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quarta-feira, 7 de junho de 2017

Perigo à vista: uma CPI da JBS

Diante dos antecedentes, quando alguém falar em comissão parlamentar de inquérito, proteja sua carteira

O presidente do Senado, Eunício Oliveira, autorizou a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar a JBS. Ela tem direito à presunção da inocência, mas os antecedentes recomendam a presunção da culpa.  A memória nacional mal se recuperou do vexame da CPI mista que investigou as atividades do contraventor Carlinhos Cachoeira. Instalada em 2012, durou oito meses e terminou em pizza fria. Tendo diante dos olhos os negócios da empreiteira Delta, os senadores e deputados conseguiram a proeza de não chamar o governador Sérgio Cabral para depor. 

O dono da Delta era Fernando Cavendish, aquele que cacifou o mimo de um anel de brilhantes para madame Adriana Ancelmo. A joia foi comprada na loja Van Cleef & Arpels de Mônaco enquanto a CPI funcionava em Brasília. Sérgio Cabral está na tranca em Benfica, Adriana está no Leblon em prisão domiciliar e Cavendish, depois de passar alguns dias na cadeia, negocia uma difícil colaboração com o Ministério Público. Nada disso aconteceu por causa das investigações dos senadores ou dos deputados. 

Depois do vexame da CPI mista de Carlinhos Cachoeira, o Congresso voltou a afrontar a boa-fé do público. Em 2014, criou duas comissões para investigar a Petrobras. Um dos paladinos da iniciativa era o doutor Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara. Dois depoimentos, ambos destinados a proteger petrorroubalheiras, enrubescem quem os revisita. Num, a CPI mista ouviu Paulo Roberto Costa, um ex-diretor da Petrobras que estivera preso. Num discurso heroico, ele mostrou que nada ocorrera de estranho na empresa. Disse até que guardava R$ 1,2 milhão em casa “para fazer pagamentos”. Semanas depois “Paulinho” voltou para Curitiba, fez um acordo com o Ministério Público, e deu no que deu. 

Passou-se mais de um ano, a LavaJato já encarcerara 112 maganos, entre eles Marcelo Odebrecht, e o príncipe das empreiteiras foi chamado para depor na CPI. Os parlamentares receberam-no como um potentado. Em seu depoimento, o doutor desdenhou da conduta dos acusados que colaboravam com o Ministério Público. Àquela altura eram nove. Logo ele entraria no bloco.  Essas duas CPIs não foram simples fracassos, mas grandes vexames. Fracassos fazem parte da vida. Tanto em relação a Cachoeira como no caso da Petrobras, as CPIs destinaram-se a manipular os interessados e a iludir o público. 

A nova CPI, que pretende investigar as traficâncias dos irmãos Batista, anuncia que examinará seus negócios com o BNDES. Isso é o que se diz. Noutra investigação financeira, a do Banco do Estado do Paraná, o Banestado, prevaleceram as conversas paralelas com outros papeleiros. Na CPI do Cachoeira, era falta de educação mencionar os negócios de Cavendish com Cabral. Na da Petrobras, chegava a dar pena o desempenho de comissários procurando blindar larápios que meses depois contariam a verdade aos procuradores. 

As empreiteiras e a JBS capitularam graças à honestidade e ao trabalho do Ministério Público e do Judiciário. Nada a ver com o Legislativo. Se o senador Eunício Oliveira quiser ajudar, instala a CPI das CPIs. Os réus da Lava-Jato têm muito a contar, começando pelo ex-senador Delcídio do Amaral.

Fonte: O Globo - Elio Gaspari, jornalista

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Credibilidade em xeque

O Supremo Tribunal Federal (STF), tentando resolver uma crise institucional, pode tê-la aprofundado por perder a credibilidade diante da opinião pública. O STF vinha representando um papel de fiel da balança, do garantidor da democracia brasileira, e se perder a confiança da população, ficaríamos em uma situação bastante delicada.

