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domingo, 27 de março de 2022

Guerra na Ucrânia: os três ciberataques russos que as potências ocidentais mais temem

 BBC

Joe Tidy - Repórter de segurança cibernética

Segundo Biden, a inteligência norte-americana acredita haver indícios de que a Rússia está planejando um ataque cibernético contra os Estados Unidos

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, convocou empresas e organizações nos EUA a "trancar suas portas digitais". Segundo Biden, a inteligência norte-americana acredita haver indícios de que a Rússia está planejando um ataque cibernético contra seu país.

Autoridades do Reino Unido responsáveis por tecnologia e internet estão de acordo com os pedidos da Casa Branca por "aumento das precauções de segurança cibernética", embora não tenho sido fornecida nenhuma evidência de que a Rússia esteja planejando um ataque cibernético.

Moscou declarou em outras oportunidades que acusações do tipo são "russofóbicas".

No entanto, a Rússia é uma superpotência cibernética com hackers e grande capacidade de ataques disruptivos e potencialmente destrutivos. Do ponto de vista cibernético, a Ucrânia foi relativamente pouco atacada no atual conflito entre os dois países, mas especialistas agora apontam preocupações de que os alvos sejam os aliados da Ucrânia. "Os alertas de Biden parecem plausíveis, principalmente porque países do Ocidente determinaram mais sanções contra a Rússia, houve o envolvimento de ativistas hackers na briga e a movimentação em terra da invasão aparentemente não está saindo como planejado", diz Jen Ellis, da empresa de segurança cibernética Rapid7.

Abaixo, os ataques que os especialistas mais temem:

"BlackEnergy"

A Ucrânia é frequentemente descrita como um campo de testes dos hackers russos, por meio de de ataques realizados aparentemente com intuito de experimentar técnicas e ferramentas.

Em 2015, a rede elétrica da Ucrânia foi atingida por um ataque cibernético chamado "BlackEnergy", que causou um apagão de curta duração que afetou 80 mil pessoas no oeste do país.

Estação de energia na Ucrânia
Reuters
A rede elétrica ucraniana já foi alvo de hackers mais de uma vez

Quase um ano depois, outro ataque cibernético, que ficou conhecido como "Industroyer", bloqueou o fornecimento de energia elétrica em cerca de um quinto de Kiev, a capital ucraniana, por cerca de uma hora.

[comentário/pergunta de leigos: ministro Barroso,  após a leitura atenta da presente matéria, que comprova a força dos hackers, perguntamos: como é possível que  só o sistema de informática do TSE seja a prova de ataques hackers.?]

Os EUA e a União Europeia atribuíram o incidente a hackers militares russos.

"É totalmente possível que a Rússia tente executar um ataque como esse contra países ocidentais para demonstrar seu poderio e mandar um recado", diz a responsável pela segurança cibernética ucraniana Marina Krotofil, que ajudou a investigar os ataques de corte de energia.

"No entanto, nenhum ataque cibernético contra uma rede elétrica resultou em interrupção prolongada do fornecimento de energia. A execução de ataques cibernéticos de maneira eficiente em sistemas complexos de engenharia é extremamente difícil. Alcançar um efeito prejudicial prolongado muitas vezes é impossível devido aos esquemas de proteção."

Especialistas como Krotofil também levantam a hipótese de que esse tipo de conflito possa se voltar contra a Rússia, já que países ocidentais também têm condições de atingir redes russas.

A força do NotPetya

O NotPetya é considerado o ataque cibernético que mais prejuízos financeiros causou na história. A autoria foi ligada pelas autoridades dos EUA, Reino Unido e UE a um grupo de hackers militares russos.

O software com poder de destruição foi colocado em uma atualização de um programa de computador bastante usado para contabilidade na Ucrânia, mas se espalhou pelo mundo, devastando sistemas de computador de milhares de empresas e causando aproximadamente US$ 10 bilhões em danos.

Hackers norte-coreanos também foram acusados ??de causar grandes transtornos com um ataque parecidos um mês antes.

WannaCry
Reprodução/Webroot
O 'pedido de resgate' que aparecia com o worm WannaCry

O "worm" (um tipo de vírus ainda mais destrutivo) WannaCry foi usado para truncar ou borrar dados em aproximadamente 300 mil computadores em 150 países. O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido foi forçado a cancelar um grande número de consultas médicas."Esse tipo de ataque pode ser a maior oportunidade para gerar caos em massa, instabilidade econômica e até perda de vidas", diz Jen Ellis.

"Pode ser difícil de se imaginar, mas a infraestrutura crítica [de sistemas] geralmente depende de tecnologias conectadas, tal qual nossas vidas no mundo moderno. Vimos o potencial para isso com o impacto do WannaCry nos hospitais do Reino Unido."

