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domingo, 25 de abril de 2021

Quem precisa de AI-5 com os ‘burocratas da medicina’ decidindo sobre a vida de todos

[com pequeno atraso, mas sempre atual.  
Especialmente, nesse período de 'adaptação' de uma CPI, -  cujo funcionamento foi determinado pelo STF, mediante ordem expedida por um integrante da Suprema Corte diretamente ao presidente do Senado Federal - é sempre bom termos ciência dos fatos e das versões.]

As leis, direitos e garantias deixaram de valer, o que vale é o que eles mandam; a ‘gestão da covid’ é hoje o principal fundamento do totalitarismo no país — no dia a dia do cidadão, é até pior do que o Supremo

Em nenhum momento, desde a revogação do Ato Institucional Número 5 e o fim do regime militar, o Brasil viveu um momento de totalitarismo tão triunfante quanto vive hoje. É claro que não há gente presa de madrugada, nem centros de tortura operados por funcionários do governo; não há censura oficial à imprensa, e os atos da autoridade pública estão sujeitos à apreciação da Justiça. Mas as liberdades individuais e coletivas estão sob uma onda de ataques mais viciosos, dissimulados e amplos do que aqueles que qualquer ditadura costuma praticar. No Brasil do AI-5, pelo menos, só a polícia fazia trabalho de polícia, e só incomodava quem era contra o governo. Hoje, no Brasil da Covid-19 e da “defesa da democracia”, todo cidadão brasileiro está tendo a sua liberdade agredida diretamente por governadores de Estado, prefeitos municipais e comitês de burocratas que não foram eleitos por ninguém. As leis, direitos e garantias deixaram de valer. O que vale é o que eles decidem — eles e, naturalmente, seus avalistas no Supremo Tribunal Federal e no resto do sistema judiciário, que há anos governam o Brasil diante da submissão dos poderes Legislativo e Executivo.

Quem precisa de AI-5, hoje em dia, para impor sua vontade à sociedade brasileira? 
Não o STF, que prendeu um deputado federal “em flagrante” (e de madrugada, aliás) por delito de opinião — e mantém o homem preso até agora, com a cumplicidade de uma Câmara que vive ajoelhada diante do Judiciário. Os onze ministros mandam sem contestação; são apoiados em peso pela mídia, pelas elites e pela próspera associação por cotas formada entre a politicalha corrupta e os criminosos ricos de todas as naturezas. O Congresso Nacional não protege a ninguém do Supremo — nem a si próprio. Também não precisa do AI-5, por exemplo, o prefeito de Araraquara, no interior de São Paulo. Ele declarou um território independente do Brasil e de suas leis na área do município que governa; diz que está “salvando vidas” e, por conta disso, aboliu a vigência da Constituição e faz o que bem entende com a liberdade e com as vidas dos cidadãos locais. Igualmente, não precisam de nenhuma polícia secreta, nem de choque elétrico ou de pau-de-arara outros prefeitos que agem como ele. Nem governadores que decretam “toque de recolher” e lockdown sem pedir licença a ninguém, e sem apoio em lei nenhuma. Pior ainda, há os condomínios formados em seu redor — e que, talvez, mandem tanto quanto eles todos. É a turma de funcionários da “ciência, ciência, ciência”, que receberam o extraordinário poder de decidir o que é verdade científica e o que não é, como fazia a Santa Inquisição no tempo de Galileu Galilei, 400 anos atrás.

A “gestão da covid”, na verdade, é hoje o principal fundamento do totalitarismo no país — no dia a dia do cidadão, é até pior do que o STF. O Brasil acaba de completar um ano sem que as pessoas possam exercer o direito constitucional de reunião; reunir-se em paz, hoje, é cometer o crime de “aglomeração”. Também já foi para o espaço a liberdade de ir e vir — gente foi presa por ir à praia ou por sentar-se num banco de praça. Bailes, uma atividade até há pouco perfeitamente legal, são proibidos, e seus organizadores indiciados em inquérito policial. Lojas, fábricas e serviços funcionam ou fecham segundo o capricho de médicos oficiais, procuradores de Justiça ou juízes de direito; às vezes pode, às vezes não pode, às vezes até tal hora, às vezes até outra. O direito à educação, que a Constituição Cidadã considera sagrado, está sendo brutalmente violado há mais de um ano, com o fechamento das salas de aula — e mesmo as modestas tentativas atuais de retomar aos poucos à normalidade são combatidas como um atentado “contra a vida” pela ‘Polícia do Distanciamento Social’.

O livre debate de ideias em relação à covid foi abolido

Continue lendo - J. R Guzzo, jornalista


sábado, 4 de agosto de 2018

A anistia não deve ser revogada

Buscar em organismos internacionais uma muleta jurídica para revogar a lei de anistia poderá gerar ainda mais tensão política


No Brasil, o processo de transição do regime militar para a democracia adquiriu formas absolutamente originais, sem qualquer paralelo com os países do Cone Sul. Vale destacar também que os governos desses países desenvolveram políticas que os distinguiram em relação ao Brasil, no mesmo momento histórico. Ou seja, não é possível jogar no mesmo saco — como se diz popularmente — regimes tão díspares. Não custa ressaltar que a marca ideológica da presença dos militares na cena política nacional, desde a Proclamação da República, foi o positivismo — e a referência prática, concreta, teve no castilhismo gaúcho a  sua matriz.

É de conhecimento geral que tivemos um longo processo de transição que teve início com a distensão, ainda na presidência Ernesto Geisel. Mas os passos mais ousados foram dados no governo Figueiredo. A aprovação da anistia, em agosto de 1979, foi um importante marco. Permitiu realizar a transição de uma forma mais rápida, eficaz e sem traumas.  De tempos em tempos é recolocada a questão de revogar a lei de anistia. O argumento é que crimes teriam de ser apurados e punidos. A leitura passa pela ação dos órgãos de repressão e pelas graves violações dos direitos humanos contra centenas de brasileiros. Isso é fato, não se discute. Porém, deve ser também analisada a atuação dos grupos terroristas que mataram muitos brasileiros em atentados, assaltos a bancos e nos “justiçamentos.” Se é para judicializar a história, isso deve ocorrer para os dois lados.

A questão central é que não tivemos, no momento adequado, quando da passagem do governo para os civis (1985), um processo que enfrentasse o passado recente de forma a construir valores democráticos. Um bom exemplo ocorreu na África do Sul com a criação, por Nélson Mandela, da Comissão Nacional da Verdade e da Reconciliação. Apresentar os fatos, discutí-los, ouvir as diferentes versões e a partir daí, com as lições da história, edificar uma sociedade democrática. Infelizmente, isso não ocorreu no Brasil. Ao invés de um Mandela, tivemos José Sarney, um presidente fraco e temeroso de enfrentar os dilemas da época. Buscar em organismos internacionais uma muleta jurídica para revogar a lei de anistia poderá gerar ainda mais tensão política. É muito mais eficaz discutir abertamente aquele momento histórico. E demonstrar que a urna é o caminho das mudanças e não um pau-de-arara ou uma bomba.


Marco Antonio Villa - historiador