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domingo, 25 de junho de 2023

Os meninos precisam de um caminho para a masculinidade - Ideias

Hadley Heath Manning - National Review

Dizem que "meninos serão meninos", mas dizem isso com desdém. 
Não queremos que os meninos sejam apenas meninos quando a infância masculina é associada a comportamentos ruins, imaturidade, bagunça e barulheira. 
Da mesma forma, a mensagem da sociedade sobre o que realmente queremos para os homens adultos e o que esperamos deles frequentemente é confusa e muitas vezes negativa.
 
Precisamos mudar isso se quisermos abordar a crise masculina. Os homens estão ficando para trás em relação às mulheres — e em relação aos homens de gerações anteriores — em educação, trabalho e vida. 
Hoje em dia, mais homens estão deprimidos, incapacitados, isolados, violentos e viciados do que nunca. Na cultura e na política, os Estados Unidos têm se preocupado com a pergunta "O que é uma mulher?" Mas, igualmente importante, precisamos ser capazes de articular a resposta para a pergunta "O que é um homem?" e, mais especificamente, para as perguntas "O que é um homem bom?" e "Como é possível se tornar um?".
 

 Meninos disputando o Lima Games Week, em Lima, no Peru, no ano 2019| Foto: EFE/Mikhail Huacán

Estou interessada em soluções para a crise masculina porque sou esposa de um homem e mãe de um menino. E entendo que os interesses de homens e mulheres estão interligados. Mas, fora isso, não sou especialista em masculinidade ou em como renová-la.

Então busquei o conselho de dois homens ao escrever este artigo, e não são homens quaisquer, mas estudiosos dos problemas enfrentados pelos homens: Richard Reeves, autor do livro recente "Of Boys and Men" [Sobre meninos e homens, em tradução livre], e Brad Wilcox, diretor do Projeto Nacional do Casamento, da Universidade de Virginia. Tanto Reeves quanto Wilcox enfatizam que não há uma única solução para a crise masculina. Reeves argumenta que os problemas enfrentados pelos homens (e as soluções) — na educação, renda, relacionamentos e saúde mental — estão "interligados". Wilcox também prescreve diversas reformas.

Os dois estudiosos também concordam com a tese de que precisamos, além de reformas de políticas concretas, de uma mudança na narrativa. E não basta categorizar a masculinidade como "tóxica" ou "saudável". Isso não é útil. Reeves coloca dessa forma: "Para os homens, parece que a esquerda está dizendo para serem mais como suas irmãs, e a direita está dizendo para serem mais como seus pais".

Para pessoas com pais maravilhosos (como o meu), a segunda prescrição não soa tão ruim. Mas se isso for um direcionado para um estereótipo ultrapassado de masculinidade emocionalmente distante ou dominadora, então sim, devemos nos afastar disso. A questão é: como podemos oferecer aos homens uma terceira opção, uma visão renovada de seu papel único?

Isso começa com a aceitação de que as diferenças de gênero são inerentes, não meramente construções sociais. Não podemos simplesmente mudar a forma como socializamos os meninos e esperar que seja uma solução milagrosa. Em vez disso, precisamos direcionar as inclinações naturais e os desejos dos meninos para o bem, tanto individual quanto coletivo.

Os homens precisam de uma missão. "Para o cara comum, não há missão mais importante do que ser marido e pai", observa Wilcox. "Portanto, se pudéssemos aumentar a proporção de homens jovens que estão se casando e tendo filhos, isso daria a muitos caras comuns esse senso de missão e propósito que frequentemente lhes falta".

Uma maneira de fazer isso, segundo Wilcox, é contar uma história mais verdadeira e positiva sobre o efeito do casamento e da vida familiar nos homens. Conservadores criticaram Reeves por enfatizar menos o casamento. Ele acredita que o foco deveria ser mais na criação dos filhos e na paternidade (e que isso também traria bons resultados para o casamento e para os homens). "Meu medo é que, para a direita, a mensagem às vezes pareça ser 'Sim, os pais são importantes, desde que estejam casados'", diz Reeves. E a mensagem para os homens não casados é "'Você já falhou'. Mas igualmente, para a esquerda, há essa sensação de 'Os pais importam?'"

Parece que a solução aqui exigirá que as pessoas de direita pensem de forma criativa e inclusiva sobre os milhões de pessoas que não estão em lares de casais casados. Sem dúvida, seria melhor se mais homens se casassem (e permanecessem casados) com as mães de seus filhos. Essa é uma mudança cultural de longo prazo pela qual vale a pena lutar. Mas ainda podemos trabalhar para encorajar (ou exigir) que muitos homens que não fizeram isso assumam a responsabilidade como pais e elogiar aqueles que o fazem.

A solução exigirá que as pessoas de esquerda enfrentem a realidade de que mães e pais importam. Mães e pais não são intercambiáveis; assim como mulheres e homens.

Recentemente, houve muito foco nos espaços para mulheres: esportes femininos, fraternidades, prisões, abrigos, banheiros, vestiários. Entendemos que a privacidade e a segurança das mulheres são importantes e que, quando homens invadem os espaços das mulheres, é uma violação. Mas espaços exclusivos para um único sexo têm a ver com mais do que privacidade e segurança. Eles se tratam de trazer certos comportamentos — e uma certa autenticidade — em homens e mulheres, ou meninos e meninas, que não se manifestam em grupos ou espaços mistos. Escolas, clubes e organizações exclusivamente para um único sexo podem atender às forças, necessidades e características de cada sexo.

