Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador parábola. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador parábola. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 23 de julho de 2019

Palavras no ventilador - Merval Pereira

Presidente desmoraliza o Inpe


O Globo

A última semana foi especialmente crítica para o presidente Bolsonaro, que falou muito, geralmente em situações improvisadas, o que dificulta seu desempenho, que já não é dos melhores na oratória. Mas, mesmo quando conversou com jornalistas estrangeiros num café da manhã, se descuidou com as palavras. Deu vazão a sentimentos que o perseguem, como conspirações. Antigamente, os paranóicos procuravam comunistas embaixo da cama. Hoje, procuram conspiradores debaixo da mesa presidencial.  Não sei quem inventou essa parábola do anão debaixo da mesa, responsável por revelar todas as decisões tomadas no gabinete presidencial do Palácio do Planalto. Ela circulava com um tom irônico, que Bolsonaro também usou, mas não revelava nenhuma conspiração.

Esse espírito defensivo está sempre presente nas declarações do presidente e de seus filhos, especialmente o vereador Carlos. Fora do plano de conspiração, Bolsonaro tem obrigação de pesar o que está falando, pois sabe que tudo será publicado. [pior que a publicação é muitas vezes a interpretação que é publicada do que o presidente falou.]  Perdeu a noção da repercussão que a palavra do presidente provoca. Além das declarações infelizes, erradas, Bolsonaro está numa discussão difícil, sobre a indicação do filho para a embaixada do Brasil nos EUA. Defendeu o filho de maneira equivocada, confundindo o país com a família.

E o que vazou de seu comentário a respeito dos nordestinos não é bom. Mesmo que se referir aos nordestinos como “paraíbas” seja uma característica da linguagem informal, há um claro tom pejorativo. O presidente Bolsonaro, naquela sua linguagem popular que pode dar votos, mas não respeita a “liturgia do cargo”, disse, por exemplo, que não pode ser apanhado “de calça curta” com a divulgação de dados tão importantes quanto os do desmatamento da Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). [ falando sobre 'liturgia do cargo', não estou entre os que gostam do Sarney, mas, não esqueço em 85, quando Tancredo agonizava e os repórteres perguntaram ao então vice,  como estava o presidente, ele formalmente pediu desculpas por 'abandonar' a liturgia do cargo e  fez com o polegar o gesto de positivo.

Se o presidente Bolsonaro seguisse o exemplo de Sarney - nesse aspecto, por favor, outros não devem ser seguidos - evitasse a comunicação excessiva com a imprensa as coisas melhoravam.
Quando ele tomou posse, foi aquele desastre do 'disse me disse', 'não foi isso que quis dizer', e coisas do gênero. Ele reduziu um pouco as entrevistas de improviso, designou um porta-voz, e as coisas melhoraram.
Pena que logo depois voltou a falar e as coisas complicaram novamente.
O presidente Bolsonaro deveria adotar como norma só se manifestar através do porta-voz, não conceder entrevistas de improviso - entrevista do presidente só em situações excepcionais e com perguntas apresentadas por escrito. ]

 Quis dizer que deveria ter sido avisado antes da divulgação,
não para impedi-la, alega, mas para discutir os dados. Tudo bem, se não fosse a resposta destemperada do presidente à pergunta de um correspondente estrangeiro.  O aumento de 88% do desmatamento obviamente seria pergunta de qualquer entrevista que o presidente desse depois da divulgação de um dado tão negativo para o meio-ambiente. Bolsonaro deveria ter reunido seus ministros ligados ao tema – Meio-Ambiente, Agricultura, Ciência, Tecnologia e Inovação e o diretor do INPE para discutir o assunto, que ele mesmo admite ser de extrema importância, o que já é um avanço. Se persistisse a desconfiança de que os dados estão errados, o presidente teria toda razão ao criticá-los, mas seria melhor colocar os ministros para defender a tese. O presidente do INPE, Ricardo Galvão, tem mandato de 4 anos que  começou em 2016, e não pode ser afastado.