Temos um governo que não é popular
e está ainda tentando encontrar um caminho de equilíbrio entre o conservadorismo nato do presidente Michel Temer e o reformismo que é necessário. Um Legislativo completamente desmoralizado, e o Judiciário em xeque com essa última decisão.

Uma de nossas crenças é a de que, apesar das crises múltiplas, nossas instituições democráticas funcionam normalmente. Mas elas estão sendo corroídas gradativamente pela falta de credibilidade. Tenho certeza absoluta de que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que mudaram de posição em relação ao julgamento do mérito na ação que proíbe que um réu faça parte da linha de substituição do presidente da República, o fizeram na melhor das intenções.  Estavam preocupados com a crise institucional implantada com a confrontação, pelo Legislativo, da decisão liminar o ministro Marco Aurélio afastando o senador Renan Calheiros da presidência do Senado, pensaram no país, acharam que a melhor solução era tranqüilizar o Senado, permitindo que o Congresso prosseguisse a votação das reformas econômicas tão necessárias.

Mas se equivocaram, pois, além de não ser a decisão mais acertada a meu ver, se puseram completamente nas mãos de Calheiros. O mínimo que deveria acontecer era exigir que ele acatasse a decisão liminar do STF, deixando a presidência do Senado para o vice Jorge Vianna, até que o recurso ao plenário fosse julgado. Seria a única maneira de evitar que o Supremo fosse confrontado pelo Legislativo, e quase humilhado por Renan Calheiros. [uma pergunta que não quer calar: se existe uma LEI FEDERAL, em plena vigência - Lei nº 9.882 - que determina que liminar para o tipo de ação proposta pela Rede (partido a falta de um projeto sério para o Brasil, se limita a atrapalhar a solução dos problemas que afligem nossa Pátria) só pode ser concedida pela maioria absoluta do SUPREMO.

E o ministro Marco Aurélio é apenas um - não é maioria absoluta, mesmo que na hora de assinar a ilegal liminar estivesse sozinho em seu gabinete.]
Os ministros não tiveram o cuidado de preservar a instituição diante de um fato grave, a recusa do presidente do Senado de receber do oficial de Justiça a comunicação de que estava fora das suas funções. Não adiantam de nada os discursos de vários juízes, inclusive da presidente do Supremo, ministra Carmem Lucia, criticando a atitude, classificada de “uma afronta à Justiça”. E daí?

Renan Calheiros não aceitou a decisão do ministro Marco Aurélio Mello, levou a Mesa do Senado a fazer um documento em que rejeitava a liminar, e não aconteceu nada com ele, não sofrerá nenhuma punição. Um péssimo exemplo para a cidadania, uma demonstração de que há ainda no país quem esteja imune às penas a que os comuns dos mortais estão sujeitos.  O equívoco político foi considerar Renan Calheiros imprescindível para a governabilidade. Não creio que o Senado se rebelaria contra o STF, inviabilizando assim as reformas. E mesmo que o PT estivesse no comando da Casa com o senador Jorge Vianna, não teria condições políticas para impedir que a maioria votasse a PEC do teto dos gastos.

No limite, poderia adiar a votação para fevereiro, quando provavelmente o senador peemedebista Eunício de Oliveira estará à frente do Senado. É claro que isso provocaria um estresse momentâneo, o mercado reagiria mal, mas faz parte do jogo.   Não diria nem que houve um acordo, mas o consenso a que chegaram de que a melhor solução seria a adotada é um equívoco e enfraquece o Supremo. Os ministros do Supremo foram mais generosos do que cautelosos, pensaram mais na crise institucional do que na imagem da sua instituição, que ficou muito abalada, sujeita a mil interpretações.

A maioria da opinião pública está convencida de que houve um acordo político para salvar Renan. Em troca, ele tiraria da pauta, o que realmente aconteceu, o projeto sobre abuso de autoridade, e não mais mexeria nos supersalários do Judiciário. A ministra Carmem Lucia, presidente do Supremo, já havia tentado interferir, através do presidente Michel Temer, para que os projetos sobre abuso de autoridade com punições para juízes e procuradores não fossem colocados por Renan na pauta, e não fora atendida. [foi então escalado o superministro Marco Aurélio para dar um susto em Renan e acomodar tudo.]

