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sábado, 17 de junho de 2023

A caminho de um Brasil sem povo - J. R. Guzzo

 Revista Oeste

Juntos, o STF e o Poder Executivo governam o país sem nenhum tipo de concorrente ou de oposição capaz de impedir qualquer dos seus movimentos

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

O Brasil, dia após dia, está se transformando num país soviético. Com o consórcio formado pelo Supremo Tribunal Federal e as facções que dão suporte ao presidente da República, o Brasil, cada vez mais, só tem governo — não tem população
Como na Rússia comunista, e em todos os regimes que surgiram à sua semelhança, de Cuba à China, o país está a caminho de ficar sem instituições; elas não foram eliminadas oficialmente, mas cada vez valem menos. Os cargos públicos que têm influência real na máquina do Estado vão sendo ocupados, a cada escolha, por aliados que o consórcio impõe. Na prática, há um regime de partido único, a sociedade Lula-STF — os outros partidos fazem alguns ruídos, mas não conseguem controlar nem uma CPI que eles mesmos propõem, e podem ser multados em R$ 22 milhões se apresentarem uma petição à Justiça suprema. 
 
Há um Congresso Nacional; na Rússia soviética também havia. 
Mas as leis aprovadas pelos deputados são simplesmente anuladas pelo STF, na hora em que ele quer, e seja o assunto que for
É o que está acontecendo com a lei sobre terras indígenas, aprovada na Câmara por 283 votos a 155, mas a caminho de ser declarada nula pelos ministros — como a Lei nº 14.950, sobre o mesmo assunto. 
A maior parte da imprensa se dedica à adoração de Lula, do seu governo e do ministro Alexandre de Moraes. 
Funciona, na vida real, como um grande Pravda, escrito e falado em português — e muitas vezes em mau português.

Luiz Inácio Lula da Silva, Alexandre de Moraes e Rosa Weber (12/12/2022) | Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

Ainda falta um bom caminho para chegar lá, e a República Soviética do Brasil, pelo menos por enquanto, está se limitando a eliminar a liberdade política. (Na Rússia comunista, por exemplo, não havia, nem há, Parada Gay; também era preciso passaporte interno para ir de uma cidade à outra, e a lista telefônica de Moscou era segredo de Estado, entre outras curiosidades que só o comunismo foi capaz de criar.) 
Mas é exatamente para lá, um regime totalitário mais ao estilo do século 21 e fabricado basicamente com peças de produção nacional, que o país está indo. Faça uma pergunta simples: quem vai impedir, se são o STF e o Sistema “L” que escrevem as leis e decidem o que é legal e o que é ilegal?  
Não vão ser, com certeza, as Forças Armadas, que de cinco em cinco minutos declaram-se a favor da “legalidade”, ou seja, do que o consórcio STF-Lula diz que é a legalidade
De mais a mais, os comandantes militares estão a favor desse partido único que hoje governa o país; entregaram para a polícia, trancados em ônibus, os cidadãos que protestavam contra o resultado das eleições, em manifestação legítima, em frente ao QG do Exército em Brasília. 
 
Não será o Judiciário, que é apenas uma grande repartição pública comandada pelo STF. 
Não será, obviamente, o Congresso, que não existe mais como força política efetiva
Não serão os 150 milhões de brasileiros que estão ocupados o dia inteiro com a sua sobrevivência física, e não têm tempo para tratar de política. Em suma: não é ninguém.
 
Em que país sério do mundo, esses mesmos onde Lula faz “política externa” turística se hospedando em hotéis com diária de quase R$ 40 mil, o presidente, rei ou primeiro-ministro nomeia seu advogado pessoal para a Suprema Corte? Nem Stalin fez isso;
é verdade que ele não tinha advogado, e nunca precisou de um, mas o fato é que não fez. Lula, na verdade, governa sem nenhum freio — pois um dos freios, o Judiciário, é seu sócio no partido único, e o outro, que seria o Legislativo, não é capaz de frear nada, mesmo porque, quando tenta frear alguma coisa, o STF vem e diz que não vale. O resultado prático é que Lula compra sofás de R$ 65 mil para a decoração de sua residência — com dinheiro do pagador de impostos, é claro. 
Compra um novo Airbus para o seu transporte pessoal. Recebe em Brasília um ditador que tem a cabeça a prêmio por US$ 15 milhões, por tráfico internacional de drogas. Faz o que quer, e o que o STF deixa.
 
