção deles, este é um país de idiotas. 
 
Erraram todos. Errou Daniel, duas vezes errou o colegiado do STF, e duas vezes errou a Câmara. Em boa hora, agiu o presidente. 
Há poucos minutos, ouvi a sempre brilhante e robusta opinião do Prof. Dr. Ives Gandra da Silva Martins. 
Falou pela Nação, pela Justiça e pelo Direito. Por quem falam os que nos falam desde seu universo paralelo?  

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Cabe às Forças Armadas moderar os conflitos entre os Poderes - Ives Gandra da Silva Martins

Um pouco da sabedoria de Ives Gandra sobre o artigo 142 da Constituição Federal

Tendo participado de audiências públicas, durante o processo constituinte, a convite de parlamentares eleitos em 1986, assim como, repetidas vezes, apresentado sugestões ao então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, relator Bernardo Cabral e presidentes de Comissões e Subcomissões, sempre que solicitado, decidi com Celso Bastos comentar o texto supremo, em 15 volumes, por 10 anos (1988-1998), em edições e reedições veiculadas pela Editora Saraiva.
 
(.........) 
 

O Título V da Carta da República corresponde ao volume 5, que ficou a meu cargo. Cuida de dois instrumentos legais para a defesa do Estado e das instituições democráticas (Estado de Defesa e de Sítio) e das instituições encarregadas de proteger a democracia e os poderes (Forças Armadas, Polícias Militares, Polícia Civil e Guardas Municipais).

Na 5ª parte da Lei Maior, por sua abrangência nacional e missão de proteção da soberania nacional, as Forças Armadas passaram a ter um tratamento diferenciado (artigos 142 e 143), tratamento este alargado quanto às demais corporações, pelas próprias atribuições outorgadas pelo constituinte às três Armas.

As funções determinadas pelo Constituinte estão no artigo 142, assim redigido:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Percebe-se que três são as atribuições das Forças Armadas, alicerçadas na hierarquia e disciplina, a saber:

  1. Defesa da pátria;
  2. Garantia dos poderes constitucionais;
  3. Garantia da lei e da ordem, por iniciativa de qualquer dos três Poderes.

A palavra "Pátria" aparece pela primeira e única vez neste artigo da Lex Magna.

Sobre a defesa da Pátria até mesmo os alunos do pré-primário sabem que o país será defendido contra eventuais invasões de outras nações pelas Forças Armadas. Não oferece qualquer dúvida.Sobre a garantia dos poderes contra manifestações de qualquer natureza, compreende-se, lembrando-se que, nos estados de defesa e de sítio as polícias militares, civil e guarda municipal são coordenadas pelas Forças Armadas.

A terceira função, todavia, é que tem merecido, nos últimos tempos, discussão entre juristas e políticos se corresponderia ou não a uma atribuição outorgada às Forças Armadas para repor pontualmente lei e a ordem, a pedido de qualquer Poder.

Minha interpretação, há 31 anos, manifestada para alunos da universidade, em livros, conferências, artigos jornalísticos, rádio e televisão é que NO CAPÍTULO PARA A DEFESA DA DEMOCRACIA, DO ESTADO E DE SUAS INSTITUIÇÕES, se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para repor, NAQUELE PONTO, A LEI E A ORDEM, se esta, realmente, tiver sido ferida pelo Poder em conflito com o postulante.

Alguns juristas defendem a tese que a terceira atribuição e a segunda se confundem, pois para garantir as instituições, necessariamente, estarão as Forças Armadas garantindo a lei e a ordem, já que o único Poder Moderador seria o Judiciário.  Parece-me incorreta tal exegese, muito embora eu sempre respeite as opiniões contrárias em matéria de Direito. Tinha até mesmo o hábito de provocar meus alunos de pós graduação da Universidade Mackenzie a divergirem de meus escritos, dando boas notas àqueles que bem fundamentassem suas posições. É que não haveria sentido de o constituinte usar um "pleonasmo enfático" no artigo 142 da Carta Magna, visto que a Lei Suprema não pode conter palavras inúteis.