Essas insinuações são motivadas por uma mudança de posição do Supremo que parece inexplicável
a quem queria ver Renan Calheiros fora da presidência do Senado e foi para as ruas exigir. 


Fonte: Merval Pereira - O Globo

 

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Adiando o inevitável

Todas as manobras, no limite da legalidade, utilizadas pelo presidente do Senado Renan Calheiros têm, tudo indica, a finalidade de ganhar tempo para encontrar uma saída que prolongue a permanência da presidente Dilma à frente do governo. Uma tarefa quase impossível a essa altura, pois já existe um grupo de 47 senadores declarados a favor do seu afastamento, seis a mais do que o mínimo necessário.

 O senador Renan Calheiros tenta vender uma imagem de imparcialidade neste momento, mas qualquer movimento da direção do Senado que alargue os prazos regimentais, mesmo sob a alegação de que está preservando o respeito às normas regimentais para evitar acusação de nulidade no Supremo, beneficia o governo que está sendo processado.


Além do mais, adiando uma definição o Senado está colaborando para ampliar a paralisia no país, pois ninguém se decide a investir sem saber quem estará à frente do governo nos próximos meses e anos.   Mas o julgamento de hoje do Supremo Tribunal Federal pode dar um fôlego a esse grupo que tenta se manter no poder a qualquer custo. Se o ex-presidente Lula for autorizado pelo STF a assumir a Chefia do Gabinete Civil, uma nova onda de negociações será aberta imediatamente, agora com Lula ocupando o gabinete mais importante do Palácio do Planalto.


Como naquela célebre frase do então Primeiro-Ministro Tancredo Neves, que recusou a cabeceira da mesa de reuniões oferecida a ele por um ministro afirmando que “a cabeceira é onde estou sentado”, também o gabinete mais importante do Planalto passará a ser o de Lula, para onde todas as expectativas se voltarão.   O ex-presidente sabe que se o Senado aprovar a admissibilidade do processo de impeachment, dificilmente ao fim do julgamento deixará de condenar a presidente Dilma. Um novo governo estará em exercício pleno, e a realidade se encarregará de tornar fato consumado o afastamento da presidente.


Portanto, Lula terá cerca de 20 dias para tentar reverter os votos no Senado, para que o processo contra Dilma não vá a julgamento. Tudo dependerá também da situação em que Lula chegará ao Gabinete Civil. Se prevalecer a proposta de permitir-lhe assumir como ministro, mas sem a blindagem do foro privilegiado, o ex-presidente estará exposto a um processo do Juiz Sérgio Moro mesmo no exercício do cargo ministerial, o que lhe tiraria o peso político nas negociações.


Se, no revés total, o Supremo não permitir que assuma uma posição no ministério da presidente Dilma, o jogo estará simbolicamente encerrado. Há também outra razão por trás da procrastinação da decisão, que o senador Renan poderia impor legalmente, indicando ontem mesmo os membros da comissão que os partidos não se dispusessem a nomear: a tentativa de criar um ambiente para a discussão da proposta de emenda constitucional que convoca eleições gerais para este ano.

 
 Os senadores João Capiberibe, do PSB, e Walter Pinheiro, sem partido, alguns dos autores da proposta, discursaram sobre o tema ontem e receberam o apoio de Renan. Essa mudança constitucional sim pode ser classificada de golpista, pois para que ela seja minimamente viável pelo menos o vice-presidente Michel Temer teria que aceitar renunciar, sem falar no resto da cadeia sucessória.  

 
Também o senador Eunício de Oliveira colaborou com o adiamento da decisão, pois não indicou os membros do PMDB na comissão, agindo em conjunto com o PT, que liderou a tentativa bem sucedida de atrasar a formação da comissão.  Conseguiram, no entanto, ganhar apenas menos de uma semana nesse processo, e nada indica que nesse curto período haverá alguma modificação na tendência majoritária do Senado.   


Fonte: Merval Pereira - O Globo