Espaços exclusivamente masculinos — incluindo escoteiros e organizações cívicas, equipes esportivas, grupos religiosos, fraternidades e clubes — são tão importantes para os homens quanto os espaços exclusivamente femininos são para as mulheres. Historicamente, a exclusão das mulheres de certos espaços caminhou lado a lado com a exclusão de oportunidades educacionais ou no mercado de trabalho. Podemos ter espaços exclusivamente masculinos sem ser injustos com as mulheres? Precisamos encontrar uma maneira, ou estaremos falhando com os homens.

Reeves descreve o que ele percebe como apoio a espaços exclusivamente femininos "quase sagrados" e desconfiança em relação a espaços exclusivamente masculinos, e afirma que essa assimetria não é mais defensável. Ele chama a integração dos Escoteiros de "um momento cultural interessante e infeliz" e enfatiza que esportes exclusivamente masculinos e outras atividades extracurriculares podem ser uma boa saída para os meninos.

Os homens continuarão buscando espaços exclusivamente masculinos ou dominados por homens, mesmo à medida que as opções tradicionais diminuem. Isso significa que, hoje, muitos homens ou meninos são atraídos para comunidades online que são predominantemente masculinas, como os videogames, o fórum conspiracionista e, às vezes, preconceituoso 4chan, ou o canal misógino de Andrew Tate no TikTok.

Embora muitas pessoas considerem a tecnologia e as mídias sociais como pragas particulares para adolescentes mulheres (e realmente são), Wilcox destaca como o aumento do tempo que os jovens homens passam jogando videogame está contribuindo para seu declínio. Quanto mais tempo os adolescentes ou jovens adultos do sexo masculino passam jogando videogame, menos tempo dedicam a atividades que os ajudam a se desenvolver como homens fisicamente e mentalmente saudáveis. Como pais, podemos combater isso limitando o tempo que nossos filhos — e nós mesmos! — passam olhando para telas e redirecionando-os e a nós mesmos para atividades mais saudáveis.

Em última análise, os homens não estão encontrando verdadeiros vínculos masculinos online. Assim como as mulheres também sabem, as redes sociais são um substituto pobre para a amizade na vida real. Hoje, todos estão mais solitários do que nas gerações anteriores, mas a amizade masculina está especialmente em crise.

De acordo com o Centro de Pesquisa sobre a Vida Americana, a porcentagem de homens com pelo menos seis amigos próximos caiu pela metade entre 1990 e 2021, de 55% para 27%. A porcentagem de homens sem amigos próximos aumentou de 3% para 15%, um crescimento de cinco vezes. E entre os homens solteiros, até um em cada cinco relata não ter amigos. Essa falta de conexão social representa uma mudança alarmante. O isolamento social está associado a uma infinidade de efeitos negativos na saúde e na saúde mental, e pode também ajudar a explicar por que os homens são mais propensos a cometer crimes violentos e se envolver em outros comportamentos antissociais.

A solução para a epidemia de solidão não é fácil. A longo prazo, precisamos de melhores instituições comunitárias para promover a conexão social. Mas, a curto prazo, todos podemos cuidar dos homens e meninos em nossas vidas e incentivá-los a fazer coisas como... jogar boliche, mas não sozinhos.

A maioria das "soluções" para a crise masculina são culturais e relacionadas à criação dos filhos, não políticas. No entanto, existem mudanças políticas concretas que as instituições governamentais, especialmente as escolas, podem fazer para melhorar a situação dos homens e meninos.

 Reeves recomenda que os meninos comecem a frequentar a escola um ano depois. Isso daria mais tempo para o desenvolvimento de seus cérebros e poderia melhorar os resultados acadêmicos dos meninos. De fato, muitas famílias com condições financeiras para isso já estão fazendo seus filhos atrasarem o início do jardim de infância, na esperança de lhes dar uma vantagem na escola.

Ele também recomenda que façamos mais para recrutar e reter professores do sexo masculino, devido ao efeito positivo que têm sobre os alunos do sexo masculino. Wilcox menciona incentivar os professores e administradores a dedicarem mais tempo para o recreio e movimento físico, adotar mais conteúdo que atraia os meninos, fazer menos trabalho em grupo e oferecer mais projetos que apelem para os instintos competitivos dos meninos.

Reeves e Wilcox concordam que as escolas também podem fazer mais quando se trata de treinamento vocacional. Muitos alunos, incluindo muitos meninos, não têm a intenção de ir para a faculdade, mas poderiam aprender habilidades difíceis e comercializáveis, como soldagem, carpintaria ou eletricidade, ainda no ensino médio.

No entanto, os resultados das reformas educacionais de qualquer tipo levarão décadas para se concretizarem. O que pode ser feito agora para ajudar mais homens a voltarem ao jogo quando se trata de trabalho estável e produtivo (o que está associado a uma melhor saúde mental, estabilidade financeira, capacidade de se casar e inúmeros outros benefícios)?

Wilcox argumenta que nossos programas de assistência social devem ser reformados. Nos últimos anos, houve um aumento alarmante no número de homens recebendo benefícios por incapacidade. Embora devamos sempre trabalhar para garantir que aqueles que não podem cuidar de si mesmos não sejam abandonados à pobreza extrema, também devemos proteger a rede de segurança social contra abusos.

Isso é importante não apenas para os contribuintes, mas também para os homens (e mulheres) que se beneficiariam do trabalho remunerado. Implementando melhores testes de elegibilidade para benefícios por incapacidade e oferecendo melhores oportunidades de transição dos programas sociais para o emprego remunerado, podemos ajudar a reverter a tendência de menor participação da força de trabalho entre os homens.

A solução — ou o tema predominante nas diversas soluções — para a crise masculina está em apreciar o que torna os homens homens e traçar um caminho claro para a masculinidade moderna.

Para os especialistas e decisores políticos, embora possa haver algumas divergências profundas entre a esquerda e a direita em relação a sexo e gênero, parece que existem áreas de acordo, como o valor da educação profissionalizante. Para pais e esposas, como eu, há motivos para esperança, especialmente devido à atenção que essa questão está recebendo. As pessoas realmente parecem se importar. Embora as mulheres e as meninas tenham sido historicamente marginalizadas, há um reconhecimento cada vez maior de que homens e meninos também podem ser vítimas de mudanças culturais, econômicas e políticas.

O primeiro passo para melhorar a vida dos meninos é aceitar e até celebrar o que os torna meninos. Afinal, isso faz parte da diversidade da humanidade. Algumas crianças são mais barulhentas, desarrumadas e propensas a correr riscos do que outras. Muitas delas são meninos.

Então, deixe os meninos serem meninos. E ame-os por isso.

Hadley Heath Manning é vice-presidente de políticas do Independent Women's Forum.

Original em inglês.
© 2023 National Review. Publicado com permissão.

Transcrito de Gazeta do Povo - Ideias

 

sábado, 17 de junho de 2023

A caminho de um Brasil sem povo - J. R. Guzzo

 Revista Oeste

Juntos, o STF e o Poder Executivo governam o país sem nenhum tipo de concorrente ou de oposição capaz de impedir qualquer dos seus movimentos

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

O Brasil, dia após dia, está se transformando num país soviético. Com o consórcio formado pelo Supremo Tribunal Federal e as facções que dão suporte ao presidente da República, o Brasil, cada vez mais, só tem governo — não tem população
Como na Rússia comunista, e em todos os regimes que surgiram à sua semelhança, de Cuba à China, o país está a caminho de ficar sem instituições; elas não foram eliminadas oficialmente, mas cada vez valem menos. Os cargos públicos que têm influência real na máquina do Estado vão sendo ocupados, a cada escolha, por aliados que o consórcio impõe. Na prática, há um regime de partido único, a sociedade Lula-STF — os outros partidos fazem alguns ruídos, mas não conseguem controlar nem uma CPI que eles mesmos propõem, e podem ser multados em R$ 22 milhões se apresentarem uma petição à Justiça suprema. 
 
Há um Congresso Nacional; na Rússia soviética também havia. 
Mas as leis aprovadas pelos deputados são simplesmente anuladas pelo STF, na hora em que ele quer, e seja o assunto que for
É o que está acontecendo com a lei sobre terras indígenas, aprovada na Câmara por 283 votos a 155, mas a caminho de ser declarada nula pelos ministros — como a Lei nº 14.950, sobre o mesmo assunto. 
A maior parte da imprensa se dedica à adoração de Lula, do seu governo e do ministro Alexandre de Moraes. 
Funciona, na vida real, como um grande Pravda, escrito e falado em português — e muitas vezes em mau português.

Luiz Inácio Lula da Silva, Alexandre de Moraes e Rosa Weber (12/12/2022) | Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

Ainda falta um bom caminho para chegar lá, e a República Soviética do Brasil, pelo menos por enquanto, está se limitando a eliminar a liberdade política. (Na Rússia comunista, por exemplo, não havia, nem há, Parada Gay; também era preciso passaporte interno para ir de uma cidade à outra, e a lista telefônica de Moscou era segredo de Estado, entre outras curiosidades que só o comunismo foi capaz de criar.) 
Mas é exatamente para lá, um regime totalitário mais ao estilo do século 21 e fabricado basicamente com peças de produção nacional, que o país está indo. Faça uma pergunta simples: quem vai impedir, se são o STF e o Sistema “L” que escrevem as leis e decidem o que é legal e o que é ilegal?  
Não vão ser, com certeza, as Forças Armadas, que de cinco em cinco minutos declaram-se a favor da “legalidade”, ou seja, do que o consórcio STF-Lula diz que é a legalidade
De mais a mais, os comandantes militares estão a favor desse partido único que hoje governa o país; entregaram para a polícia, trancados em ônibus, os cidadãos que protestavam contra o resultado das eleições, em manifestação legítima, em frente ao QG do Exército em Brasília. 
 
Não será o Judiciário, que é apenas uma grande repartição pública comandada pelo STF. 
Não será, obviamente, o Congresso, que não existe mais como força política efetiva
Não serão os 150 milhões de brasileiros que estão ocupados o dia inteiro com a sua sobrevivência física, e não têm tempo para tratar de política. Em suma: não é ninguém.
 
Em que país sério do mundo, esses mesmos onde Lula faz “política externa” turística se hospedando em hotéis com diária de quase R$ 40 mil, o presidente, rei ou primeiro-ministro nomeia seu advogado pessoal para a Suprema Corte? Nem Stalin fez isso;
é verdade que ele não tinha advogado, e nunca precisou de um, mas o fato é que não fez. Lula, na verdade, governa sem nenhum freio — pois um dos freios, o Judiciário, é seu sócio no partido único, e o outro, que seria o Legislativo, não é capaz de frear nada, mesmo porque, quando tenta frear alguma coisa, o STF vem e diz que não vale. O resultado prático é que Lula compra sofás de R$ 65 mil para a decoração de sua residência — com dinheiro do pagador de impostos, é claro. 
Compra um novo Airbus para o seu transporte pessoal. Recebe em Brasília um ditador que tem a cabeça a prêmio por US$ 15 milhões, por tráfico internacional de drogas. Faz o que quer, e o que o STF deixa.
 