Alan Woodward, professor e cientista da computação da Universidade de Surrey, no Reino Unido, lembra que esses ataques também trazem riscos para a Rússia."Esses tipos de hacks incontroláveis ??são muito mais parecidos com guerra biológica, pois é muito difícil atingir infraestrutura crítica de forma específica, localizada. O WannaCry e o NotPetya também fizeram vítimas na Rússia."

Ataque ao fornecimento de combustível

Em maio de 2021, vários Estados dos EUA adotaram esquemas de emergência depois que hackers conseguiram bloquear as operações de um oleoduto importante.

Filas em postos de combustível nos EUA
Getty Images
Ataque cibernético provocou corrida a postos de combustível nos EUA

O oleoduto transporta 45% do suprimento de diesel, gasolina e combustível de aviação da Costa Leste dos Estados Unidos. O ataque provocou uma corrida a postos de combustível.

Esse ataque não foi realizado por hackers ligados ao governo russo, mas pelo grupo de ransomware (modalidade em que criminosos exigem pagamento para desbloquear um sistema) DarkSide, que especialistas apontam estar baseado na Rússia.

A empresa afetada admitiu pagar aos criminosos US$ 4,4 milhões (mais de R$ 21 milhões) em Bitcoin com rastreabilidade dificultada para retomar o funcionamento dos sistemas.

Linha de produção da JBS
Reuters
A empresa brasileira JBS também foi alvo de ataque

Algumas semanas depois, o fornecimento de carne foi impactado quando outra equipe de ransomware chamada REvil atacou a brasileira JBS, a maior processadora de carne bovina do mundo.

Um dos grandes temores que os especialistas têm sobre as capacidades cibernéticas russas é que o Kremlin possa instruir grupos a coordenar ataques a alvos dos EUA, para maximizar a interrupção. "A vantagem de usar cibercriminosos para realizar ataques de ransomware é o caos geral que eles podem causar. Em grande número, eles podem causar sérios danos econômicos", diz Woodward, da Universidade de Surrey.

"Também vêm com o bônus de que é possível negar ligação com esses grupos, pois eles não têm uma conexão formal com o Estado russo".

Como os EUA poderiam responder?

No caso altamente improvável de que um país-membro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) seja alvo de um ataque cibernético que cause perda de vidas ou danos irreparáveis, isso poderia desencadear o Artigo 5, a cláusula de defesa coletiva da aliança. Mas especialistas dizem que isso arrastaria a Otan para uma guerra da qual a organização não quer fazer parte, então é mais provável que as respostas venham diretamente dos EUA ou de aliados próximos.

Biden disse que os EUA "estão preparados para responder" se a Rússia lançar um grande ataque aos EUA.

Mas qualquer ação provavelmente será ponderada com muito cuidado.

Correio Braziliense


sábado, 20 de janeiro de 2018

O drama das famílias mais miseráveis do Rio de Janeiro



Instituto Pereira Passos identificou na cidade 2,3 mil famílias que vivem com quase nada

Pela manhã, dois pães franceses alimentaram Deise, seis filhos e uma neta de 4 anos. À tarde, sem opção, todos tiveram que se contentar em dividir um prato de angu. À noite, era provável que não tivessem o que comer. Nesta quinta-feira, foi mais um dia em que Deise dos Santos Barbosa, de 36 anos, fez o que pôde para para minimizar a fome da família, recolhida no interior de uma casa minúscula desprovida de saneamento básico na Rua da Torre, no sub-bairro Coqueiral, em Santa Cruz, na Zona Oeste. 

Analfabeta, mãe de nove filhos três deles vivem com parentes —, Deise cuida dos que estão em casa com R$ 234 do Bolsa Família. No mais, recebe ainda um dinheiro incerto da pensão paga pelo pai de dois de seus filhos, que vende balas em frente ao Centro Municipal de Saúde Décio do Amaral Filho, no conjunto Urucânia, em Paciência, um bairro vizinho.  O esgoto produzido na residência é despejado num valão que fica em frente, por onde também escoam, a céu aberto, os dejetos de vizinhos. A água consumida vem de um cano, de aproximadamente dois centímetros de diâmetro, instalado pela Cedae, que, pelas condições insalubres, passa por valões. Para ter energia, ainda que precária, Deise recorreu a ligações ilegais na rede elétrica da casa de uma vizinha que, com frequência, não funcionam. Com os picos constantes, os poucos alimentos disponíveis estragam na geladeira. É comum, em noites quentes, como a de ontem, dormirem sem luz e sem ventilador.

