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sexta-feira, 30 de abril de 2021

Recados - Carlos Alberto Sardenberg

Os recados de Biden para a China e sobre a economia [resta saber se o mandatário chinês viu os tais recados, se mereceram ser traduzidos = afinal, a tal reunião  nada produziu, exceto imagens sobre um futuro incerto.

Tanto que famoso jornalista - por merecimento, não por servilismo - considerou que "Na cúpula de Biden, houve só a parte inútil.

Recados de Biden

“Precisamos demonstrar que a democracia ainda funciona” – essa foi a frase mais importante do discurso dos 100 dias de Joe Biden. Parece óbvio que um líder americano diga isso, mas nos tempos de hoje a frase ganha diversos sentidos.  Dirigida ao presidente da China, Xi Jin Ping, significa o seguinte: o sistema americano é superior nos quesitos econômicos e políticos, embora precise de algumas reformas.

O chefão chinês sustenta que o modelo deles é mais eficiente no desenvolvimento econômico e na administração de crises. Não apenas porque seus gestores seriam mais competentes, mas porque não precisam se preocupar nem com as urnas livres e votações no Legislativo, nem com eventuais restrições do Judiciário. Ou seja, a democracia no “modelo chinês”, como chamam a ditadura por lá, funciona melhor que o modelo americano, confuso e lento. [PERGUNTA: alguém lembra quando ocorreu a última morte na China causada pela covid-19? 
já nos países com excesso de democracia, interpretada ou não, os números continuam, infelizmente, diários.] Mas e as liberdades? Ora, tem alguém reclamando? – respondem os chineses.

Eles não admitem, mas sabemos que tem – a começar pelos chineses de Hong Kong, que os ingleses entregaram como democracia capitalista liberal e o governo chinês está transformando numa ditadura com capitalismo controlado pelo Partido Comunista. Dentro da China, é difícil saber. Não tem imprensa livre, nem outro partido. E  daí? – dizem. O importante é que o país cresce, saiu da pandemia rápida e eficientemente, e todo ano tira milhões da pobreza.

Visto assim, a questão proposta por Biden é a seguinte: a democracia e o capitalismo podem funcionar melhor, gerando e distribuindo riqueza em um ambiente de liberdades. Dirão: mas Biden não foi para a esquerda? No critério americano, sim, foi para a esquerda – que está longe de indicar um caminho para o socialismo ou mesmo para um estado de bem estar social como o da França.

No caso de Biden, significa aumentar a atividade dos governos em alguns setores , especialmente infraestrutura, geradores de emprego, e tomar dinheiro dos mais ricos (via impostos) para financiar programas de saúde, renda e educacionais para as camadas mais pobres. O recado agora é interno, para todo o público americano, rico ou pobre. Está dizendo o seguinte: não é possível que o país mais rico do mundo abrigue tantas famílias com renda abaixo da média; não é possível que o país mais rico do mundo não consiga oferecer um bom sistema de saúde e de escolas para os mais pobres.

Pesquisas recentes mostram que a classe média concorda com isso. Muitos ricos também. E mais alguns super-ricos, como Bill Gates e Warren Buffet. Olhando no longo prazo, Biden está movendo o pêndulo. Roosevelt, seu ídolo, aumentou impostos e acentuou a atuação do Estado, como os trabalhistas faziam na Inglaterra. Com o tempo, o Estado e os impostos começam a pesar. Vêm então Reagan e Thatcher para dizer que o Estado não é a solução, é o problema.

Caem os impostos, eliminam-se regulações à atividade econômica, incluindo nas relações trabalhistas. Os países prosperaram. Aí vem Biden e diz: mas muita gente ficou para trás. O Estado pode resgatá-las, com um governo democrático e mantendo a força geradora do capitalismo. Muita gente já está dizendo por aqui: estão vendo? Isso de ajuste fiscal é bobagem, o Estado tem mesmo é que gastar. A  dívida americana, em proporção do PIB, é maior que a nossa. Logo, qual é o problema?

Vários. O governo americano se financia a juro zero. O brasileiro, se quiser colocar título de dez anos, paga 6% reais. A dívida americana é em dólar, moeda aceita no mundo. Os impostos nos EUA são menores do que no Brasil e na Europa, havendo espaço para aumentar.

E, finalmente, mais importante, o Estado brasileiro já gasta demais – mais de 40% do PIB – e não se pode dizer que seja um modelo de eficiência. Nosso problema é outro: é que quando o pêndulo vai para a direita liberal, caímos na dupla Bolsonaro/Guedes.

Aí fica difícil.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

Coluna publicada em O Globo - Economia
 

domingo, 6 de maio de 2018

Revirando o lixo da História

A condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo agir e pensar politicamente, em regime de plena liberdade


Exumei das redes sociais um velho texto (lá se vão três anos) publicado nessas “Entrelinhas” para analisar o colapso do governo Dilma. O título da coluna era “A lata do lixo da História”, o nome de uma peça dos anos 1970 do sociólogo Roberto Schwarz, então professor de teoria literária da Universidade de São Paulo (USP), na qual fazia uma sátira ao regime militar. A expressão “vai para a lata do lixo da História” era muito usada por setores de esquerda na época, servia para menosprezar o papel dos liberais na luta pela democracia; hoje, serve aos liberais que consideram toda a esquerda ultrapassada e não apenas os setores ligados ao PT. É um erro. O Brasil precisa de uma esquerda moderna que dialogue com os liberais para reconstruir o centro democrático.

