Ministro faz ataque inaceitável a outro membro do tribunal, Gilmar Mendes. Então vamos lembrar a biografia do truculento desta quinta-feira
Os ministros Gilmar Mendes e Roberto
Barroso protagonizaram nesta quinta um embate no Supremo — ou, para
adequar o nome ao evento, um bate-boca. Sim, Mendes estava certo. E não
apenas porque costuma estar. Barroso estava errado. E não porque costuma
estar. Nota antes que prossiga: a reação nas redes sociais comprova que
a direita, com efeito, virou o último refúgio dos canalhas. E dos
burros. Já explico tudo.
Ao votar sobre determinada matéria, nem
entro em detalhe, Mendes lembrou o desastre que aquela corte havia
patrocinado quando decidiu declarar inconstitucional a lei que regulava o
pagamento de precatórios. O relator foi Luiz Fux, que deu um voto
destrambelhado para agradar à OAB e foi seguido pela maioria. Lembrei o caso aqui
nesta quarta. Mais: o ministro citou o caso do Estado do Rio como
exemplo a não ser seguido. Por quê? Por ali, usavam-se depósitos
judiciais para cobrir despesas correntes. E, por óbvio, o ministro
observou que era um exemplo a NÃO SER SEGUIDO, embora, à época, alguns
parvos achassem ser aquele um bom caminho.
Não é que Barroso resolveu se zangar?
Tomou como um ataque a seu estado natal. Esqueceu que é ministro do
Supremo e resolveu atuar como líder de torcida ou de facção. Fez então
uma referência o estado natal de Gilmar, o Mato Grosso, em que há uma
investigação em curso que atinge várias autoridades. O que o ministro
tem a ver com isso, além de nada? Eu poderia lembrar a Barroso que ele e
Marcinho VP nasceram na mesma unidade da federação. E ele poderia
lembrar de Marcola, que é de São Paulo. E daí?
Mas quem conhece como Barroso foi feito
ministro e como se fazem as salsichas entende o piti. Ele pertence à
fina flor da elite carioca que via no Rio uma espécie de farol da
humanidade. Luiz Fux é outro. Era o tempo em que o rei local se chamava
Sérgio Cabral. Fux, o relator, diga-se, daquela barbaridade sobre
precatórios, quando indicado para o STF, foi à casa de Cabral e beijou
os pés de Adriana Ancelmo, então primeira-dama. No Jornal Nacional,
Cabral aparecia ligeiramente abaixo do Cristo Redentor.
E, no entanto, exceção feita ao Tribunal
de Justiça do Estado, onde estão amigos diletos de Barroso e Fux, o Rio
está quebrado. Multiplamente quebrado. Ainda voltarei a esse
particular.
O ministro do piti, aquele que,
recentemente, referiu-se a Joaquim Barbosa como “um negro de primeira
linha” — e depois caiu em prantos, sensível que é —, resolveu chutar a
canela de Gilmar, acusando-o de ser leniente com crimes do colarinho
branco e de soltar presos. Levou de volta a justa qualificação de
“advogado de bandido internacional”. Ou Cesare Battisti é o quê?
Quanto a soltar presos, Mendes lembrou o
papel decisivo de Barroso ao aliviar a pena de quatro petistas
condenados no mensalão: José Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha e
Delúbio Soares. Mais um piti do buliçoso ministro. Vamos à história.
Embargos infringentes
O Artigo 333 do Regimento Interno do Supremo prevê:
“Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma:
(…)
Parágrafo único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta.
O Artigo 333 do Regimento Interno do Supremo prevê:
“Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma:
(…)
Parágrafo único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta.
O “embargo infringente” permite que se faça uma nova votação havendo os quatro votos divergentes. Ocorre, queridos, que a Lei 8.038,
de 1990, que regula os processos perante o STF e o STJ não traz mais os
ditos “embargos infringentes”. E, por óbvio, esse artigo do Regimento
deveria ser declarado sem efeito. Tanto é assim que tal recurso já não
existe mais no STJ.
Eis que, por 6 a 4, o STF decidiu, em
setembro de 2013, que um artigo de regimento deveria valer mais do que a
lei, e os embargos foram considerados válidos. Quem lutou bravamente
por isso? Roberto Barroso. Além dele, declararam a sobrevivência do que a
lei extinguiu os seguintes ministros: Teori Zavascki , Dias Toffoli,
Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.
Todos aqueles petistas tinham
condenações com quatro votos contrários. E se fez uma nova votação.