A união soviética brasileira não é um “copiar e colar” da antiga URSS; embora leve mais ou menos aos mesmos resultados, em termos de criar uma ditadura efetiva na vida pública, é basicamente coisa de construção tupiniquim, sem maiores filosofias políticas como o original em alemão. Não houve nenhuma revolução, nem a tomada do Palácio de Inverno ou a descida de Sierra Maestra. 
Sua chave é o acordo de acionistas entre o STF e o Poder Executivo, tal como ele é encarnado por Lula — juntos, governam o país sem nenhum tipo de concorrente ou de oposição capaz de impedir qualquer dos seus movimentos. 
Os ministros, para ficar só no mais grosso, eliminaram as leis brasileiras para tirar Lula da cadeia, onde cumpria pena pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e para anular todos os processos penais contra ele, de modo a possibilitar a sua candidatura à Presidência da República. 
 
Em seguida, através do TSE, comandaram a campanha mais escura, contestada e parcial da história eleitoral brasileira, com um sistema de urnas eletrônicas que não é utilizado em nenhuma democracia do planeta; contaram os votos e declararam que Lula tinha ganhado. 
Em troca, o Sistema “L” aceita tudo o que o Supremo quer que se faça, em qualquer área ou ocasião. 
Juntos, escolhem os novos integrantes do TSE, que passa a ser 100% controlado pelo consórcio, e combinam quem será o novo procurador-geral da República, o que elimina o Ministério Público como força independente na vida pública brasileira, conforme estabelecido na Constituição. 
São decisões tomadas em churrascos hermeticamente fechados e isolados do resto do mundo em Brasília, com a proibição da entrada de celulares no recinto. Que diabos de “instituições” resultam de um negócio desses?
 
Na verdade, as instituições e os deveres obrigatórios de uma república ou das verdadeiras democracias estão sendo eliminados, um depois do outro, pelas decisões tecnicamente legais do consórcio STF-Lula. O presidente, em meio à indiferença da população e à anestesia moral que marca o Brasil de hoje, nomeia o seu advogado pessoal para a vaga existente no STF — o seu advogado pessoal, nada menos que isso. 
A mídia, o mundo político e as classes intelectuais fingem que a nomeação é uma coisa normal, ou quase normal.  
Não chama a atenção de ninguém um fato muito simples: é impossível, no mundo das realidades, que o novo ministro tome qualquer decisão minimamente contrária aos interesses do presidente da República — ou alguém acredita, honestamente, que ele possa ser imparcial nas suas sentenças, como é exigência elementar de qualquer democracia decente? 
 
Há eleições no Brasil, mas também há o TSE e enquanto houver o TSE as eleições não valem nada, ou só valem o que a “Justiça Eleitoral” diz que valem. 
O TSE, hoje, é uma polícia política integralmente a serviço do governo. 
É uma aberração que consegue gastar R$ 10 bilhões por ano, mesmo nos anos em que não há eleição nenhuma, e não tem similar em nenhuma democracia séria do mundo — a começar pelo fato de que se dá o direito de cassar mandatos de deputados federais ou de quem lhe der na telha. Acaba de acontecer. 
Cassaram o mandato do deputado Deltan Dallagnol, por vingança pessoal de Lula, sem o mais remoto vestígio de legalidade; 
foi uma decisão de AI-5, com umas fumaças de procedimento jurídico que não enganariam uma criança com dez anos de idade. 
O resultado é que o consórcio anulou a decisão legítima dos eleitores do Paraná; pior ainda, nomeou de forma grosseira o novo ocupante da vaga que foi aberta pela cassação, colocando no lugar de Dallagnol, que teve 350 mil votos, um outro que teve 12 mil. 
Que tal, como limpeza, ou mera lógica, do sistema eleitoral?
Preparam-se, agora, para cassar os direitos políticos de Jair Bolsonaro, única e exclusivamente porque identificam nele um possível candidato que se opõe com chances de sucesso ao partido único STF-Lula. 
 
É uma medida preventiva, ou de back-up antecipado — estão agindo como se as próximas eleições presidenciais pudessem ser diferentes das de 2022, do ponto de vista operacional do TSE. 
De novo, como no caso do deputado Dallagnol, a proibição para Bolsonaro disputar eleições, ou ter qualquer participação na política brasileira, é 100% ilegal. 
A desculpa é que ele manifestou dúvidas sobre a perfeição do atual sistema de urnas eletrônicas, só adotado, além do Brasil, em dois países, Butão e Bangladesh. Poderia ser qualquer outra coisa: genocídio, assassinato de índios, quilombolas e gays, defesa da cloroquina. 
Como é possível, com um mínimo de racionalidade, tornar alguém inelegível porque ele disse que tinha dúvidas sobre um sistema de votação obviamente sujeito a todo tipo de dúvida? 
Antes disso, por um despacho do ministro Alexandre de Moraes, o STF cassou sem nenhuma formalidade legal o mandato do governador de Brasília. 
Depois devolveu, por outro despacho do mesmo Alexandre de Moraes — mas o governador, hoje, é capaz de jurar que o triângulo tem quatro lados, se os ministros assim quiserem.