A união soviética brasileira não é um “copiar e colar” da antiga URSS; embora leve mais ou menos aos mesmos resultados, em termos de criar uma ditadura efetiva na vida pública, é basicamente coisa de construção tupiniquim, sem maiores filosofias políticas como o original em alemão. Não houve nenhuma revolução, nem a tomada do Palácio de Inverno ou a descida de Sierra Maestra. 
Sua chave é o acordo de acionistas entre o STF e o Poder Executivo, tal como ele é encarnado por Lula — juntos, governam o país sem nenhum tipo de concorrente ou de oposição capaz de impedir qualquer dos seus movimentos. 
Os ministros, para ficar só no mais grosso, eliminaram as leis brasileiras para tirar Lula da cadeia, onde cumpria pena pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e para anular todos os processos penais contra ele, de modo a possibilitar a sua candidatura à Presidência da República. 
 
Em seguida, através do TSE, comandaram a campanha mais escura, contestada e parcial da história eleitoral brasileira, com um sistema de urnas eletrônicas que não é utilizado em nenhuma democracia do planeta; contaram os votos e declararam que Lula tinha ganhado. 
Em troca, o Sistema “L” aceita tudo o que o Supremo quer que se faça, em qualquer área ou ocasião. 
Juntos, escolhem os novos integrantes do TSE, que passa a ser 100% controlado pelo consórcio, e combinam quem será o novo procurador-geral da República, o que elimina o Ministério Público como força independente na vida pública brasileira, conforme estabelecido na Constituição. 
São decisões tomadas em churrascos hermeticamente fechados e isolados do resto do mundo em Brasília, com a proibição da entrada de celulares no recinto. Que diabos de “instituições” resultam de um negócio desses?
 
Na verdade, as instituições e os deveres obrigatórios de uma república ou das verdadeiras democracias estão sendo eliminados, um depois do outro, pelas decisões tecnicamente legais do consórcio STF-Lula. O presidente, em meio à indiferença da população e à anestesia moral que marca o Brasil de hoje, nomeia o seu advogado pessoal para a vaga existente no STF — o seu advogado pessoal, nada menos que isso. 
A mídia, o mundo político e as classes intelectuais fingem que a nomeação é uma coisa normal, ou quase normal.  
Não chama a atenção de ninguém um fato muito simples: é impossível, no mundo das realidades, que o novo ministro tome qualquer decisão minimamente contrária aos interesses do presidente da República — ou alguém acredita, honestamente, que ele possa ser imparcial nas suas sentenças, como é exigência elementar de qualquer democracia decente? 
 
Há eleições no Brasil, mas também há o TSE e enquanto houver o TSE as eleições não valem nada, ou só valem o que a “Justiça Eleitoral” diz que valem. 
O TSE, hoje, é uma polícia política integralmente a serviço do governo. 
É uma aberração que consegue gastar R$ 10 bilhões por ano, mesmo nos anos em que não há eleição nenhuma, e não tem similar em nenhuma democracia séria do mundo — a começar pelo fato de que se dá o direito de cassar mandatos de deputados federais ou de quem lhe der na telha. Acaba de acontecer. 
Cassaram o mandato do deputado Deltan Dallagnol, por vingança pessoal de Lula, sem o mais remoto vestígio de legalidade; 
foi uma decisão de AI-5, com umas fumaças de procedimento jurídico que não enganariam uma criança com dez anos de idade. 
O resultado é que o consórcio anulou a decisão legítima dos eleitores do Paraná; pior ainda, nomeou de forma grosseira o novo ocupante da vaga que foi aberta pela cassação, colocando no lugar de Dallagnol, que teve 350 mil votos, um outro que teve 12 mil. 
Que tal, como limpeza, ou mera lógica, do sistema eleitoral?
Preparam-se, agora, para cassar os direitos políticos de Jair Bolsonaro, única e exclusivamente porque identificam nele um possível candidato que se opõe com chances de sucesso ao partido único STF-Lula. 
 
É uma medida preventiva, ou de back-up antecipado — estão agindo como se as próximas eleições presidenciais pudessem ser diferentes das de 2022, do ponto de vista operacional do TSE. 
De novo, como no caso do deputado Dallagnol, a proibição para Bolsonaro disputar eleições, ou ter qualquer participação na política brasileira, é 100% ilegal. 
A desculpa é que ele manifestou dúvidas sobre a perfeição do atual sistema de urnas eletrônicas, só adotado, além do Brasil, em dois países, Butão e Bangladesh. Poderia ser qualquer outra coisa: genocídio, assassinato de índios, quilombolas e gays, defesa da cloroquina. 
Como é possível, com um mínimo de racionalidade, tornar alguém inelegível porque ele disse que tinha dúvidas sobre um sistema de votação obviamente sujeito a todo tipo de dúvida? 
Antes disso, por um despacho do ministro Alexandre de Moraes, o STF cassou sem nenhuma formalidade legal o mandato do governador de Brasília. 
Depois devolveu, por outro despacho do mesmo Alexandre de Moraes — mas o governador, hoje, é capaz de jurar que o triângulo tem quatro lados, se os ministros assim quiserem.