Essa lembrança veio a propósito do discurso do presidente da China, Xi Jinping, ao comemorar o bicentenário do nascimento de Karl Marx, no Grande Palácio do Povo: “O marxismo, como um amanhecer espetacular, ilumina o caminho da humanidade na sua exploração das leis históricas e na busca da sua própria libertação”. Em resumo, disse que os comunistas chineses precisam voltar às origens. Entretanto, Karl Marx é um dos sujeitos mais mal interpretados de todos os tempos, por esta razão: seus escritos partem do princípio de que a ação política não pode estar descolada do pensamento intelectual.

Após sua morte, em 14 de março de 1883, a teoria de Marx foi simplificada e instrumentalizada para a luta política, inclusive por seu amigo Frederico Engels e seu genro, Paul Lafargue. Social-democratas, socialistas e comunistas usaram sua crítica como estratégia política, mas Marx nunca teve uma fórmula para construir um mundo diferente do capitalismo. Mesmo assim, os conceitos de “valor” e “fetichismo”, suas grandes contribuições à compreensão do capitalismo, perderam espaço e influência para o conceito de “luta de classes”.

Grande exemplo é um livro de Josef Stalin intitulado Problemas econômicos do socialismo na URSS, de 1953, com o qual o líder comunista puxou as orelhas dos economistas da Academia de Ciências: “Por isso, estão absolutamente errados os camaradas que declaram que, uma vez que a sociedade socialista não liquida as formas mercantis de produção, então todas as categorias econômicas próprias do capitalismo deveriam alegadamente ser restabelecidas no nosso país: a força de trabalho como mercadoria, a mais-valia, o capital, o lucro do capital, a taxa média de lucro etc.”

Stálin varreu para debaixo do tapete problemas que mais tarde levaram ao colapso a antiga União Soviética: “Além disso, penso que precisamos igualmente abandonar alguns outros conceitos, retirados de O Capital, no qual Marx procedeu à análise do capitalismo, e que são artificialmente apensos às nossas relações socialistas. Refiro-me, entre outros, a conceitos como trabalho necessário e sobretrabalho, produto necessário e sobreproduto, tempo necessário e suplementar. A conta chegou para Gorbatchov na década de 1990: quando o líder comunista quis retomar a discussão, na Perestroika, o socialismo real já era. Talvez Xi Jinping esteja diante do mesmo debate no seu país, onde os operários são superexplorados e florescem uma nova burguesia e uma robusta classe média.

Parêntesis: na teoria de Marx, valor é aquilo que permite comparar duas mercadorias. A quantidade de trabalho que foi incorporada à mercadoria é que determina o seu valor. Já o fetiche é uma consequência disso: uma cortina que nos impede de ver a mercadoria em si. No caso de um celular, por exemplo, não conseguimos perceber todo o processo produtivo que está por trás da sua fabricação — na China, por exemplo —, mas somente o produto final, como se o aparelho, em si, tivesse vida própria na loja.

Grande jogo
A gênese dos partidos operários é velha tese marxista da centralidade do trabalho na luta política, que parte da ideia de que a contradição entre o trabalho e o capital é o motor da história e o eixo de atuação política do partido, ou seja, a luta de classes. Vem daí o glamour perdido do PT e o fascínio de intelectuais e artistas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A filósofa alemã Hanna Arendt, uma democrata radical, via nessa concepção que absolutiza o trabalho uma das raízes do totalitarismo. Para ela, a condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo “agir e pensar politicamente”, em regime de plena liberdade, o que tanto o fascismo como o stalinismo não permitiram. Essa crítica “racionalista” hoje faz ainda mais sentido, porque o trabalho humano está sendo substituído pelo “não trabalho” dos robôs e sistemas de inteligência artificial.

A China hoje é o nosso principal parceiro comercial, seguida dos Estados Unidos. Ambos disputam o controle do comércio mundial, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. O “grande jogo” da política mundial e a globalização, porém, para muitos setores da esquerda, continuaram sendo vistos na óptica dos velhos paradigmas, ou seja, o inimigo principal é o imperialismo norte-americano; o capitalismo de Estado, após a tomada do poder, é a antessala do socialismo. Não importa que os Estados Unidos sejam uma democracia e a China, uma ditadura. Nunca é demais lembrar que o colapso do governo Dilma se deveu às ideias políticas e econômicas fora de lugar, que apostavam numa aliança com a China, a Rússia, a África do Sul e a Índia como aliados principais, contra os Estados Unidos e a Comunidade Europeia, seguidas por práticas patrimonialistas estimuladas por Lula, que enlamearam toda a esquerda e jogaram as lideranças do PT na cadeia. Todas essas ideias velhas não morreram, estão vivíssimas nestas eleições de 2018. E não na lata do lixo da história.

Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB