Martin Wolf
Quarentenas são necessárias para controlar o contágio, mas têm de ser breves
Uma jornada de milhares de quilômetros começa com um único passo. A
jornada por esta pandemia será longa e difícil. Não temos como saber
onde ela vai terminar, embora seja difícil não especular. Em vez disso, o
que precisamos fazer é nos concentrar nos passos que temos logo à
frente se quisermos evitar cair de nosso caminho estreito, num
morticínio de um lado ou numa devastação econômica do outro.
Se não evitarmos essas calamidades num futuro próximo, corremos o risco
de mergulhar no caos mais à frente. E mesmo que conseguirmos fazer isso,
não retornaremos à normalidade que até recentemente tínhamos como
certa. Para isso, precisamos pelo menos esperar por uma cura ou uma
vacina. Os danos econômicos e sociais durarão ainda mais.
Análise da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE) esclarece a ruptura econômica que vem por aí. Esta não é uma
recessão comum ou mesmo uma depressão causada por um colapso na demanda.
A atividade econômica está sendo desligada, em parte porque as pessoas
temem entrar em contato umas com as outras e em parte porque os governos
disseram que elas precisam ficar em casa. O impacto imediato dessas
ações poderá ser uma redução no PIB do G-7, o grupo das sete nações mais
industrializadas, em algo entre 20% e 30%. A cada mês que grandes
partes de nossas economias permanecerem fechadas, o crescimento anual
poderá cair 2 pontos porcentuais.
Além disso, os custos são repartidos de forma desigual. Os trabalhadores
não capacitados sofrem mais com a perda de empregos. Pessoas e empresas
capazes de trabalhar online continuam trabalhando. Aqueles que não
conseguem fazer isso, não. E os custos também não são divididos igualmente em termos globais.
Muitos países emergentes e em desenvolvimento estão sendo afetados pelo
colapso da demanda externa, a queda nos preços das commodities e uma
fuga de capital sem precedentes, ao mesmo tempo em que têm de
administrar a pandemia com sistemas de saúde altamente inadequados. As
quarentenas são particularmente brutais nos países com assistência
social limitada ou mesmo nenhuma, e com grandes números de pessoas que
subsistem com o que ganham diariamente numa economia informal frágil.
É correto perguntar se essa carnificina econômica pode ser justificada.
Entre os países de alta renda, a Suécia vem adotando a postura menos
restritiva. Uma comparação com a Noruega torna essa concessão clara: o
desemprego vem crescendo menos na Suécia também, mas muito menos do que
no país vizinho; mesmo assim, o número de mortes também é maior na
Suécia. Deveríamos ser gratos pela experiência sueca. Podemos aprender com ela, de uma maneira ou de outra.
Minha opinião, porém, em linha com a dos especialistas em saúde e
grandes economistas, é de que as quarentenas são necessárias para evitar
um colapso dos sistemas de saúde e controlar a doença. Mas elas
precisam ser breves. É impossível manter as pessoas confinadas
indefinidamente sem que haja grande sofrimento e danos sociais e
econômicos. Isso obviamente é verdade onde os governos são incapazes de
oferecer as custosas medidas de proteção social possíveis nos países de
alta renda.
As quarentenas precisam ser um espaço curto para respirar, antes de
passarmos para o que um grupo de especialistas alemães chama de uma
“estratégia adaptada ao risco”. Durante as quarentenas, os governos
precisam fazer tudo o que for necessário para evitar essas intervenções
pesadas novamente. Eles não têm muito tempo para fazer isso: uns poucos
meses, não mais.
Fazer os confinamentos valerem a pena, para permitir que vivamos sem
eles, é o primeiro passo essencial. O segundo passo é minimizar os danos
econômicos. Aqui, o foco precisa estar no dia de hoje, e não no elevado
endividamento público e outros fardos do futuro. Assim como na guerra, é
preciso sobreviver ao presente se quisermos ter um futuro que valha a
pena. Levando-se em conta o que é preciso fazer para gerenciar o impacto
econômico devastador, além de reabrir as economias o mais rapidamente,
dentro de uma maneira razoavelmente segura, há três considerações
essenciais.
Primeiro, proteger os fracos, tanto dentro dos países como entre eles.
Uma doença ameaça a todos. A maneira de responder é uma medida de nossos
padrões éticos. É indispensável garantir uma segurança econômica básica
para todos se esses não puderem trabalhar. Uma renda básica universal e
temporária é uma opção óbvia. De modo parecido, e tão importante
quanto, é preciso encontrar meios para apoiar economias vulneráveis. Há
muitas possibilidades radicais.
Uma delas é uma nova e enorme emissão de Direitos Especiais de Saque do
Fundo Monetário Internacional (FMI), com doações por países de alta
renda de suas parcelas em um fundo em benefício dos países em
desenvolvimento mais vulneráveis. Também crucial será uma suspensão dos
pagamentos de serviços das dívidas enquanto a crise durar.
Em segundo lugar, não provocar danos. O maior golpe viria da destruição
completa do sistema comercial. Isso tornaria imensamente mais difícil
restabelecer a prosperidade global depois do fim da crise.
Em terceiro lugar, abandonar crenças desgastadas. Governos já desistiram
de velhas regras fiscais, e com razão. Os bancos centrais também
precisam fazer tudo que for preciso. Isso significa financiar o
orçamento dos governos. Os bancos centrais fingem que o que eles estão
fazendo é reversível e portanto não se trata de financiamento monetário.
Se isso os ajudar a agir, isso é bom, mesmo que provavelmente não seja
correto.
Na zona do euro, eles falam muito em eurobônus. Mas o apoio que importa
terá de vir do Banco Central Europeu. Não há alternativa. Ninguém
deveria se importar. Sempre há maneiras de gerenciar as consequências.
Até mesmo “dinheiro jogado de helicóptero” poderia muito bem ser
justificado numa crise tão profunda.
Escolhas mais dolorosas que essas surgem. Uma emergência como esta será
usada por aspirantes a tiranos para aumentar seu poder. Ao mesmo tempo,
algumas liberdades terão de ser deixadas de lado temporariamente. Administrar concessões tão dolorosas depende de altos graus de confiança
e integridade, características pouco evidentes nas democracias de hoje.
Mas o teste é agora. Os governos que não conseguirem enfrentar esses
desafios correm o risco de colapsar. Sistemas políticos que produzem
tais governos correm o risco de perder sua legitimidade. Precisamos
acertar nos próximos passos. Tudo vai depender disso. (Tradução de Mário Zamarian)
Valor Econômico - Martin Wolf , editor e analista do Financial Times