Com o Congresso é o mesmo tipo de calamidade.  

O que adianta pagar R$ 14 bilhões por ano para manter um Congresso cujas leis podem ser anuladas a qualquer momento, e sem razão nenhuma, pelo Supremo? Não é só o marco temporal. 

Já foi a mesma coisa com a anulação da lei que determinava o cumprimento da pena em prisão fechada para réus condenados em segunda instância, o que tirou Lula do xadrez da Polícia Federal onde ficou trancado durante 20 meses.
Promete ser assim, daqui a pouco, com a lei, perfeitamente aprovada pelo Congresso, que tornou voluntário o pagamento do imposto sindical — o efeito imediato dessa lei, obviamente, foi que nenhum trabalhador brasileiro quis pagar mais. O que poderia representar com mais perfeição a vontade do povo?

 Mas Lula quer que o imposto volte a ser obrigatório, e o STF se prepara para atender a exigência.  

O ministro que foi encarregado de resolver o problema argumenta que hoje os “tempos são outros” — um raciocínio realmente espantoso, levando-se em conta que os tempos estão em mudança perpétua e, por via de consequência, nenhuma lei aprovada no passado é válida no presente. Fazer o quê? Esse Congresso Nacional que está aí não é capaz sequer de proteger os mandatos dos seus próprios deputados; não é capaz de nada. A “Mesa” da Câmara dos Deputados concordou oficialmente com a cassação de Dallagnol. Já havia concordado, não faz muito tempo, com a prisão por nove meses do deputado Daniel Silveira, também por ordem do ministro Moraes. 

É diretamente contra a lei. A Constituição diz que um deputado federal só pode ser preso em flagrante, e pela prática de crime inafiançável; Daniel Silveira não foi preso em flagrante nem cometeu nenhum crime inafiançável. E daí? Foi preso do mesmo jeito. 

 Aliás, está preso de novo hoje, desta vez por não usar a tornozeleira eletrônica que o ministro lhe impôs, apesar de ter recebido um indulto absolutamente legal do ex-presidente Bolsonaro; o STF, como nas leis aprovadas pelo Congresso, decidiu que o indulto não vale. Esperar o que, se o presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira, está disposto a assinar a cassação do seu próprio mandato, se receber ordem do STF? Não há nada a esperar.

 

Daniel Silveira | Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

A República Soviética do Brasil não acabou com a propriedade privada — e nem parece a ponto de acabar, quando se considera a ilimitada quantidade de propriedades estritamente privadas que os membros do consórcio têm

Também não tornou legal, pelo menos até agora, a coletivização da terra — apesar da paixão de Lula pelo movimento semiterrorista que invade propriedades rurais, destrói bens e pratica violência armada, sem que um único de seus agentes seja jamais incomodado pelo sistema judicial. Mas já organiza e hospeda, em Brasília, reuniões do seu próprio Comintern, a que hoje se dá o nome de “Foro de São Paulo” e que cobra inscrições em dólar. Está montando uma máquina estatal de estilo soviético, que só serve ao partido e está mais distante do povo brasileiro do que a Terra da Lua. O Ministério da Justiça, logo esse, já é comandado por um comunista de carne e osso; ele mesmo, aliás, já disse que é comunista “graças a Deus”. É para aí que vai a procissão.

Leia também O desastre vem mais devagar”

 

J. R.Guzzo, colunista - Revista Oeste 

 

 

sexta-feira, 25 de março de 2022

A vaga em disputa - Alon Feuerwerker

Análise Política

As possibilidades eleitorais de Jair Bolsonaro estão bastante vinculadas à sensibilidade popular sobre a economia.  
Qual é risco principal para o presidente? 
Um repique inflacionário provocado pelos efeitos globais da crise russo-ucraniana. 
Isso levaria o Banco Central a um reaperto na política monetária e chegaríamos às eleições com a atividade em provável retração ou estagnação.

E com a possibilidade real de uma combinação momentânea de pasmaceira econômica e forte pressão nos preços. Um cenário ideal para quem está na oposição e representa a mudança. [mudança??? a quase totalidade dos vermes que pensam ter alguma chance de vencerem as eleições presidenciais de outubro próximo, representam o pior que há no que não presta para o Brasil = começando pelo maior ladrão, o descondenado luladrão.]

Seria menos complicado para Bolsonaro se ele tivesse gordura eleitoral para queimar. Não é o caso. Hoje, quem pode se dar ao luxo é Luiz Inácio Lula da Silva, cujo principal oxigênio é o “no tempo dele eu vivia melhor”. O que tampouco teria o mesmo impacto caso o atual presidente estivesse mais bem apetrechado para argumentar que enfrentou, e ainda vem enfrentando, mais de dois anos de pandemia e agora uma guerra na Europa com repercussão planetária. [DEUS é brasileiro e não abrirá espaço para os ateus que ousam pretender substituir o nosso presidente;  FATOS dispensam apetrechos para sustentar argumentos =  a pandemia está indo embora e as vacinas (continuamos favoráveis às vacinas e graças a elas muitos dos nossos, maioria do século passado, segunda metade, se livraram de várias doenças) continuam sendo essenciais para  que a imunidade de rebanho, defendida desde sempre pelo nosso presidente, se estabeleça e sepulte de vez a peste maldita = VOTOS para BOLSONARO;
A guerra na Europa - apesar dos malefícios que causa aos diretamente envolvidos, especialmente os que padecem da péssima condução do Zelensky, pelo menos até agora, apesar dos desejos dos inimigos do presidente = corja do establishment + adeptos do quanto pior melhor = inimigos do Brasil, tem sido favorável à economia brasileira = dólar em queda, maiores facilidade para abertura de jazidas de potássio em áreas que logo serão disponibilizadas para exploração, tudo = (+) VOTOS para Bolsonaro.
O mais importante é que no segundo mandato o capitão vai realizar o que está pendente deste o inicio do em curso = melhoras para o Brasil e milhões de brasileiros.]