O bairro onde mora Deise é um dos redutos de famílias da capital identificadas pelo Instituto Pereira Passos (IPP) como em situação de vulnerabilidade social grave, como informou Flávia Oliveira em sua coluna no GLOBO. Ao todo, o Rio tem 2.324 famílias que sobrevivem com muito pouco ou quase nada, segundo o estudo. A maioria delas mora na Zona Oeste: Santa Cruz, Jacarepaguá (Cidade de Deus), Paciência, Guaratiba, Campo Grande, Bangu, Paciência e Realengo. Noventa por cento dessas famílias, diz o instituto, vivem em situação de insegurança alimentar. Ou seja: no limiar da fome, como informou.  — Uma coisa curiosa é que no Rio a gente faz o recorte do que é favela e do que não é favela. Mas, entre os 180 piores locais, nenhum está em favelas da Zona Sul. Ou seja, a pobreza também é territorializada — afirma Mauro Osório, presidente do IPP. — Esse levantamento mostra a desigualdade que a cidade do Rio de Janeiro ainda tem.

SONHOS DESPEDAÇADOS
A vida de Deise é semelhante à de seus vizinhos. Dois deles são o casal Euler Jordan, de 24 anos, e Clarice Miranda de Oliveira, de 19 anos. Eles chegaram ao Rio, em 2004, de Contagem, Minas Gerais, de onde saíram fugindo da pobreza. Cauan, de 3 anos, é filho do casal e viajou na barriga da mãe para nascer no Rio. Hoje, Clarice carrega mais um bebê na barriga, que deve nascer em dois meses. Para sustentar a prole, Euler faz biscates em uma oficina mecânica.

A casa em que vivem não tem saneamento. A energia é fruto de “gato” e, por isso, a geladeira quase não funciona e não pode ser usada. A água aparece na torneira somente das 22h às 8h. É quando Clarice enche galões para uso diário. Um galão fica permanentemente aberto para afazeres domésticos e banho. Ontem, havia uma linguiça numa panela sobre o fogão exposto ao sol. Era o que tinha para comer até as 11h30m.
— Quando tem muito serviço, consigo R$ 1 mil num mês. Quando está fraco, R$ 500. Como vou sustentar uma família com isso? Viemos para melhorar, porque a situação em Contagem era braba — lamentou Euler que, assim como a mulher, estudou até o 8º ano do ensino fundamental.

Famílias como a de Deise e de Euler são assistidas pelo programa Territórios Sociais do IPP, que as ajuda a obter benefícios do governo, como Bolsa Família. Além de 90% de famílias identificadas estarem no limiar da fome, uma em cada quatro tinha crianças em idade escolar longe das salas de aula. Ao todo, 53% não têm acesso à água encanada e 69%, a esgoto tratado. Setenta e dois por cento das famílias não tinham sequer filtro de água. Outro dado preocupante é que um terço dos chefes de família não tem CPF, o que impede que estejam cadastrados em programas assistenciais.

Segundo Andrea Pulici, coordenadora do programa, o critério de vulnerabilidade social usado pelo Instituto Pereira Passos é o mesmo usado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O grupo de mais de duas mil famílias foi identificado, com base nesse parâmetro, entre 20 mil domicílios dos 180 piores setores censitários (zonas divididas de acordo com indicadores socioeconômicos) na cidade. Todos eles têm Índice de Desenvolvimento Econômico (IDS) menor que 0,39, quando a média na cidade é de 0,6.
— O PNUD leva em conta duas coisas: uma é a imobilidade, a dificuldade dessas famílias terem acesso aos serviços, e a outra é a carência material — diz Andrea.

Uma carência que beira à tragédia. Há 13 anos, Antônio Abade Correira, de 62 anos, veio oo Maranhão para trabalhar na área de serviço social. Chegou a fazer um curso no Hospital Municipal Souza Aguiar, mas não foi efetivado. Soropositivo, ele hoje não consegue remédios e os pais que o ajudavam estão mortos. Sua luta, agora, é para ter, ao menos, uma aposentadoria. Enquanto isso não acontece, vive da doação de cestas básicas que obtém, na clínica da família, ou do que arrecada em biscates. A casa onde mora com seu companheiro não tem energia. Como os vizinhos, Antônio tem “gato”, que mal funciona. E, como não tem vaso sanitário um dos itens que caracterizam a situação de carência extrema das famílias localizadas pelo IPP —, ele é obrigado a descartar os dejetos em um saco plástico. À tarde, Antônio faz o descarte deles no caminhão de lixo da Comlurb que passa pela Rua Colina dos Santos:  A Cedae não trouxe canos até aqui. Há três dias estou sem tomar banho. Meus vizinhos é que me ajudam.
Quando não tem cesta básica, Antônio improvisa. Anteontem, por exemplo, seu namorado chegou com seis salsichas para os dois.

— Tivemos que fazer três salsichas para o almoço e três para o jantar. Não dá para guardar. As moscas varejeiras não deixam — lamenta ele.  O arquiteto Pedro da Luz, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), acredita que a invisibilidade dessas famílias longe dos centros da cidade agrava a situação que elas enfrentam:
— Tradicionalmente todas as cidades brasileiras têm essa característica de expulsar os mais pobres paras suas periferias mais distantes. E é aí que está a extrema carência — observa, defendendo que essas pessoas se aproximem, por meio de programas, dos centros.

O Globo