Com o Congresso é o mesmo tipo de calamidade.  

O que adianta pagar R$ 14 bilhões por ano para manter um Congresso cujas leis podem ser anuladas a qualquer momento, e sem razão nenhuma, pelo Supremo? Não é só o marco temporal. 

Já foi a mesma coisa com a anulação da lei que determinava o cumprimento da pena em prisão fechada para réus condenados em segunda instância, o que tirou Lula do xadrez da Polícia Federal onde ficou trancado durante 20 meses.
Promete ser assim, daqui a pouco, com a lei, perfeitamente aprovada pelo Congresso, que tornou voluntário o pagamento do imposto sindical — o efeito imediato dessa lei, obviamente, foi que nenhum trabalhador brasileiro quis pagar mais. O que poderia representar com mais perfeição a vontade do povo?

 Mas Lula quer que o imposto volte a ser obrigatório, e o STF se prepara para atender a exigência.  

O ministro que foi encarregado de resolver o problema argumenta que hoje os “tempos são outros” — um raciocínio realmente espantoso, levando-se em conta que os tempos estão em mudança perpétua e, por via de consequência, nenhuma lei aprovada no passado é válida no presente. Fazer o quê? Esse Congresso Nacional que está aí não é capaz sequer de proteger os mandatos dos seus próprios deputados; não é capaz de nada. A “Mesa” da Câmara dos Deputados concordou oficialmente com a cassação de Dallagnol. Já havia concordado, não faz muito tempo, com a prisão por nove meses do deputado Daniel Silveira, também por ordem do ministro Moraes. 

É diretamente contra a lei. A Constituição diz que um deputado federal só pode ser preso em flagrante, e pela prática de crime inafiançável; Daniel Silveira não foi preso em flagrante nem cometeu nenhum crime inafiançável. E daí? Foi preso do mesmo jeito. 

 Aliás, está preso de novo hoje, desta vez por não usar a tornozeleira eletrônica que o ministro lhe impôs, apesar de ter recebido um indulto absolutamente legal do ex-presidente Bolsonaro; o STF, como nas leis aprovadas pelo Congresso, decidiu que o indulto não vale. Esperar o que, se o presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira, está disposto a assinar a cassação do seu próprio mandato, se receber ordem do STF? Não há nada a esperar.

 

Daniel Silveira | Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

A República Soviética do Brasil não acabou com a propriedade privada — e nem parece a ponto de acabar, quando se considera a ilimitada quantidade de propriedades estritamente privadas que os membros do consórcio têm

Também não tornou legal, pelo menos até agora, a coletivização da terra — apesar da paixão de Lula pelo movimento semiterrorista que invade propriedades rurais, destrói bens e pratica violência armada, sem que um único de seus agentes seja jamais incomodado pelo sistema judicial. Mas já organiza e hospeda, em Brasília, reuniões do seu próprio Comintern, a que hoje se dá o nome de “Foro de São Paulo” e que cobra inscrições em dólar. Está montando uma máquina estatal de estilo soviético, que só serve ao partido e está mais distante do povo brasileiro do que a Terra da Lua. O Ministério da Justiça, logo esse, já é comandado por um comunista de carne e osso; ele mesmo, aliás, já disse que é comunista “graças a Deus”. É para aí que vai a procissão.

Leia também O desastre vem mais devagar”

 

J. R.Guzzo, colunista - Revista Oeste 

 

 

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Entenda em oito pontos os recados de Bolsonaro no discurso da ONU -- O Globo, Claudia Antunes, editora de Mundo

Presidente reiterou posições conhecidas sobre Amazônia, direitos humanos, ideologia e relações internacionais

 O presidente Jair Bolsonaro abriu nesta terça-feira os debates gerais na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, sob pressão para tentar reverter a imagem negativa de seu governo no exterior. O discurso era cercado de expectativas, após o presidente brasileiro protagonizar polêmicas com outros líderes mundiais e a má repercussão dos incêndios na Amazônia. Veja quais foram os principais recados enviados por Bolsonaro em seu discurso. 
 
