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segunda-feira, 8 de julho de 2019

Magistratura não é Privilegiatura

Ao longo de décadas, a magistratura não recebe um tratamento adequado por parte da sociedade e meios de imprensa. A guinada talvez tivesse sido uma forma de empolgação pela famosa operação lava jato com todos os revezes e vicissitudes. O discurso sempre se afigura de um modelo corporativo preocupado com seus benefícios e salários, até mesmo durante o período do auxílio moradia, muitas vozes contrárias se levantaram e diríamos boa parte com razão.

Mas não é só. Com as reformas implementadas e sem os atrativos do cargo somente para que se tenha uma idéia, em São Paulo, há centena de cargos abertos não pela falta de concurso e sim por não preenchimento em razão da capacidade e qualidade dos candidatos. E nessa toada sem que as entidades representativas saiam do marasmo e se façam escutar com a aprovação da modificação previdenciária o que era triste passará a ser melancólico, na medida em que os funcionários públicos, de uma forma geral, terão pedágio pela frente e um teto máximo correlato com todos os demais.

A alternativa que se vislumbra é a retomada de antigos sistemas tipo montepio no intuito de cada um administrar a sua própria carteira e repassar aos aposentados e pensionistas seus respectivos valores. E não é abstrato ou sonho de uma noite de verão, algumas prefeituras do Brasil já adotaram o equilíbrio de finanças nas carteiras de inativos com um lapso de cinco anos tendente à capitalização. E os magistrados poderiam adotar o mesmo sistema de saírem das fontes de custeio das previdências estatais e começarem a avaliar mais e melhor uma forma de ao longo de mais de 30 anos de serviço poder usufruir de alguma economia, já que não se lhes pertencem qualquer fundo de garantia por tempo de serviço. O plano de saúde é algo impensável o qual em sintonia com os descontos do imposto de renda e da previdência consomem a metade da remuneração.

Fazendo uma conta bem simples os magistrados com alíquotas de 27,5% talvez uma das maiores do planeta deixam cerca de 100 mil reais ano e quando recebem a restituição não conseguem recuperar sequer 10% - agora mais grave ainda quando o Governo visa retirar despesas médicas das deduções dos contribuintes. Os juízes, seguindo a mesma linha de raciocínio, recolhem quase 3 milhões somente para o fisco ao tempo de uma carreira de 30 anos, e para a previdência social, com a alíquota atual de 11% cerca de 50 mil reais ao ano, ou seja, um milhão e meio até o tempo de sua aposentadoria.

Vejamos assim que ao fim e ao cabo de 3 décadas são recolhidos na fonte somando-se imposto de renda e desconto previdenciário mais de 4 ,5 milhões de reais, essa montanha de dinheiro sem retorno, agora com a mudança das regras do jogo, tornará o juiz aposentado titular de uma remuneração pouco acima de 5 mil reais, o que em grandes capitais do Brasil não é suficiente para o pagamento das despesas de plano de saúde e condomínio, apenas para resvalar no quadro geral esboçado. [mas o juiz deixará de contribuir sobre o salário integral - o que ocorre atualmente -  passando a contribuir apenas sobre pouco acima de 5 mil reais, o que lhe deixa uma folga para pagar uma 'plano de previdência complementar' ou realizar algum tipo de investimento para receber quando alcançar a aposentadoria.]

E assim tantas outras carreiras de Estado sofrerão as agruras e deslembranças de um rolo compressor sem igual para uma propalada economia gerada de um trilhão, quando não se criam empregos ou se coloca a economia para sair do seu famoso vôo de galinha.

A magistratura nacional nunca em toda a sua história foi tão apequenada e menoscabada, já que o exercício da profissão somente é compatível com um cargo de professor, cujo salário é sempre insuficiente e de parca verba remuneratória. Não temos tradição na valorização de carreiras que exercem funções primordiais para o funcionamento da democracia e consolidação institucional.