Mas pode ser forçado a pedir demissão por uma constante campanha de descrédito, como Bolsonaro vem fazendo, a exemplo de governos anteriores que receberam agências com dirigentes indemissíveis com mandatos. No caso do INPE é mais grave, porque desmoraliza um dos órgãos brasileiros mais respeitados interna e externamente.  Se Bolsonaro acha, com razão, que é uma propaganda negativa para o país anunciar tal grau de desmatamento, deveria se preocupar não com o mensageiro, mas atacar as causas da tragédia ecológica, e anunciar medidas para contê-la. A teoria da conspiração, no entanto, não deixa que o presidente e seus assessores mais xiitas tenham atitudes sensatas.

Um presidente da República que sugere a jornalistas estrangeiros que seu mais importante órgão de pesquisas está a serviço de uma ONG, aumentando os índices de desmatamento propositalmente, é de uma irresponsabilidade tão grande que até mesmo Bolsonaro, que fala o que lhe passa na cabeça sem filtros, admitiu que “exagerou”.
 Mas o estrago estava feito. 


Merval Pereira, jornalista - O Globo

 

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

A parábola do réu pródigo


Quem é Luiz Inácio Lula da Silva? O herói que deu acesso às linhas aéreas e ao ensino superior aos pobres e por isso conta com o apoio de pelo menos 35% dos eleitores, o dobro da preferência atribuída aos dois principais adversários, de acordo com a pesquisa Datafolha – o oficial da reserva que conta com a nostalgia da ditadura militar e a militante ambiental? O bandido que já deveria ter sido preso, na opinião de 54% dos mesmos entrevistados? Ou seria os dois em um? Talvez fosse ainda o caso de acrescentar mais uma quarta opção: todas as hipóteses anteriores.

Os fatos falam por si. Em dois mandatos de quatro anos cada, o ex-líder sindical virou dono do Partido dos Trabalhadores (PT) e “messias” das esperanças salvacionistas da esquerda e de grande parcela da população, porque amealhou um prestígio avassalador.
 
Este lhe garantiu eleição, reeleição após ter sido flagrado com a mão na botija no escândalo do mensalão e metade do mérito pela vitória da “poste”, que impôs aos companheiros petistas, eleita com a mãozinha nada desprezível do PMDB de Michel Temer e reeleita pela lei da inércia e pelo sucesso da repetição da parceria. A estratégia sensata de não se opor às conquistas dos antecessores que se lhe opunham, para depois construir sua própria fortuna, no maior assalto ao conjunto dos cofres da República, reservou-lhe o lugar mais alto no pódio dos heróis. Ainda hoje, apesar de tudo o que já se descobriu sobre ele, Lula exibe a mais bem-sucedida trajetória pessoal de uma política fragmentária e cruel como o é a nossa. Isso é suficiente para lhe garantir o apoio incondicional de um terço do eleitorado nacional, que nada cobra dele.

Muitas razões mais têm os 54% que disseram aos pesquisadores que os abordaram que o que foi descoberto de sua longa e profícua atividade fora da lei pelos policiais federais e procuradores da Operação Lava Jato já dá motivos suficientes para que o titular da operação, o juiz federal Sergio Moro, o condene a uma cela no inferno prisional brasileiro.

Lula protagoniza a parábola do réu pródigo. No âmbito da Lava Jato, foi condenado em primeira instância a nove anos e meio de prisão, acusado de ter recebido uma cobertura triplex no Guarujá como propina da Construtora OAS, por serviços que lhe prestou no governo. Na mesma operação responde a acusações do Ministério Público Federal de ter recebido da Odebrecht o apartamento vizinho ao dele em São Bernardo e um terreno, no qual teria pretendido construir a sede do Instituto Lula. Na Justiça Federal de Brasília é acusado em processos penais que dizem respeito a tráfico de influência, negócios em Angola e obstrução de Justiça. É uma incrível via-crúcis com várias estações do Código Penal.