A própria menção à solicitação de Poder para garantir a lei e a ordem sinaliza uma garantia distinta daquela que estaria já na função de assegurar os poderes constitucionais, como atribuição das Forças Armadas.

Exemplifico: vamos admitir que, declarando a inconstitucionalidade por omissão do Parlamento, que é atribuição do STF, o STF decidisse fazer a lei que o Congresso deveria fazer e não fez, violando o disposto no artigo 103, parágrafo 2º, assim redigido:

Art. 103. (...) § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”

Ora, se o Congresso contestasse tal invasão de competência não poderia recorrer ao próprio STF invasor, apesar de ter pelo artigo 49, inciso XI, a obrigação de zelar por sua competência normativa perante os outros Poderes. Tem o dispositivo a seguinte redação:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(...) XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;

Pelo artigo 142 da CF/88 caberia ao Congresso recorrer às Forças Armadas para reposição da lei (CF) e da ordem, não dando eficácia àquela norma que caberia apenas e tão somente ao Congresso redigir. Sua atuação seria, pois, pontual. Jamais para romper, mas para repor a lei e a ordem tisnada pela Suprema Corte, nada obstante — tenho dito e repetido — constituída, no Brasil, de brilhantes e ilustrados juristas.

O dispositivo jamais albergaria qualquer possibilidade de intervenção política, golpe de Estado, assunção do Poder pelas Forças Armadas. Como o Título V, no seu cabeçalho, determina, a função das Forças Armadas é de defesa do Estado E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS. Não poderiam nunca, fora a intervenção moderadora pontual, exercer qualquer outra função técnica ou política. Tal intervenção apenas diria qual a interpretação correta da lei aplicada no conflito entre Poderes, EM HAVENDO INVASÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA OU DE ATRIBUIÇÕES.

No que sempre escrevi, nestes 31 anos, ao lidar diariamente com a Constituição — é minha titulação na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie —, é que também se o conflito se colocasse entre o Poder Executivo Federal e qualquer dos dois outros Poderes, não ao Presidente, parte do conflito, mas aos Comandantes das Forças Armadas caberia o exercício do Poder Moderador.

Nada obstante reconhecer a existência de opiniões contrárias, principalmente dos eminentes juristas que compõem o Pretório Excelso, não tenho porque mudar minha inteligência do artigo 142
Como não sou político, mas apenas um velho advogado e professor universitário, que sempre buscou exercer a cidadania, continuarei a interpretar, academicamente, o artigo 142, como agora o fiz, com o respeito que sempre tive às opiniões divergentes, não me importando com as críticas menos elegantes dos que não concordam comigo. John Rawls dizia que as teorias abrangentes são próprias das vocações totalitárias, que não admitem contestação. Só são democráticas as teorias não abrangentes, pois estas admitem contestação e diálogo.

Aos 85 anos, felizmente não perdi o meu amor ao diálogo e à democracia.

MATÉRIA COMPLETA e comentários -  Revista Consultor Jurídico.

Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifeo, Unimeo, do CIEE-SP, das escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), superior de Guerra (ESG) e da magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (ARG), San Martin de Porres (PER) e Vasili Goldis (ROM), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (ROM) e da PUC-PR e RS, e catedrático da Universidade do Minho (POR); presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio (SP); ex-presidente da Academia Paulista de Letras e do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo).

sexta-feira, 17 de julho de 2020

O Supremo Tribunal Federal e o consequencialismo jurídico - O Estado de S.Paulo - Ives Gandra da Silva Martins


Tem-se discutido ultimamente com mais intensidade quais seriam os limites da atuação da Suprema Corte no Estado Democrático de Direito brasileiro, ou seja, se seria um superpoder com o direito de impor suas decisões mesmo além dos limites definidos pela Lei Maior, ou se seria um Poder como os demais, submetidos às atribuições outorgadas pela Carta da República.