Ideológicos são os outros
Ao mesmo tempo em que atacava “sistemas ideológicos de pensamento” que, segundo ele, não “buscavam a verdade”, mas o "poder absoluto", Bolsonaro fez um discurso de alta carga ideológica, na qual atribuiu todos os males do Brasil e do mundo ao socialismo e à esquerda, sem fazer distinção entre a social-democracia e as ditaduras de partido único comunista. Já na abertura  — como já havia feito em seu discurso de posse e em outros pronunciamentos, incluindo na Casa Branca em março deste ano —, ele disse que assumiu um país “à beira do socialismo”. Como suposta evidência disso, citou os médicos cubanos que trabalhavam no programa Mais Médicos.

Sem chegar a usar a expressão “marxismo cultural”  — uma das favoritas dos seguidores do guru da direita Olavo de Carvalho, entre eles o chanceler Ernesto Araújo, seu filho Eduardo Bolsonaro e o assessor internacional do Planalto Filipe Martins, que o ajudaram a redigir o discurso  —, o presidente disse que a “ideologia se instalou” na cultura, na educação e na mídia, [tentando, sem êxito, até agora, apesar de algumas supremas e infundadas intervenções do STF.] dominando meios de comunicação, universidade e escolas, destruindo a família, a “inocência das crianças” e a fé em Deus. Atacou o “politicamente correto” e definiu a identidade sexual como puramente “biológica”

Por fim, criticou o que direita chama de “globalismo”, termo pejorativo para as instituições e tratados globais, afirmando que os nacionalismos e as soberanias não podem ser “apagadas” em nome de um “interesse global abstrato”. Pouco antes do discurso de Bolsonaro, ao abrir os debates da Assembleia Geral, o secretário-geral da ONU, António Guterres, que foi primeiro-ministro de Portugal pelo Partido Socialista, havia destacado que as crises internacionais devem ser resolvidas multilateralmente, mas sem interferências indevidas nas questões internas das nações.

Defesa da ditadura
De modo não explícito, ao mesmo tempo em que atacava a ditadura do Partido Comunista em Cuba e o regime venezuelano de Nicolás Maduro, Bolsonaro reiterou a defesa das ditaduras militares instaladas no Brasil e na maioria dos países da América Latina nos anos 1960. Disse que na época houve uma “guerra” contra supostos agentes cubanos na qual "civis e militares brasileiros" foram mortos, ignorando que o governo deposto em 1964 havia sido eleito e enfrentava tensões políticas internas decorrentes de demandas populares pela ampliação da democracia e por mais direitos sociais.
Por fim, não deixou de mencionar o Foro de São Paulo, uma obsessão de círculos da direita que costumam superestimar sua influência, e que é formado por mais de cem partidos políticos de várias correntes da esquerda e centro-esquerda.

Sem reconhecer aumento das queimadas
Ao falar da Amazônia, Bolsonaro não reconheceu o aumento das queimadas registrado  pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), atribuindo essas ocorrências ao “clima seco e aos ventos” desta época do ano, “que favorecem queimadas espontâneas e criminosas”. Disse que os índios também promovem queimadas, e que o Brasil é alvo de “ataques sensacionalistas” de “grande parte da mídia internacional”. "É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade", afirmou.

Sobre os povos indígenas, reiterou que não haverá mais demarcações de terras em seu governo. Citou as reservas ianomâmi e Raposa Terra do Sol, dizendo que a cobiça pelos depósitos de minerais nesses locais motiva as críticas ao seu governo, que, no entanto, já manifestou a intenção de abrir essas áreas à exploração. Bolsonaro também voltou a atacar organizações não governamentais que, segundo ele, "teimam em tratar nossos índios como verdadeiros homens das cavernas". 

Sem estender a mão a europeus Ao falar da Amazônia, Bolsonaro manteve o tom de confronto com líderes europeus como o francês Emmanuel Macron e a alemã Angela Merkel, que fizeram críticas ao desmatamento da Amazônia e a sua política ambiental. Sem mencioná-los pelo nome, disse que “um ou outro país embarcou nas mentiras da mídia” e se comportou “com espírito colonialista”. Disse que a França e a Alemanha exploram “mais de 50%” de suas terras para a agricultura, enquanto o Brasil preserva a maior parte do seu território. 

O presidente atacou, por duas vezes, o cacique Raoni, que esteve com Macron e o criticou em fóruns internacionais.  Bolsonaro, cujas políticas levaram ao bloqueio do Fundo Amazônia, mantido pela Noruega e a Alemanha, também disse “qualquer iniciativa de ajuda ou apoio” para a preservação da floresta deve “ser tratada em pleno respeito à soberania brasileira”. Na reunião do G7 na França, ao ser questionado sobre propostas de internacionalização da gestão da Amazônia, Macron disse que o debate existia e poderia ser travado no futuro, mas não estava posto no momento.