Perto disso a crise de 2008/09 foi, agora sim, uma marolinha.

Bolsonaro está até o momento contido no eleitorado mais fiel, suficiente para levá-lo ao segundo turno mas não para ganhar. Um eleitor oscilante, que certo dia votou no PT e em 2018 mudou de ideia, anda aparentemente tentado a fazer o caminho de volta. A dúvida é o que levaria esse voto a reverter a tendência momentânea e reafirmar a opção adotada em 2018. É a pergunta, como se diz, de um milhão.

Se Bolsonaro deixar a pressão dos preços dos combustíveis correr livre, com a óbvia repercussão inflacionária, estará concretando a estrada para Lula. Verdade que as pesquisas mostram um eleitor dividido quanto à responsabilidade pela alta na gasolina e no diesel, mas não importa: governos existem para resolver problemas, os criados por ele próprio ou por terceiros. Se o time tem dificuldades, a culpa será sempre do treinador.

Vamos ver como o presidente se sai. Lula continua tentando abocanhar ex-adversários e trazer de volta quem um dia foi aliado e deixou de ser. A favor da tática, as dificuldades do incumbente. Mas, como este não está fora da disputa e ainda por cima detém o governo, não é tão simples assim. Os profissionais da política, inclusive o próprio Lula, têm plena consciência de um jogo ainda sendo jogado.

E os demais? Continuam presos à armadilha de acreditar que há um largo contingente de votos “nem Lula, nem Bolsonaro”. Todas as pesquisas mostram que essa fatia gira em torno de 15%, mas quando a fé é forte os fatos objetivos enfrentam alguma dificuldade para prevalecer. O resultado prático é que a terceira via, ao insistir na tática, deixa aberto para o presidente o caminho de apresentar-se como o único e autêntico “anti-Lula”.

Pois a vaga em disputa para ir ao segundo turno não é a do “nem-nem”, é a dos que não querem a volta do ex-presidente. A chance de um terceiro está em provar que se sairá melhor que Bolsonaro no mano a mano com Lula.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

Publicado na revista Veja de 30 de março de 2022, edição nº 2.782

 

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

O Supremo e seu novo “Ministério da Verdade” - Gazeta do Povo

Editorial - Gazeta do Povo

Quando, dias atrás, descrevemos a perseguição atual à liberdade de expressão no Brasil como uma mistura de Kafka e Orwell, acabava de vir a público a mais recente ação do Supremo Tribunal Federal para confirmar a avaliação. Em portaria datada de 27 de agosto e publicada no dia 30, a corte investe ainda mais na novilíngua e institui o seu próprio “Ministério da Verdade”, chamado eufemisticamente de “Programa de Combate à Desinformação (PCD)” e que mantém todos os vícios de que tratamos em ocasiões anteriores, especialmente a confusão conceitual e formal que confunde diferentes tipos de manifestação e os considera todos passíveis de criminalização ou repressão.

LEIA TAMBÉM: O que muda no Imposto de Renda após as alterações feitas pela Câmara

Percebe-se, já nos “considerandos”, que o Supremo já define de forma muito aberta o que gostaria de combater. Cita três vezes a “desinformação”, dando a entender que a preocupação da corte está na difusão de afirmações factuais falsas a respeito da atuação do Supremo; mas também menciona o “combate ao discurso de ódio contra instituições públicas”. Ora, “discurso de ódio”, como bem se sabe, se tornou uma “versão negativa” do que o filósofo Alfonso López Quintás chamou de “palavras-talismã”, conceitos vagos em nome dos quais se pode tudo, como “liberdade” e “progresso”. Basta caracterizar algo – qualquer crítica, por mais polida ou sensata que seja – como “discurso de ódio” para que se justifique sua supressão, como bem demonstra a “cultura do cancelamento” atual, que já é suficientemente distópica quando exercida por particulares, mas que ganha contornos totalitários quando passa a envolver a mão do Estado.

STF quer usar monitoramento para combater a “desinformação” e o “discurso de ódio” – e quem definirá o que é “narrativa odiosa” será, certamente, o próprio Supremo

E quem, afinal, define o que são “narrativas odiosas à imagem e à credibilidade da Instituição, de seus membros e do Poder Judiciário”? Quem mais, a não ser os próprios ministros do Supremo Tribunal Federal? E bem sabemos quais são os critérios dos membros da corte, que ameaçam de prisão quem chama o Supremo de “uma vergonha”, ou que buscam destruir a carreira de membros do Ministério Público que criticam decisões – decisões, e não pessoas, que fique claro – bastante criticáveis da corte. A julgar pelo retrospecto, qualquer crítica legítima, seja formulada em termos brandos ou de forma mais incisiva, será classificada como “discurso de ódio” se ferir os brios dos ministros.