Mas sempre haverá alguém disposto a dizer que os salários praticados no Brasil para magistrados é superior àqueles dos EUA e alguns Países da Europa. Nenhuma comparação haverá de ser feita, já que temos um  estoque de 100 milhões de processos, vários magistrados sofrendo ameaças de morte, e uma infraestrutura, notadamente da justiça estadual que deixa e muito a desejar. O enfraquecimento da magistratura a quem interessa (quid prodest)? Talvez  aos membros da classe política e empresários que não gostam de fiscalização preferem estar sossegados e desvigiados obviamente que sem mudanças e uma Lei Orgânica da Magistratura muito será sentido e perdido na aprovação da reforma previdência em relação à magistratura.

Muitos magistrados conseguem pagar suas despesas com férias indenizáveis e licenças não usufruídas, e dizer que o teto já é suficiente e esmaga a maioria da classe trabalhadora é desconhecer os degraus de se alcançar à carreira, realizar concurso de difícil aprovação e ainda aguardar pelo menos 20 anos até galgar os postos máximos da carreira. A continuar a desmotivação e total aniquilamento de algumas carreiras consideradas de Estado,em particular,a magistratura, o que se verá é um esvaziamento constante e crescente de interessados nos concursos, somado aos que tentarão entrar pela via do quinto constitucional depois de amealhar patrimônio e agora se pretender status.

No entanto, o que mais inquieta e preocupa é a qualidade e capacidade dos que estão ingressando hoje e seguramente no futuro, já que sem uma remuneração à altura e uma aposentadoria que proporcione tranquilidade nos derradeiros anos de vida, os que se propuseram à denominação de classe revestida de privilégios sentirão na própria pele que meios alternativos aumentarão como mediação, conciliação e juízo arbitral, destinando-se a litigiosidade às matérias menos importantes e interessantes, porém se esquecem do monopólio estatal para apuração dos crimes de responsabilidade fiscal, colarinho branco, corrupção, lavagem, etc. Que nossos representantes do povo sejam responsáveis a ponto de não quebrar os predicamentos constitucionais da magistratura e esmagar uma das poucas luzes acesas no ininterrupto combate às mazelas do poder e meandros dos desvios de recursos públicos.

Carlos Henrique Abrão,Doutor pela USP, com pós em Paris e especialização na Alemanha, é Desembargadordo TJ-SP.

Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net



[caros leitores: 
Optamos por transcrever do Alerta Total o artigo abaixo, tendo em conta a preocupação que nos causou a angustiante  situação de penúria  que acomete parte dos nossos magistrados, exposta de forma excelente pelo desembargado Carlos Henrique Abrão.
 
Claro que a situação de quem tem uma remuneração inicial acima de 20 mil reais é com certeza um pouco melhor do que a de quem em um ano inteiro de trabalho - quando encontra - não consegue ganhar o inicial acima citado.

Para um melhor esclarecimento, sugerimos a leitura do Post:  Fim de um privilégio esdrúxulo. ]



terça-feira, 11 de outubro de 2016

Adolescentes fazem do crime profissão para ostentar em bailes funk



Chegar de carrão, de moto, ter um celular, roupas caras. Exibir-se é a lei. Adolescentes fazem do crime profissão para se destacar em bailes funk, conquistar garotas, transar 

Havia uma lombada providencial no meio da rua de cima da casa da avó de G.M., perto da favela de Paraisópolis, no Morumbi, em São Paulo. Ele e um amigo estavam ali perto, à espera de uma “deixa”. Um Peugeot 207 prata se aproximou. “A gente viu que era uma mulher”, diz G., de 17 anos. Quando a motorista reduziu para transpor o obstáculo, G., então com 15 anos, e o amigo aproveitaram. “A gente enquadrou ela”, diz. Usaram um revólver calibre 38, de brinquedo, Airsoft, comprado de um camelô em Aparecida, no interior de São Paulo. Tiraram a vítima do carro, ficaram com sua bolsa e foram embora.