Corrente doutrinária do Direito Constitucional que ganhou força nas universidades, nas instituições de classe e no Poder Judiciário tem hospedado vertente de pensamento segundo a qual o século 19, com a introdução do parlamentarismo inglês de 1689 em muitos países europeus e no Segundo Império brasileiro, foi o século do Poder Legislativo; o século 20 foi o século do Poder Executivo; e o século 21 será o do Poder Judiciário, à luz do denominado princípio consequencialista.


Por consequencialismo entende-se a adaptação das decisões às suas consequências na realidade para as quais são destinadas, com flexibilização do entendimento teleológico das normas, na busca de uma justiça transcendente. O neoconstitucionalismo trilha linha semelhante, ao admitir uma relativização do texto a ser examinado pelo Judiciário com considerável margem para a busca da justiça dentro desse quadro alargado da hermenêutica.

Tanto o consequencialismo quanto o neoconstitucionalismo provocam uma politização do Judiciário que, não poucas vezes, invade competências próprias de outros Poderes, com a judicialização da política, levando as correntes minoritárias a buscar no Judiciário forma de suprir sua incapacidade de fazer prevalecer suas opiniões ou ideologias. Quanto mais o Judiciário age politicamente, tanto mais os políticos buscam o Judiciário para utilizá-lo como instrumento contra suas derrotas no Legislativo ou no Executivo.

Pessoalmente, entendo que a Constituição de 1988 não albergou nenhuma dessas formas de ação do Poder Judiciário, como de resto em artigos e livros tenho procurado demonstrar, embora reconhecendo que com limitado êxito.Um exame mais detido do texto constitucional demonstra que a Lei Superior brasileira tem claros e escuros, princípios constitucionais relevantes, normas e regras sem densidade constitucional, excessiva generalização, adiposidade desnecessária e um longo rol de disposições que se pretendia fossem de aplicação imediata, embora de difícil implantação.

Dois pontos, todavia, tornaram-se importantes no novo texto da Carta da República: o equilíbrio entre os Poderes, desejado pelo constituinte, e a inserção de uma lista apreciável de garantias e direitos individuais. Esses pontos passaram a balizar o comportamento dos Poderes a partir de 1988. Acontece, todavia, que desde 2003quando, num único mês, três ministros que marcaram história na Suprema Corte se aposentaram: Moreira Alves, Sydney Sanches e Ilmar Galvão – a Suprema Corte perdeu aquela característica de um colegiado com a função maior de ser o guardião da Constituição e a função decorrencial de dar estabilidade às instituições.

Nada obstante a qualidade indiscutível de todos os seus integrantes, o protagonismo individual que assumiram passou a permear muitas decisões, promovendo o avanço da insegurança jurídica, sempre que a competência de atribuições de outros Poderes foi invadida. Com isso, a comunidade jurídica encontra-se permanentemente em suspenso, temerosa de que, em algum momento, tal invasão venha a deflagrar um conflito que resulte no acionamento dos freios e contrafreios expostos no texto supremo.

Acresce que o Ministério Público que não é Poder –, nada obstante o nível e a qualidade de seus membros, tem, muitas vezes, envergado vestes próprias de um Poder, causando, também, instabilidade, visto que o parquet é apenas uma função essencial à administração da justiça, como o é a advocacia. À evidência, manter quadros institucionais em que os representantes dos três Poderes, em vez de agirem com harmonia e independência entre si, invadem competências uns dos outros, deixa desprotegidos os direitos individuais, que deveriam ser assegurados na tríplice função montesquiana de respeito entre os três Poderes. Ficam tais direitos e garantias, repetidas vezes, tisnados, principalmente o direito de defesa, cada vez mais atingido na sofrida República brasileira, que deveria nele ter o alicerce maior da democracia.

É de lembrar que o artigo 1.º da Constituição federal declara que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e o 2.º, que os Poderes são harmônicos e independentes. São os dois primeiros artigos que fundamentam os oito títulos, as Disposições Gerais e Transitórias e as 112 emendas constitucionais do processo revisional e ordinário. Uma democracia só é plena se cada Poder, no âmbito de suas atribuições, cumprir sua missão com pleno respeito às competências alheias, colaborando com a sociedade na construção de uma nação poderosa e estável institucionalmente. E, na minha opinião, o consequencialismo jurídico não foi albergado pela nossa Lei Suprema.