Para bem identificar os “ataques” ao Supremo, o PCD investirá pesadamente em monitoramento – foi este o termo óbvio que o Supremo quis evitar quando mencionou o “desenvolvimento e aquisição de recursos de tecnologia da informação para identificação mais célere de práticas de desinformação e discursos de ódio”, mas, no fundo, é disso que se trata. Em outras palavras, o dinheiro do contribuinte brasileiro será usado para que o STF rastreie mais rapidamente o que se fala dele, para que se tomem as devidas providências.
E que providências serão essas? Diz a resolução que o enfrentamento dos “efeitos negativos provocados pela desinformação e pelas narrativas odiosas” será feito “a partir de estratégias proporcionais e democráticas”. Para que isso ocorra, no entanto, a corte terá de promover uma guinada de 180 graus, porque praticamente tudo o que vem fazendo até agora em causa própria tem sido desproporcional e antidemocrático. Inquéritos abusivos e sigilosos com acúmulo de funções, censura, prisões ao arrepio da Constituição, quebras de sigilo e desmonetizações (estas últimas, promovidas não pelo STF, mas pelo TSE, que nada mais faz que seguir o exemplo da corte suprema) contra pessoas ou empresas cujas atitudes as autoridades não são capazes de descrever nos termos do Código Penal podem ser qualquer coisa, menos “proporcionais” ou “democráticas”.

Por fim, a corte quer realizar ações de “fortalecimento de imagem (...) com a finalidade de disseminar informações verdadeiras e de produzir conteúdo que gere engajamentos positivos sobre o Tribunal”. Esperando sinceramente que não esteja passando pela mente dos ministros a instituição de uma versão “suprema” dos MAVs petistas ou o recurso a influenciadores de mídias sociais para que falem bem da corte, eis a nossa modesta sugestão para que o Supremo possa gerar “engajamentos positivos”: basta proteger o Estado de Direito, defender as liberdades e garantias individuais, deixar de legislar e de se intrometer nas funções do Poder Executivo, respeitar a Constituição, manter os ladrões na cadeia em vez de investir em malabarismos jurídicos que estimulam a impunidade, e cessar a perseguição contra quem está apenas exercendo seu direito constitucional à liberdade de expressão. Este é o papel de uma corte: respeitar e fazer cumprir a lei, e não monitorar ou caçar críticos na internet em sua versão particular de 1984.

Editorial - Gazeta do Povo

Observações:

O recém-criado Programa de Combate à Desinformação, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem sido comparado ao “Ministério da Verdade” , do famoso livro “1984”, de George Orwell. Em “1984”, George Orwell fala de um partido único que assume o governo e vigia as pessoas o tempo todo por meio de câmeras, um sistema de controle chamado de “Big Brother”.

No livro, o “Ministério da Verdade” define o que seria a “verdade” conforme as crenças que deveriam ser incutidas na cabeça das pessoas – concordem elas ou não. Nessa sociedade, sob jugo de tiranos, não haveria apenas falsificação da verdade, censura e perseguição a ideias diferentes, mas até controle do pensamento. E o estímulo para que as pessoas se vigiassem e denunciassem os “infratores” das regras de só falar o que era autorizado.

Ainda é exagerado comparar o Programa do STF com o cenário do Ministério da Verdade de Orwell. [Não nos parece considerar um exagero comparar o Programa do STF com o Ministério da Verdade. Mas temos que ter presente que a Suprema Corte pode estar seguindo os passos do poema NO CAMINHO, COM MAIAKÓVSKI; segundo, cabe a uma
Suprema Corte decidir, especialmente sem ser provocada o que é a VERDADE?
] O
s moldes da iniciativa são perigosos e inspiram essa associação.

Com a ajuda de agências de checagem (quem as monitora? que interesses as movem?), o STF quer combater conteúdos contra ele mesmo, que possam ser enquadrados como "desinformação e narrativas odiosas" direcionados à Corte, aos ministros do STF e ao Poder Judiciário. Para isso, em decreto, afirmou que vai criar um sistema de monitoramento para identificar “práticas de desinformação e discursos de ódio”; criará uma página de contestação de notícias denominada “Verdades do STF”; fará uma “alfabetização midiática” para jornalistas, entre outras ações bastante questionáveis.

A Gazeta do Povo já se posicionou sobre o tema, no editorial "O Supremo e seu novo 'Ministério da Verdade'”.  STF quer usar monitoramento para combater a “desinformação” e o discurso de ódio– e quem definirá o que é narrativa odiosaserá, certamente, o próprio Supremo.

Juristas procurados pela Gazeta do Povo apontaram os riscos dessa ação. Várias perguntas surgem naturalmente:  
- Uma pessoa com opiniões diferentes das apresentadas pelo STF, julgada pela Corte, a quem poderá recorrer? 
- Se o STF cometer erros, quem poderá brecar suas ações? 
- É função do STF definir o que é ou não verdade? 
Se existem outros mecanismos na legislação para isso, e não é a função do STF fazer esse monitoramento, qual é o sentido disso?

A preocupação com o desdobramento do Programa está fundamentada em fatos. Desde o início do Inquérito conhecido como “das Fake News”, o STF abriu outras investigações (o que não é o seu papel) e permitiu bloqueios de perfis nas redes sociais, mandados de busca e apreensão, censuras a veículos de comunicação e até prisões bastante questionáveis. O erro não é combater fake news, mas não seguir o devido processo legal – instituído para dar a todos o amplo direito à defesa.

A Gazeta do Povo é um dos poucos meios de comunicação preocupados com esse cenário. A liberdade de expressão não é um direito absoluto, mas também não pode ser relativizada com justificativas aparentemente nobres. É tão íntima a ligação da liberdade de expressão com a democracia que, onde aquela falta, não se pode mais falar na presença desta.

