Presidente desmoraliza o Inpe
O Globo
A última semana foi especialmente crítica para o
presidente Bolsonaro, que falou muito, geralmente em situações
improvisadas, o que dificulta seu desempenho, que já não é dos melhores
na oratória. Mas, mesmo quando conversou com jornalistas estrangeiros
num café da manhã, se descuidou com as palavras. Deu vazão a sentimentos
que o perseguem, como conspirações. Antigamente, os paranóicos procuravam comunistas embaixo da cama. Hoje, procuram conspiradores debaixo da mesa presidencial. Não
sei quem inventou essa parábola do anão debaixo da mesa, responsável
por revelar todas as decisões tomadas no gabinete presidencial do
Palácio do Planalto. Ela circulava com um tom irônico, que Bolsonaro
também usou, mas não revelava nenhuma conspiração.
Esse espírito defensivo está sempre presente nas declarações do presidente e de seus filhos, especialmente o vereador Carlos. Fora do plano de conspiração, Bolsonaro tem obrigação de pesar o que está falando, pois sabe que tudo será publicado. [pior que a publicação é muitas vezes a interpretação que é publicada do que o presidente falou.] Perdeu a noção da repercussão que a palavra do presidente provoca. Além das declarações infelizes, erradas, Bolsonaro está numa discussão difícil, sobre a indicação do filho para a embaixada do Brasil nos EUA. Defendeu o filho de maneira equivocada, confundindo o país com a família.
E o que vazou de seu comentário a respeito dos nordestinos não é bom. Mesmo que se referir aos nordestinos como “paraíbas” seja uma característica da linguagem informal, há um claro tom pejorativo. O presidente Bolsonaro, naquela sua linguagem popular que pode dar votos, mas não respeita a “liturgia do cargo”, disse, por exemplo, que não pode ser apanhado “de calça curta” com a divulgação de dados tão importantes quanto os do desmatamento da Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). [ falando sobre 'liturgia do cargo', não estou entre os que gostam do Sarney, mas, não esqueço em 85, quando Tancredo agonizava e os repórteres perguntaram ao então vice, como estava o presidente, ele formalmente pediu desculpas por 'abandonar' a liturgia do cargo e fez com o polegar o gesto de positivo.
Se o presidente Bolsonaro seguisse o exemplo de Sarney - nesse aspecto, por favor, outros não devem ser seguidos - evitasse a comunicação excessiva com a imprensa as coisas melhoravam.
Quando ele tomou posse, foi aquele desastre do 'disse me disse', 'não foi isso que quis dizer', e coisas do gênero. Ele reduziu um pouco as entrevistas de improviso, designou um porta-voz, e as coisas melhoraram.
Pena que logo depois voltou a falar e as coisas complicaram novamente.
O presidente Bolsonaro deveria adotar como norma só se manifestar através do porta-voz, não conceder entrevistas de improviso - entrevista do presidente só em situações excepcionais e com perguntas apresentadas por escrito. ]
Quis dizer que deveria ter sido avisado antes da divulgação, não para impedi-la, alega, mas para discutir os dados. Tudo bem, se não fosse a resposta destemperada do presidente à pergunta de um correspondente estrangeiro. O aumento de 88% do desmatamento obviamente seria pergunta de qualquer entrevista que o presidente desse depois da divulgação de um dado tão negativo para o meio-ambiente. Bolsonaro deveria ter reunido seus ministros ligados ao tema – Meio-Ambiente, Agricultura, Ciência, Tecnologia e Inovação – e o diretor do INPE para discutir o assunto, que ele mesmo admite ser de extrema importância, o que já é um avanço. Se persistisse a desconfiança de que os dados estão errados, o presidente teria toda razão ao criticá-los, mas seria melhor colocar os ministros para defender a tese. O presidente do INPE, Ricardo Galvão, tem mandato de 4 anos que começou em 2016, e não pode ser afastado.
Mas pode ser forçado a pedir demissão por uma constante campanha de descrédito, como Bolsonaro vem fazendo, a exemplo de governos anteriores que receberam agências com dirigentes indemissíveis com mandatos. No caso do INPE é mais grave, porque desmoraliza um dos órgãos brasileiros mais respeitados interna e externamente. Se Bolsonaro acha, com razão, que é uma propaganda negativa para o país anunciar tal grau de desmatamento, deveria se preocupar não com o mensageiro, mas atacar as causas da tragédia ecológica, e anunciar medidas para contê-la. A teoria da conspiração, no entanto, não deixa que o presidente e seus assessores mais xiitas tenham atitudes sensatas.