Preferência por Trump
O presidente americano, desde o início escolhido como aliado preferencial pelo governo Bolsonaro — e que também atacou o “globalismo” em seu discurso na ONU feito logo em seguida ao do brasileiro —, foi citado nominalmente no discurso, deferência também reservada ao argentino Mauricio Macri, que corre o risco de ser derrotado na eleição de 27 de outubro. Segundo o presidente, Donald Trump evitou que o G7, o grupo das sete maiores economias capitalistas, aprovasse sanções ao Brasil pelas queimadas na Amazônia. Na verdade, não houve proposta de sanções ao Brasil na última cúpula do grupo, na França, no final de agosto.

Defesa do livre comércio
Embora a economia brasileira demore a se recuperar da recessão iniciada em 2015, Bolsonaro traçou um quadro otimista dos efeitos da política econômica do seu governo, afirmando que a “economia está reagindo” ao “romper os vícios e as amarras  de quase duas décadas de irresponsabilidade fiscal, aparelhamento do Estado e corrupção generalizada”. Destacou seu compromisso com a "liberdade econômica", dizendo que "o livre mercado, as concessões e as privatizações" já se fazem presentes no Brasil hoje, embora governos anteriores também tenham privatizado e concedido ao setor privado a exploração de recursos naturais e serviços públicos, como rodovias, aeroportos e fornecimento de eletricidade.

O presidente fez uma defesa da abertura da economia, congratulando-se pelos acordos firmados "em apenas oito meses" entre o Mercosul e a União Europeia e entre o bloco sul-americano e a Área Europeia de Livre Comércio, embora esses tratados já viessem sendo negociados nos governos anteriores. A ratificação desses acordos de livre comércio, no entanto, pode ser dificultada se o governo brasileiro mantiver a tensão no relacionamento com dirigentes europeus. 

Direitos humanos e a polícia
Bolsonaro disse que tem “compromisso intransigente” com os direitos humanos, mas que esse compromisso “caminha junto com o combate à corrupção e à criminalidade”. Quatro dias depois da morte da menina Ágatha, de oito anos, atingida por um tiro disparado pela polícia no Complexo do Alemão, no Rio, o presidente destacou a morte de policiais militares decorrente da violência criminosa, mas não a de civis. No início de setembro, o brasileiro atacou a comissária de Direitos Humanos da ONU, a chilena Michelle Bachelet, depois que ela apontou, em entrevista, o aumento dos homicídios cometidos pelas polícias dos estados do Rio e de São Paulo. [quando a polícia se torna mais eficiente é natural que mate mais = polícia nas rua é mais bandido presou e/ou na vala.]

Ao falar do combate ao crime, o presidente destacou a extradição do italiano Cesare Battisti, ex-militante de um grupo armado de extrema esquerda, e de três opositores paraguaios que tiveram seu status de refugiados no Brasil revogado, chamando-os indistintamente de "terroristas". Não mencionou que o país tem uma longa tradição de asilo, que beneficiou pessoas de diferentes ideologias, incluindo o ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner.

Nesse item, Bolsonaro voltou a citar presidentes anteriores do Brasil que desfrutavam de maior prestígio internacional do que o dele. Mencionou a "segurança e a coragem" de Sergio Moro por ter julgado e punido ex-presidentes, que segundo ele eram aplaudidos na ONU sem nunca terem atendido "os reais interesses do Brasil" nem contribuído "para a estabilidade mundial".
 
E MAIS:
Bolsonaro na ONU: ‘Repercussão ruim entre adversários é sinal que discurso foi muito bom’, diz Augusto Heleno
 
Aceno aos militares
Bolsonaro fez um aceno específico aos militares ao falar da participação do Brasil em missões de paz das Nações Unidas no Haiti, no Líbano e na República Democrática do Congo. Não mencionou que todos os postos de destaque obtidos pelo Brasil nessas missões foram negociados em governos anteriores ao seu, e que sua intenção de classificar o Hezbollah como "terrorista" pode pôr em risco o papel do Brasil no país do Oriente Médio, onde o movimento xiita participa do governo.

O presidente disse que os contingentes brasileiros “são reconhecidos pela qualidade do seu trabalho e pelo respeito à população” e que o país continuará contribuindo para as missões de paz, mencionando a experiência brasileira no treinamento e na capacitação de tropas. Integrantes do seu governo, como Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, lideraram forças de paz da ONU. Heleno também participou da redação do discurso de Bolsonaro na ONU. 

O Globo