O Estado de S.Paulo
MP 910 vai beneficiar majoritariamente pequenos agricultores, algo em torno de 90%
O alarido do bolsonarismo, ancorado no incessante embate com inimigos
reais ou imaginários, termina por obscurecer medidas importantes que
estão sendo tomadas pelo próprio governo. O principal torna-se
secundário e o secundário, principal, criando problemas tanto para a
imagem do próprio presidente quanto para a do País no exterior, em áreas
sensíveis como o meio ambiente. O desmatamento e os incêndios na
Amazônia em muito têm prejudicado o Brasil e poderão ter ainda maiores
repercussões no agronegócio. Somos o país mais protecionista do planeta,
mas o governo não sabe comunicar o que de melhor fazemos.
Que outro país tem o instituto da “reserva legal”, que obriga o produtor
rural a preservar, por seus próprios meios, uma parte de sua
propriedade – que na Amazônia atinge 80% da área? Exemplo mais claro de
“função social da propriedade” seria difícil imaginar. Por que nossos
detratores não nos imitam?
Por que as ONGs não levantam essa bandeira
pelo mundo afora?
Recentemente o governo promulgou a Medida Provisória (MP) 910 e os
Decretos 10.165 e 10.166, relativos à regularização fundiária em terras
da União e assentamentos, graças a iniciativas do Ministério da
Agricultura, da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários e do Incra.
Trata-se de medida da maior importância, por combater diretamente os
desmatamentos, possibilitar a produção rural e melhorar a vida de
pequenos e médios produtores, além de assentados. A condição social dos
agricultores e a preservação do meio ambiente são os maiores
beneficiados. Note-se que as queimadas na Amazônia, em mais de 85%,
foram feitas em áreas públicas e em assentamentos da reforma agrária, e
não em áreas privadas. Culpar a agricultura e a pecuária não faz o menor
sentido.
Acontece que controlar a grilagem, em extensão continental, é
praticamente impossível, pois implicaria meios logísticos, financeiros e
presenciais de difícil implementação. Grileiros, como criminosos em
áreas urbanas, atacam e fogem, tornando extremamente complexa a sua
prisão e condenação. Veja-se o que ocorre nas cidades brasileiras. No
campo, desmatam, provocam queimadas e fogem, partindo para fazer o mesmo
em outras áreas. Seria um trabalho de gato e rato. Qualquer
responsabilização se torna, por essas razões, uma imensa questão, quanto
mais não seja, pelo fato de os grileiros não deterem a propriedade,
tampouco os assentados, que usufruem apenas de uma posse precária.
O governo decidiu enfrentar esse problema. Trata-se de algo da maior
relevância, pois permite controlar e monitorar os desmatamentos,
responsabilizando seus autores. Observe-se que setores da mídia já estão
bombardeando essa iniciativa, como se ela fosse aumentar a grilagem.
Ora, muito ao contrário! Doravante, o País passará a ter uma legislação
unificada, conhecerá melhor a sua malha fundiária, podendo, então,
identificar e responsabilizar todos os que violarem a lei, além de
titular os assentados, que, por sua vez, poderão finalmente se tornar
agricultores familiares.
Ressalte-se que, assim, o País passará a ter maior segurança ambiental,
pois todo novo proprietário deverá necessariamente fazer o Cadastro
Ambiental Rural (CAR), assim como seguir o Código Florestal, de tal
maneira que passará a ter um controle mais preciso de todo o seu
território. Áreas regularizadas deverão obedecer à legislação e, em caso
de desmatamento ilegal, os produtores terão de regularizar
ambientalmente a sua situação, devendo entrar no Programa de Recuperação
Ambiental (PRA). O Brasil, graças ao georrefenciamento e à ampla
utilização de novas tecnologias, de satélites, aumentará o seu poder
fiscalizador, atuando mais agilmente e responsabilizando os infratores.
As vistorias in loco continuarão a ser feitas em caso de infrações
ambientais ou conflitos fundiários, nada muda nesse quesito.
Os beneficiados socialmente por essas novas medidas serão
majoritariamente pequenos agricultores, algo em torno de 90%. O limite
estabelecido pela MP de áreas passíveis de regularização é de 1.650
hectares, o que corresponde, graças à reserva legal, a uma área
cultivável de 350 hectares, 20% de sua extensão. No caso dos assentamentos da reforma agrária, a mudança é profunda, na
medida em que a titularização, ao tornar o assentado um proprietário,
permite-lhe obter mais facilmente crédito rural, assistência técnica,
novas tecnologias e acesso a fontes públicas e privadas de
financiamento, inserindo-o numa economia de mercado.
Mais importante, o assentado cessa de ser um tutelado, sob o controle
dos ditos movimentos sociais, dos quais se tornou massa de manobra,
podendo se assumir enquanto produtor rural de pleno direito, auferindo
renda do seu trabalho e podendo usufruí-la. Para ter uma ideia da tarefa
que deverá ser realizada, desde a criação do Incra apenas 5% dos
assentamentos foram consolidados. A condição de penúria dessas favelas
rurais é consequência do seu controle político. Outra dimensão do problema reside em que os assentamentos do Incra
ocupam 88 milhões de hectares, enquanto a produção de grãos ocupa
somente 50 milhões de hectares.
Curioso nesse processo é o fato de que a esquerda e as ONGs
ambientalistas, em sua maioria, silenciam sobre o desmatamento e as
queimadas nos assentamentos da reforma agrária, procurando transferir a
responsabilidade para o agronegócio brasileiro, no que terminam por
fazer o jogo dos concorrentes do País lá fora. Falam no aumento da
grilagem devido a uma suposta autodeclaração dos interessados, quando,
na verdade, deverão preencher formulários digitais, responsabilizando-se
pelo estado atual dessas propriedades e passando a submeter-se à
legislação.
A medida provisória e os decretos flexibilizam a burocracia,
modernizando-a digitalmente, e tornam mais rígidos a fiscalização e o
controle ambientais. Não convém, com má-fé, confundir essas duas coisas.