Um presidente da República que sugere a jornalistas estrangeiros que seu mais importante órgão de pesquisas está a serviço de uma ONG, aumentando os índices de desmatamento propositalmente, é de uma irresponsabilidade tão grande que até mesmo Bolsonaro, que fala o que lhe passa na cabeça sem filtros, admitiu que “exagerou”.
Mas o estrago estava feito.
Merval Pereira, jornalista - O Globo
Esse espírito defensivo está sempre presente nas declarações do presidente e de seus filhos, especialmente o vereador Carlos. Fora do plano de conspiração, Bolsonaro tem obrigação de pesar o que está falando, pois sabe que tudo será publicado. [pior que a publicação é muitas vezes a interpretação que é publicada do que o presidente falou.] Perdeu a noção da repercussão que a palavra do presidente provoca. Além das declarações infelizes, erradas, Bolsonaro está numa discussão difícil, sobre a indicação do filho para a embaixada do Brasil nos EUA. Defendeu o filho de maneira equivocada, confundindo o país com a família.
E o que vazou de seu comentário a respeito dos nordestinos não é bom. Mesmo que se referir aos nordestinos como “paraíbas” seja uma característica da linguagem informal, há um claro tom pejorativo. O presidente Bolsonaro, naquela sua linguagem popular que pode dar votos, mas não respeita a “liturgia do cargo”, disse, por exemplo, que não pode ser apanhado “de calça curta” com a divulgação de dados tão importantes quanto os do desmatamento da Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). [ falando sobre 'liturgia do cargo', não estou entre os que gostam do Sarney, mas, não esqueço em 85, quando Tancredo agonizava e os repórteres perguntaram ao então vice, como estava o presidente, ele formalmente pediu desculpas por 'abandonar' a liturgia do cargo e fez com o polegar o gesto de positivo.
Se o presidente Bolsonaro seguisse o exemplo de Sarney - nesse aspecto, por favor, outros não devem ser seguidos - evitasse a comunicação excessiva com a imprensa as coisas melhoravam.
Quando ele tomou posse, foi aquele desastre do 'disse me disse', 'não foi isso que quis dizer', e coisas do gênero. Ele reduziu um pouco as entrevistas de improviso, designou um porta-voz, e as coisas melhoraram.
Pena que logo depois voltou a falar e as coisas complicaram novamente.
O presidente Bolsonaro deveria adotar como norma só se manifestar através do porta-voz, não conceder entrevistas de improviso - entrevista do presidente só em situações excepcionais e com perguntas apresentadas por escrito. ]
Quis dizer que deveria ter sido avisado antes da divulgação, não para impedi-la, alega, mas para discutir os dados. Tudo bem, se não fosse a resposta destemperada do presidente à pergunta de um correspondente estrangeiro. O aumento de 88% do desmatamento obviamente seria pergunta de qualquer entrevista que o presidente desse depois da divulgação de um dado tão negativo para o meio-ambiente. Bolsonaro deveria ter reunido seus ministros ligados ao tema – Meio-Ambiente, Agricultura, Ciência, Tecnologia e Inovação – e o diretor do INPE para discutir o assunto, que ele mesmo admite ser de extrema importância, o que já é um avanço. Se persistisse a desconfiança de que os dados estão errados, o presidente teria toda razão ao criticá-los, mas seria melhor colocar os ministros para defender a tese. O presidente do INPE, Ricardo Galvão, tem mandato de 4 anos que começou em 2016, e não pode ser afastado.
Mas pode ser forçado a pedir demissão por uma constante campanha de descrédito, como Bolsonaro vem fazendo, a exemplo de governos anteriores que receberam agências com dirigentes indemissíveis com mandatos. No caso do INPE é mais grave, porque desmoraliza um dos órgãos brasileiros mais respeitados interna e externamente. Se Bolsonaro acha, com razão, que é uma propaganda negativa para o país anunciar tal grau de desmatamento, deveria se preocupar não com o mensageiro, mas atacar as causas da tragédia ecológica, e anunciar medidas para contê-la. A teoria da conspiração, no entanto, não deixa que o presidente e seus assessores mais xiitas tenham atitudes sensatas.
Um presidente da República que sugere a jornalistas estrangeiros que seu mais importante órgão de pesquisas está a serviço de uma ONG, aumentando os índices de desmatamento propositalmente, é de uma irresponsabilidade tão grande que até mesmo Bolsonaro, que fala o que lhe passa na cabeça sem filtros, admitiu que “exagerou”.
Mas o estrago estava feito.
Merval Pereira, jornalista - O Globo