 Ives Gandra da Silva Martins, jurista - professor da ECEME e ESG - O Estado de S. Paulo - Espaço Aberto

terça-feira, 16 de junho de 2020

Governo começa a recuperação e só tem dinheiro para pagar o Auxílio Emergencial, devido ... Yves Gandra:Forças Armadas, Poder Moderador.

Caneta só tem valor quando o dono do fuzil permite

Cláudio Lessa e as estrepolias de Alcolumbre 

Cabe às Forças Armadas moderar os conflitos entre os Poderes

Tendo participado de audiências públicas, durante o processo constituinte, a convite de parlamentares eleitos em 1986, assim como, repetidas vezes, apresentado sugestões ao então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, relator Bernardo Cabral e presidentes de Comissões e Subcomissões, sempre que solicitado, decidi com Celso Bastos comentar o texto supremo, em 15 volumes, por 10 anos (1988-1998), em edições e reedições veiculadas pela Editora Saraiva.

(.....)

O Título V da Carta da República corresponde ao volume 5, que ficou a meu cargo. Cuida de dois instrumentos legais para a defesa do Estado e das instituições democráticas (Estado de Defesa e de Sítio) e das instituições encarregadas de proteger a democracia e os poderes (Forças Armadas, Polícias Militares, Polícia Civil e Guardas Municipais).
Na 5ª parte da Lei Maior, por sua abrangência nacional e missão de proteção da soberania nacional, as Forças Armadas passaram a ter um tratamento diferenciado (artigos 142 e 143), tratamento este alargado quanto às demais corporações, pelas próprias atribuições outorgadas pelo constituinte às três Armas.
As funções determinadas pelo Constituinte estão no artigo 142, assim redigido:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Percebe-se que três são as atribuições das Forças Armadas, alicerçadas na hierarquia e disciplina, a saber:
  1. Defesa da pátria;
  2. Garantia dos poderes constitucionais;
  3. Garantia da lei e da ordem, por iniciativa de qualquer dos três Poderes.
A palavra "Pátria" aparece pela primeira e única vez neste artigo da Lex Magna.
Sobre a defesa da Pátria até mesmo os alunos do pré-primário sabem que o país será defendido contra eventuais invasões de outras nações pelas Forças Armadas. Não oferece qualquer dúvida.
Sobre a garantia dos poderes contra manifestações de qualquer natureza, compreende-se, lembrando-se que, nos estados de defesa e de sítio as polícias militares, civil e guarda municipal são coordenadas pelas Forças Armadas.
A terceira função, todavia, é que tem merecido, nos últimos tempos, discussão entre juristas e políticos se corresponderia ou não a uma atribuição outorgada às Forças Armadas para repor pontualmente lei e a ordem, a pedido de qualquer Poder.

Minha interpretação, há 31 anos, manifestada para alunos da universidade, em livros, conferências, artigos jornalísticos, rádio e televisão é que NO CAPÍTULO PARA A DEFESA DA DEMOCRACIA, DO ESTADO E DE SUAS INSTITUIÇÕES, se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para repor, NAQUELE PONTO, A LEI E A ORDEM, se esta, realmente, tiver sido ferida pelo Poder em conflito com o postulante.

Alguns juristas defendem a tese que a terceira atribuição e a segunda se confundem, pois para garantir as instituições, necessariamente, estarão as Forças Armadas garantindo a lei e a ordem, já que o único Poder Moderador seria o Judiciário. Parece-me incorreta tal exegese, muito embora eu sempre respeite as opiniões contrárias em matéria de Direito. Tinha até mesmo o hábito de provocar meus alunos de pós graduação da Universidade Mackenzie a divergirem de meus escritos, dando boas notas àqueles que bem fundamentassem suas posições. É que não haveria sentido de o constituinte usar um "pleonasmo enfático" no artigo 142 da Carta Magna, visto que a Lei Suprema não pode conter palavras inúteis.