Ilícitos penais à parte, revelações vindas à tona ao longo desse percurso, que sua defesa chama de perseguição política, desnudaram atitudes nada condizentes com seu ícone de mártir popular. Apelidado de “amigo” de Emílio Odebrecht nas planilhas do departamento de propinas da empreiteira, teve o dissabor de ser acusado por este de ter comprado dele greves de interesse da empresa no Recôncavo Baiano. Assim como antes havia sido apontado como informante das lutas sindicais ao então diretor do Dops, Romeu Tuma, pelo filho homônimo deste no livro Assassinato de Reputações (Topbooks, Rio, 2013), nunca contestado por Lula, algum advogado ou aliado dele. [Lula como alcaguete a serviço do Romeu Tuma era conhecido como o 'boi'.] No livro O que Sei de Lula (Topbooks, Rio, 2011), narrei um encontro no qual ele relatou particularidades do movimento sindical a um agente do Serviço Nacional de Informações (SNI), em plena ditadura militar, que ele ajudou a derrubar ao desafiar a legislação trabalhista com as greves que liderava no ABC.

A tentativa de transferir delitos de que é acusado para sua mulher,
mãe de seus filhos e avó de seus netos, Marisa Letícia, morta, revelou o hábito de manifestar esse laivo machista e covarde de seu caráter.  A carta de seu ex-lugar-tenente Antônio Palocci, que foi ministro da Fazenda em seu governo e chefe da Casa Civil na (indi)gestão de Dilma Rousseff, contém detalhes malfazejos desse caráter cheio de jaça. Pouco importa que o missivista esteja longe de ser um santo, como demonstrou o sórdido episódio da desqualificação do caseiro Francenildo dos Santos Costa, que testemunhou contra ele no escândalo de certa mansão em Brasília. Os crimes de que é acusado o ex-prefeito de Ribeirão Preto foram cometidos sob a égide de Lula. [nunca esquecer que se as investigações se aprofundarem, as digitais de Lula e do seu pau mandado, o ex-seminarista de missa negra, Gilberto Carvalho, serão encontradas no caso do assassinato do ex-prefeito Celso Daniel.] 

Outro episódio que expõe à luz solar sua contumácia em mentir com cinismo é o dos recibos entregues por sua defesa para “comprovar” que Marisa – sempre ela! – pagou religiosamente os aluguéis de um apartamento que o casal ocupa ao lado da própria moradia a um incerto Glaucos da Costamarques, que aparece como Pilatos no Credo. Ou como o J. Pinto Fernandes, súbito personagem do poema Quadrilha (que não se perca pelo título apropriado para o caso), de Carlos Drummond de Andrade.

Seu discípulo na arte de tergiversar, o dr. Zanin Martins apareceu com recibos que nada comprovam, pois transações comerciais rotineiras não são atestadas por eles, mas por movimentação bancária fiscalizada pelo Banco Central. E ainda reinventou o calendário gregoriano, datando dois em inexistentes 31 de junho e 31 de novembro. Os papéis inúteis poderão provocar o vexame de revelar mais uma farsa típica de Lula se a perícia da Polícia Federal atestar em laudo que foram assinados no mesmo dia.

O mito do teflon de Lula, que evita lama em seu ícone, é ajudado por pesquisas como a última em que ele surgiu como adversário do juiz que o condenou, Sergio Moro. Qualquer brasileiro com QI superior a 30 sabe que não lhe será fácil obter daqui a um ano atestado de ficha limpa e que o julgador em parte de seus processos penais não deixará a carreira para se candidatar a nenhum posto na política. Trata-se do mesmo material de ilusões de que é feita sua fama de intocável.
 
Fonte:  José Nêumanne, jornalista - O Estado de S. Paulo