Já escrevemos e continuaremos a escrever sobre liberdade de expressão, com responsabilidade. Temos coragem, mas precisamos da sua ajuda para continuar a cumprir o nosso papel: influencie, participe do debate, da construção de uma sociedade melhor. 

Gazeta do Povo


segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Ameaças - Bolsonaro é a pedra no caminho - O Globo

In Blog 

Ameaças - Bolsonaro é a pedra no caminho - É ilusório supor que o país volte à calma sem neutralizar Bolsonaro

À medida que o carro avança, os nomes dos lugares me fascinam: Divinópolis, Doresópolis. Qualquer dia, paro para dar um balanço desses nomes em Minas. Ou então para documentar as configurações e nuances do céu. Hemingway descrevia certas nuvens como camadas de sorvete. No crepúsculo em Minas, róseo e dourado, sinto como se o universo fosse uma capela com o teto pintado pelo Mestre Ataíde. Com um país tão interessante, não consigo ainda explicar por que tanta confusão converge para sua capital, Brasília.

Essa história da vacina da Davati, por exemplo, é um roteiro de chanchada. Um dirigente de empresa que recebe auxílio emergencial e um cabo da PM que não consegue pagar o aluguel resolvem oferecer 400 milhões de inexistentes vacinas AstraZeneca. Usam um reverendo para se aproximar do governo. O reverendo é amigo de um homem que se diz super-homem. Sua entidade religiosa falsifica logotipos da ONU, e ele se diz embaixador da paz. Ungido por quem? Por outro reverendo, o famoso Moon. [quando muitos reverendos entram em uma mesma história, nos lembramos de um outro: Jim Jones, Templo dos Povos, Jonestown, Guiana. Vale destacar que só os inimigos do Brasil = inimigos do presidente Bolsonaro, são capazes de acreditar nessa balela de prevaricação por compra que não houve, por vacinas que não foram compradas, por contrato que não foi assinado, por pagamento que não foi efetuado. Íamos esquecendo: o Circo da CPI Covidão, também acreditou - o que se explica por ser o objetivo real daquele Circo derrubar Bolsonaro = operação que está se revelando um fracasso total = nada encontraram nem encontrarão contra Bolsonaro. Nos estertores da desmoralização eles agora acreditam nos reverendos, nos irmãos Miranda, na mulher de branco, etc, etc.] Sua grande missão diplomática foi ir a Israel para unir judeus e árabes, tarefa que, como todos sabemos, alcançou um perene êxito.

Às vezes, o enredo que passa pela CPI ganha um tom de pornochanchada com a contribuição do senador Heinze, que descobriu pesquisas contra a cloroquina financiadas por uma ex-atriz pornô chamada Mia Khalifa, que, agora, empolgada com sua inclusão no roteiro, quer visitar o Brasil para ajudar no combate à pandemia. É tudo inacreditável, mas gira em torno de um governo que manda uma comissão a Israel para monitorar um spray contra a Covid-19, repleta de parlamentares que, certamente, levaram bomba nas aulas de ciência.

Num desvario como este, o próprio Bolsonaro se dedica agora a reproduzir, no âmbito tropical, a derrotada trajetória de Donald Trump. Primeiro passo: questionar previamente as eleições. Segundo passo, perdê-las e entupir a Justiça com recursos unanimemente rejeitados. Terceiro passo: tentar o golpe invadindo o Capitólio e, finalmente, sobreviver na planície como um presidente injustamente vencido pelas “fraudes eleitorais”.

Tudo isso poderia ser tão patético quanto o plano do grupo que queria vender vacinas inexistentes. No entanto não é, porque nem todas as forças que reagiram nos EUA podem ter a mesma ênfase no Brasil. Nos EUA, as Forças Armadas se colocaram de forma inequívoca contra qualquer tipo de golpe. As brasileiras não parecem tão enfáticas. Não é impossível que Bolsonaro tente realizar suas ameaças. O que parece realmente impossível é qualquer êxito, no médio e longo prazos. Teria de suprimir a internet com grandes repercussões econômicas, sentiria o peso do isolamento internacional e a rejeição de uma ampla maioria do povo.

Claro que Bolsonaro não se importa com essas variáveis. Mas potenciais aliados deveriam contar com elas. Nos primeiros dias, tocam o Hino Nacional, escrevem-se pequenas biografias dos vencedores ocasionais, e o país se enche de árvores pintadas de branco e oportunistas com bandeirinhas. Mas o curso da história é terrível para quem se aventura a negá-lo e reinaugurar a Idade das Trevas. Por isso, é importante que a Justiça puna ameaças, para dissuadir os impulsos golpistas de Bolsonaro. Mas tudo indica que ele não se deterá até a fase três de seu delírio tropical. Nesse caso, será preciso derrotá-lo de vez, profundamente.

Todos os lances de seu projeto autoritário estão claramente delineados. O preço de considerá-lo apenas um fanfarrão seria muito alto: ele estimulou a compra de armas, mobilizou-se para negar a pandemia e apontou, cuidadosamente, inimigos para que não faltassem alvos para o ódio acumulado. Serão necessários muito cuidado e habilidade, mas é ilusório supor que o país volte à calma sem neutralizar Bolsonaro, assim como são risíveis as constantes promessas de que um dia, finalmente, ele vai adotar a moderação.
 
Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista

Artigo publicado no jornal O Globo em 09/08/2021