A própria menção à solicitação de Poder para garantir a lei e a ordem sinaliza uma garantia distinta daquela que estaria já na função de assegurar os poderes constitucionais, como atribuição das Forças Armadas.
Exemplifico: vamos admitir que, declarando a inconstitucionalidade por omissão do Parlamento, que é atribuição do STF, o STF decidisse fazer a lei que o Congresso deveria fazer e não fez, violando o disposto no artigo 103, parágrafo 2º, assim redigido:
Art. 103. (...) § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”
Ora, se o Congresso contestasse tal invasão de competência não poderia recorrer ao próprio STF invasor, apesar de ter pelo artigo 49, inciso XI, a obrigação de zelar por sua competência normativa perante os outros Poderes. Tem o dispositivo a seguinte redação:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
(...) XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;
Pelo artigo 142 da CF/88 caberia ao Congresso recorrer às Forças Armadas para reposição da lei (CF) e da ordem, não dando eficácia àquela norma que caberia apenas e tão somente ao Congresso redigir. Sua atuação seria, pois, pontual. Jamais para romper, mas para repor a lei e a ordem tisnada pela Suprema Corte, nada obstante — tenho dito e repetido — constituída, no Brasil, de brilhantes e ilustrados juristas.

O dispositivo jamais albergaria qualquer possibilidade de intervenção política, golpe de Estado, assunção do Poder pelas Forças Armadas. Como o Título V, no seu cabeçalho, determina, a função das Forças Armadas é de defesa do Estado E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS. Não poderiam nunca, fora a intervenção moderadora pontual, exercer qualquer outra função técnica ou política. Tal intervenção apenas diria qual a interpretação correta da lei aplicada no conflito entre Poderes, EM HAVENDO INVASÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA OU DE ATRIBUIÇÕES.

Aos 85 anos, felizmente não perdi o meu amor ao diálogo e à democracia.

 MATÉRIA COMPLETA  no Consultor JurídicoYves Gandra Martins




quinta-feira, 16 de junho de 2016

QUEM SÃO OS GOLPISTAS?



Li a entrevista da presidente afastada Dilma Rousseff publicada na Folha do último domingo (29). Creio que ela não compreendeu ainda por que é alvo de um processo de impeachment. A corrupção de seu governo e do governo Lula é ignorada em sua fala e não há qualquer menção às suas causas.

O maior assalto às contas públicas da história teve por núcleo a destruição da Petrobras, da qual foi presidente do Conselho de Administração. Dilma foi ainda ministra de Minas e Energia (governo Lula) antes de chegar à Presidência da República. Em outras palavras: ou foi conivente ou fantasticamente incompetente ao não ter detectado anos e anos de saques ao Tesouro Nacional e a suas empresas.

Em resolução divulgada após o afastamento de Dilma, os dirigentes petistas lamentaram o fato de não terem alterado as estruturas da Polícia Federal, do Ministério Público e das Forças Armadas, assim como o financiamento da imprensa. Não modificaram porque não puderam, pois são instituições do Estado, não do governo, e a imprensa é livre. A corrupção do governo petista foi detectada por tais órgãos, que não estão subordinados ao Planalto.

Na referida entrevista, Dilma alega que todos os problemas do país - o desemprego de 11 milhões de brasileiros, os desmandos do Bolsa Família (muitos desvios detectados pelo Tribunal de Contas) e da reforma agrária (muitos políticos tendo recebido terras), a queda vertiginosa do PIB e a estrondosa superação da meta da inflação (muitos pontos acima do teto) são decorrentes de fatores externos.

Em nenhum momento reconhece o que de fato ocorreu: não soube dialogar com o Congresso nem apresentar projetos consistentes.  Comenta a delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que gravou conversas com líderes do PMDB sobre a possibilidade de controlar a Lava Jato, sem mencionar o número de delações em que seu nome e o do presidente Lula estão envolvidos. Também nada disse sobre as prisões do tesoureiro de seu partido (João Vaccari Neto) e do marqueteiro de sua campanha (João Santana).

É, portanto, uma entrevista regada a cinismo - além de ódio ao também pouco confiável presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha - na qual a tese do golpe volta.  Quem são os golpistas? Os 367 deputados e 55 senadores que votaram pela abertura do processo de impeachment? Os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal? O constituinte, que aprovou os artigos 85 e 86 da Constituição, acerca dos crimes de responsabilidade do presidente da República?

Ou ainda o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Regionais Federais, que consideram ser a culpa grave (deixar roubar) um ato de improbidade administrativa? O Parlamento, que aprovou lei na qual a "omissão" é ato de improbidade?

O Instituto dos Advogados de São Paulo e o colégio de todos os Institutos de Advogados do Brasil publicaram livro, inclusive com trabalho do relator da Constituição, Bernardo Cabral, em que 21 renomados juristas mostram os inúmeros atos de improbidade administrativa praticados, dos quais só um serviu de base  para o impeachment (os textos estão disponíveis no site  

O conselho federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ingressou com um pedido de impeachment, ainda pendente na Câmara, com a descrição de outros atos de improbidade não constantes da petição acolhida. É uma acusação muito mais ampla.  A tentativa, pois, de desfigurar a democracia brasileira no exterior, dizendo que é golpe, mas sem citar o nome dos golpistas, é profundo desserviço à nação, além de violação à Lei de Segurança Nacional.

Lamento que a presidente afastada, em vez de se defender, procurando explicar toda a imensa corrupção de seu governo, tente desfigurar os fundamentos da democracia brasileira, cujas instituições funcionam em estrita obediência à lei e à Carta da República.

Ives Gandra da Silva Martins - Advogado - Prof Emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra - 31/05/2016. 

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Ives Gandra da Silva Martins: Dilma, a presidente golpista



Apesar da crise provocada pelo deletério e corrosivo governo de Dilma Rousseff, as instituições continuam funcionando bem. Golpe quem dá é a presidente
Em meus artigos, raramente falo de pessoas, preferindo discutir ideias, numa democracia em que o contraditório é a constante. Todos os políticos que defendem “teorias abrangentes e excludentes de outras” são vocacionados à ditadura. Os que defendem “teorias não abrangentes e sujeitas ao debate” têm vocação para a democracia, como expunha John Rawls, em sua obra Justiça e Democracia.

Em meu livro Uma Breve Teoria do Poder, mostro que as democracias crescem com oposições fortes, que limitam o nível de arbítrio dos detentores do poder. Quando elas são fracas, aqueles que governam tendem a tornar-se ditadores, como vimos com Fidel e Raúl Castro, ditadores declarados, e seus aprendizes Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa. Não cuido de Nicolás Maduro porque sua incompetência e sua vocação ditatorial são tão desastradas que ele conseguiu arrasar a terceira economia da América do Sul. É assegurado no poder apenas por força de um Judiciário fantoche, formado na undécima hora para enfraquecer o Legislativo eleito.  A presidente Dilma Rousseff, que sempre esteve fascinada pela mais sangrenta ditadura das Américas (Cuba) e por tiranetes dos países bolivarianos, ultimamente, após ter sido fragorosamente repudiada pelo Legislativo popular – a Câmara dos Deputados é a Casa do Povo, não o Senado –, tem reiterado que o impeachment é um golpe.

É de lembrar que o Senado é a Casa da Federação, ou seja, da representação dos estados. Por isso os eleitores votam em um ou dois candidatos. Para a Câmara, não. Há uma variedade enorme de opções. Nos EUA, o Senado surgiu por imposição das colônias do sul, a fim de impedirem a abolição da escravatura, que poderia ocorrer pela maior população do norte se houvesse uma única Casa legislativa. Uma Casa em que a representação de cada colônia fosse idêntica, independentemente da população, permitiu a promulgação da Constituição de 1787 e a ideia de uma Confederação de 13 países foi substituída por uma Federação de 13 estados. Os estados do sul conseguiram, dessa maneira, atrasar em 80 anos a abolição da escravatura.

Ora, após sua fragorosa rejeição por mais de 70% na Câmara dos Deputados, representantes reais do povo, as declarações da presidente, de rigor, transformam-na em golpista contra as instituições brasileiras. Foi vencida tendo a Câmara seguido, sem nenhuma alteração, o rito definido pelo Supremo Tribunal Federal. E entende ela, agora, que o Supremo Tribunal Federal e a Câmara dos Deputados foram golpistas?! Conclui-se, então, que seu próprio criador, o ex-presidente Lula, foi, em sua peculiar visão, também golpista quando liderou o impeachment do presidente Fernando Collor.

Hospeda, por outro lado, a tese de que a Constituição brasileira teria 248 artigos democráticos e 2 golpistas, ou seja, os artigos 85 e 86. Para a presidente da República, o Supremo Tribunal Federal é golpista por cumprir a Lei Maior. Mas ela não o é, apesar de pretender desmoralizar os outros dois Poderes da República.

Vejamos por que é golpista a presidente. Em primeiro lugar, deu um golpe na Nação ao mentir espetacularmente na campanha eleitoral, alardeando que o país estava bem em 2014, quando já estava falido. Esse estelionato eleitoral permitiu que, por margem mínima de votos, superasse seu opositor, que teve quase os seus 54 milhões de votos.

A mentira presidencial, desventrada nos primeiros dias de seu segundo governo, tornou-se mais clara quando o Tribunal de Contas da União descobriu as pedaladas fiscais, que mascararam, no ano eleitoral, o orçamento federal. Feriu, pois, os artigos 165 a 169 da Lei Suprema e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mentiu para os eleitores que as contas públicas estavam sob controle quando já estavam absolutamente desorganizadas.

Deu, também, um golpe na economia. Em seu desastroso governo, prevê-se queda de 10% do produto interno bruto (PIB) nestes dois primeiros anos. Outro golpe foi desferido no controle inflacionário, permitindo que a inflação chegasse a 10%. Deu ainda golpe fatal no emprego, gerando 11 milhões de desempregados. Na sequência, deu um golpe no dinheiro dos contribuintes ao permitir que seu governo fosse o mais corrupto da História do mundo. Deu, por fim, um golpe na credibilidade do seu cargo ao prometer juros baixos e mantê-los em nível que consome mais de R$ 500 bilhões por ano para seu giro. O mais grave, todavia, reitero, é o golpe contra as instituições, ao desqualificar a atuação da Suprema Corte e do Parlamento brasileiro, chamando-os de golpistas.

Neste quadro, o que torna o golpe pior no comportamento da presidente é procurar enganar governos de outros países – como enganou o eleitor em 2014 – na busca de apoio de outras nações às suas teses insubsistentes. Pretende que governos bolivarianos imponham sanções ao Brasil. Apenas esses dados são suficientes para mostrar que, mesmo que o seu impeachment não passe, ela não terá a menor condição de governar. Seu espírito guerrilheiro do passado, em que pretendia uma ditadura cubana para o Brasil, parece renascer. Felizmente, já começou a ser impedida pela Casa do Povo. Se sobreviver ao impeachment, levará a nação ao mesmo destino da Venezuela.

Mas as instituições estão funcionando no país e o golpe institucional, econômico, político que pretende dar está sendo barrado pela Suprema Corte e pelo Congresso Nacional. Nada obstante a crise provocada por seu deletério e corrosivo governo, elas continuam, sim, funcionando bem.

Nenhum desses dois Poderes é golpista. O Brasil tem uma Lei Suprema, que tem sido valorizada pelos Poderes Judiciário e Legislativo. Merecem, todavia, seus atos e declarações ser examinados à luz da Lei 7.170/83, que cuida dos crimes contra a segurança nacional. Pode ter incidido em alguns deles. Parece-me, pois, que a presidente Dilma é a única verdadeira golpista contra as instituições.

Fonte: Coluna Augusto Nunes – VEJA