Rodaram um pouco, estacionaram e mantiveram o veículo parado por três dias, numa espécie de quarentena para ter certeza de que não estava equipado com rastreador e não seria encontrado pela polícia. Dias depois, G. chegou à favela de Paraisópolis a bordo do tal Peugeot 207 prata. Dava um “rolezinho” com o carro roubado da moça. Abriu o vidro, colocou o braço para fora “para mostrar que era patrão” e desfilou lentamente pela multidão que dançava ao redor. “Você vai passando e vai abrindo caminho na rua, ostentando de carrão. As meninas todas olham”, diz. “Você se sente o bambambã e todo mundo comenta: ‘Nossa, olha aquele menino, olha o jeito que ele está’”, diz, meio embriagado, só de lembrar a cena. Na ocasião, G. estava acompanhado de Macarrão, um amigo maior de idade, que o guiou na entrada para o mundo do crime. G. desceu e foi até um boteco comprar uma bebida. Com um empurrãozinho do Peugeot e das doses, se saiu bem. “Peguei duas meninas. Sem carro eu pegava também, mas era bem mais difícil”, diz.

No começo do ano, L.L. arrumou uma mochila com pijama e disse à mãe que passaria a noite na casa de uma amiga. De fato foi, mas não para dormir – e sim para curtir. Ela e a amiga aproveitaram a ausência de adultos para ir a um fluxo. Trocaram a calça pelo shortinho curto, capricharam no decote da regata, colocaram bijuterias e se maquiaram. “Tem menina que nem de calcinha vai”, diz L. Antes de sair, fizeram o obrigatório selfie para postar no Facebook – “Partiu fluxo”, dizia a legenda. Fluxo é onde os interesses de adolescentes como G. e L. se encontram. Acontece na rua, apinhada de gente. Jovens e adolescentes dançam em passinhos ensaiados, ao som do funk que sai de carros tunados, daqueles que até balançam diante da potência inclemente dos alto-falantes, decorados com luzes neon.
Ali ocorre o ritual exibicionista ancestral. 

As meninas mexem nos cabelos para chamar a atenção dos meninos e dançam, dançam até o chão. “Eles ficam assoprando maconha na nossa cara, chamando a gente de ‘novinha’, ‘linda’, ‘princesa’. Quando quero ficar com alguém, peço o WhatsApp e a gente fica trocando mensagem ali na hora, um na frente do outro”, diz L. Além de álcool e energéticos, consome-se uma versão repaginada do lança-perfume, doce e com sabor (chiclete, menta, coco, entre outros), por R$ 5 o vidro. Mais perigosa que a original, leva removedor de respingo de solda e tinta e pode provocar parada cardíaca. L. diz que só “baforou” isso uma vez. Prefere beber.

Todo mundo sabe que traficantes e afins estão por ali, armados; que boa parte da ostentação é coisa roubada; que muitos garotos ali estão no crime. Não importa. No fluxo, o que determina as escolhas, o destino, é chegar motorizado, bem vestido para os padrões, ter acessórios desejados. É preciso ostentar para impressionar. O garoto que quiser sair com L. só tem chance se estiver de carro ou de moto. “Vou ficar com menino que não tem carro? Não mostra tanto, o povo não vê. Eu gosto do HB20, que faz sucesso porque é bem bonito”, diz. “Já deixei de ficar com um menino porque ele não tinha carro. Quando tem, a gente dá um rolê no meio do fluxo, transa ali dentro mesmo, ou então vai pra motel.”
 
Enquanto descreve a prática, L., de 17 anos, mãe de uma menina de 1 ano, que teve com um presidiário de 38, fala sobre Tatu, o “menino mais lindo” com quem ficou em um fluxo. “Ele estava com um tênis Adidas de escama de peixe, boné e roupa Cyclone. Tava todo ‘ciclonado’”, diz, numa referência à marca do momento em seu universo. Nas lembranças da noite em que mais se “deu bem” num fluxo, entre risinhos de timidez típicos da adolescência, não há nenhum espaço para a conversa ou o físico do garoto. Tatu é lembrado como um cabide de marcas. “A menina fica com você pelas roupas – Lacoste, Hollister, Mizuno, Adidas – ou se você está de carro ou de moto”, afirma G. Os garotos sabem disso e obedecem. 

