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segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Regularização fundiária - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S.Paulo

MP 910 vai beneficiar majoritariamente pequenos agricultores, algo em torno de 90%

O alarido do bolsonarismo, ancorado no incessante embate com inimigos reais ou imaginários, termina por obscurecer medidas importantes que estão sendo tomadas pelo próprio governo. O principal torna-se secundário e o secundário, principal, criando problemas tanto para a imagem do próprio presidente quanto para a do País no exterior, em áreas sensíveis como o meio ambiente. O desmatamento e os incêndios na Amazônia em muito têm prejudicado o Brasil e poderão ter ainda maiores repercussões no agronegócio. Somos o país mais protecionista do planeta, mas o governo não sabe comunicar o que de melhor fazemos.

Que outro país tem o instituto da “reserva legal”, que obriga o produtor rural a preservar, por seus próprios meios, uma parte de sua propriedade – que na Amazônia atinge 80% da área? Exemplo mais claro de “função social da propriedade” seria difícil imaginar. Por que nossos detratores não nos imitam? 
Por que as ONGs não levantam essa bandeira pelo mundo afora?

Recentemente o governo promulgou a Medida Provisória (MP) 910 e os Decretos 10.165 e 10.166, relativos à regularização fundiária em terras da União e assentamentos, graças a iniciativas do Ministério da Agricultura, da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários e do Incra. Trata-se de medida da maior importância, por combater diretamente os desmatamentos, possibilitar a produção rural e melhorar a vida de pequenos e médios produtores, além de assentados. A condição social dos agricultores e a preservação do meio ambiente são os maiores beneficiados. Note-se que as queimadas na Amazônia, em mais de 85%, foram feitas em áreas públicas e em assentamentos da reforma agrária, e não em áreas privadas. Culpar a agricultura e a pecuária não faz o menor sentido.

Acontece que controlar a grilagem, em extensão continental, é praticamente impossível, pois implicaria meios logísticos, financeiros e presenciais de difícil implementação. Grileiros, como criminosos em áreas urbanas, atacam e fogem, tornando extremamente complexa a sua prisão e condenação. Veja-se o que ocorre nas cidades brasileiras. No campo, desmatam, provocam queimadas e fogem, partindo para fazer o mesmo em outras áreas. Seria um trabalho de gato e rato. Qualquer responsabilização se torna, por essas razões, uma imensa questão, quanto mais não seja, pelo fato de os grileiros não deterem a propriedade, tampouco os assentados, que usufruem apenas de uma posse precária.

O governo decidiu enfrentar esse problema. Trata-se de algo da maior relevância, pois permite controlar e monitorar os desmatamentos, responsabilizando seus autores. Observe-se que setores da mídia já estão bombardeando essa iniciativa, como se ela fosse aumentar a grilagem. Ora, muito ao contrário! Doravante, o País passará a ter uma legislação unificada, conhecerá melhor a sua malha fundiária, podendo, então, identificar e responsabilizar todos os que violarem a lei, além de titular os assentados, que, por sua vez, poderão finalmente se tornar agricultores familiares.

Ressalte-se que, assim, o País passará a ter maior segurança ambiental, pois todo novo proprietário deverá necessariamente fazer o Cadastro Ambiental Rural (CAR), assim como seguir o Código Florestal, de tal maneira que passará a ter um controle mais preciso de todo o seu território. Áreas regularizadas deverão obedecer à legislação e, em caso de desmatamento ilegal, os produtores terão de regularizar ambientalmente a sua situação, devendo entrar no Programa de Recuperação Ambiental (PRA). O Brasil, graças ao georrefenciamento e à ampla utilização de novas tecnologias, de satélites, aumentará o seu poder fiscalizador, atuando mais agilmente e responsabilizando os infratores. As vistorias in loco continuarão a ser feitas em caso de infrações ambientais ou conflitos fundiários, nada muda nesse quesito.

Os beneficiados socialmente por essas novas medidas serão majoritariamente pequenos agricultores, algo em torno de 90%. O limite estabelecido pela MP de áreas passíveis de regularização é de 1.650 hectares, o que corresponde, graças à reserva legal, a uma área cultivável de 350 hectares, 20% de sua extensão. No caso dos assentamentos da reforma agrária, a mudança é profunda, na medida em que a titularização, ao tornar o assentado um proprietário, permite-lhe obter mais facilmente crédito rural, assistência técnica, novas tecnologias e acesso a fontes públicas e privadas de financiamento, inserindo-o numa economia de mercado.

Mais importante, o assentado cessa de ser um tutelado, sob o controle dos ditos movimentos sociais, dos quais se tornou massa de manobra, podendo se assumir enquanto produtor rural de pleno direito, auferindo renda do seu trabalho e podendo usufruí-la. Para ter uma ideia da tarefa que deverá ser realizada, desde a criação do Incra apenas 5% dos assentamentos foram consolidados. A condição de penúria dessas favelas rurais é consequência do seu controle político. Outra dimensão do problema reside em que os assentamentos do Incra ocupam 88 milhões de hectares, enquanto a produção de grãos ocupa somente 50 milhões de hectares.

Curioso nesse processo é o fato de que a esquerda e as ONGs ambientalistas, em sua maioria, silenciam sobre o desmatamento e as queimadas nos assentamentos da reforma agrária, procurando transferir a responsabilidade para o agronegócio brasileiro, no que terminam por fazer o jogo dos concorrentes do País lá fora. Falam no aumento da grilagem devido a uma suposta autodeclaração dos interessados, quando, na verdade, deverão preencher formulários digitais, responsabilizando-se pelo estado atual dessas propriedades e passando a submeter-se à legislação.

A medida provisória e os decretos flexibilizam a burocracia, modernizando-a digitalmente, e tornam mais rígidos a fiscalização e o controle ambientais. Não convém, com má-fé, confundir essas duas coisas.

Denis Lerrer Rosenfield - Professor de Filosofia - O Estado de S. Paulo
 

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