Nos últimos meses, os códigos de conduta que se manifestam nos fluxos pela periferia afora ajudam a entender parte da criminalidade praticada por adolescentes em São Paulo. “Ostentar” é o verbo mais usado por adolescentes que roubam, furtam, sequestram na cidade. Em um caso trágico, no fim de junho, o menino Waldik Gabriel Chagas, de apenas 11 anos, morreu estupidamente com um tiro na nuca, disparado por um agente da Guarda Civil Metropolitana durante a perseguição. Waldik estava com dois garotos de 12 e 14 anos que haviam roubado um carro velho e fugiam. Um deles contou que o roubo fora praticado porque os três queriam “ostentar” com o carro em uma festa de rua. 

Os crimes contra o patrimônio são os que mais levam jovens à Fundação Casa, a instituição que recebe os menores infratores no estado de São Paulo, segundo um levantamento recente do Ministério Público (MP-SP). Mais de 60% das infrações cometidas por menores no estado entre agosto de 2014 e abril de 2016 são associadas a furtos e roubos, quase três vezes mais que os casos de tráfico de drogas. Cada vez mais, educadores da Fundação Casa, juízes e promotores ouvem histórias semelhantes. “Em geral, eles primeiro negam. Quando falam, o discurso é o da ostentação”, afirma o desembargador Antonio Carlos Malheiros, do Tribunal de Justiça de São  Paulo. “Sempre existiu o roubo para mostrar, mas o funk e a [cultura da] ostentação amplificaram isso.” Os adolescentes afirmam, com aquela franqueza de quem ainda guarda algum pingo de inocência, que roubam carros, motos e dinheiro para comprar tênis, roupas, celulares, acessórios para exibir-se nos fluxos e se dar bem – ser admirados, conquistar garotas e fazer sexo.

Rosto quase infantil para seus 17 anos, o corpo magro, em contraste com os braços, as pernas e o pescoço cobertos por tatuagens que vão dos temas religiosos aos de apologia da violência, H. L. está meio apático na sala da Fundação Casa. Mas seu rosto se ilumina ao falar sobre o assunto. “Quando você chega no baile com roupa de marca, fica bem visado, rouba a cena. Se encosta de motão, moto importada, carenada, que faz ronco –  vrrmmm, vrrmmm –, as meninas ficam fazendo ‘psiu’, mexendo no cabelo, dando risadinha, dançando pra gente, pedindo pra dar uma volta, um ‘pião’”, diz. “O objetivo é curtir, senhora, ser feliz.” H. rouba desde os 12 anos. Já roubou carros, residências, lojas e fez a conhecida “saidinha de banco”. O produto sempre se transforma em consumo rápido e supérfluo. Gastou R$ 1.500, em um dia, em boné, chinelo e tênis. É roubar em um dia e gastar no outro. Logo na saída do shopping, H. faz a obrigatória foto com o celular para postar em uma rede social. Para que roubar, se não for para comprar e se exibir?

Ostentar é a manifestação de um desejo humano, independentemente da classe social. Corruptos despertam atenção quando compram carros esportivos ou helicópteros; rappers gastam em reluzentes correntes de ouro; os “funkeiros ostentação”, que embalam a vida de G., H. e L. nos fluxos, exaltam a exibição. “O problema é que, em alguns casos, o sujeito não encontra freios inibitórios [contra cometer crimes] em valores pessoais. É o mesmo sentimento que faz com que o sujeito se envolva no petrolão”, afirma o promotor da Infância e Juventude Tiago Rodrigues, do Ministério Público do Estado de São Paulo. Há 20 anos, jovens roubavam tênis importados para se diferenciar dentro de um grupo. Hoje, os tênis não diferenciam mais ninguém, tornaram-se pequenos para suas aventuras: com a proliferação da pirataria, todos podem comprar uma réplica. “Então o garoto rouba o carro bonito, a moto bacana. Houve uma escalada de violência”, afirma o desembargador Reinaldo Cintra, vice-coordenador da Infância e Juventude de São Paulo.

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