Fixo-me em Dirceu para que entendam a polêmica de ontem. O petista foi
condenado por corrupção passiva e formação de quadrilha. Os quatro
ministros que o absolveram desse segundo crime continuavam, então, na
Corte — e, portanto, numa nova votação, manteriam, como mantiveram, sua
decisão: Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
Dos seis que haviam condenado — e o tribunal estava com 10 membros à
época —, restavam cinco, uma vez que Joaquim Barbosa já havia
renunciado. Eram eles: Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de
Mello.
Assim, a nova votação começou num cinco a
quatro contra Dirceu. Mas a corte já estava com dois novos membros:
Roberto Barroso e Teori Zavascki. E, sim, ambos votaram para inocentar
Dirceu do crime de quadrilha. Sua pena foi reduzida em 2 anos e 11
meses, e o sr. Barroso esteve na vanguarda dessa luta. Mais: disse a
quem quis ouvir que considerava as penas do mensalão “um ponto fora da
curva” porque muito rigorosas. E isso apressou a saída de Dirceu da
cadeia. Os demais petistas também foram beneficiados.
Quem visse o doutor falar ontem e quem o
viu atuando na Primeira Turma contra Aécio Neves — naquele dia, abriu
champanhe no gabinete — e depois no pleno poderiam julgar que ali se
encontrava o mais rigoroso dos juízes. NÃO FOI O SEU COMPORTAMENTO COM
OS PETISTAS DO MENSALÃO. Mas, segundo o valente, quem fica mudando de
critério a depender de quem esteja sendo julgado é Gilmar Mendes.
Pois é… Lembro a obra do Doutor. E, como
ele sabe, não temo os textos longos, explicando o “é da coisa”. Nem
meus leitores temem.
Direita xucra
A direita xucra vibrava ontem nas redes sociais com o ataque que ele desfechou contra Gilmar Mendes. Ah, meu Deus! Poucos se lembram de novo: a Câmara havia decidido, conforme dispõe o Artigo 188 de seu Regimento, que a formação da Comissão do Impeachment se daria por voto secreto. O doutor determinou que fosse aberto — condição em que Dilma levaria vantagem.
A direita xucra vibrava ontem nas redes sociais com o ataque que ele desfechou contra Gilmar Mendes. Ah, meu Deus! Poucos se lembram de novo: a Câmara havia decidido, conforme dispõe o Artigo 188 de seu Regimento, que a formação da Comissão do Impeachment se daria por voto secreto. O doutor determinou que fosse aberto — condição em que Dilma levaria vantagem.
O exato momento em que Barroso omite trecho do Regimento Interno da Câmara que desmoraliza a sua tese pró-Dilma. Uma vergonha!
E não é que ele foi capaz de ler o regimento omitindo
justamente o trecho que permitia a votação secreta? Sim, ele já teve a
ousadia de negar na cara de todo mundo o que estava escrito. Mas,
claro!, quem atua segundo o regime de compadrio, diz ele, é Mendes.
Os que o aplaudiram ontem e não se
alinham com a esquerda são apenas estúpidos. Ignoram que é ele a
vanguarda vermelha no STF, pouco importa o tema. Esse é o ministro que
aproveitou a simples concessão de uma habeas corpus para “legalizar” o
aborto até o terceiro mês. Foi o advogado-lobista da permanência no
Brasil do terrorista Cesare Battisti; concedeu uma liminar contra uma
lei afinada com o Escola Sem Partido, em Alagoas, mas tentou proibir o
ensino religioso — VOLITIVO, NÃO OBRIGATÓRIO — nas escolas; é um
fervoroso defensor do ativismo do judicial e diz com todas as letras por
aí que cabe, sim, ao STF o papel de vanguarda modernizadora das leis,
junto com as minorias militantes.
Que a esquerda o aplauda é
compreensível. Que supostos liberais e conservadores façam o mesmo, bem,
aí é só coisa de gente xucra mesmo. Não que se deva aplaudir Mendes por
decisão tomada no passado, uma vez que ele fez o que considerou que
estava adequado às regras do jogo. Convenham: não tivesse ele dado
aquela liminar contra a posse de Lula como ministro da Casa Civil de
Dilma, e o petista teria tido tempo de arrumar o balcão em Brasília. E
Dilma não teria sido impichada. Sei lá onde estaríamos hoje. Talvez travando uma luta com pedras e paus.
É realmente um espetáculo assistir à
recente conversão de Barroso ao rigor penal. Esse não é o ministro que
atuou no caso dos mensaleiros. Esse não é o defensor de um terrorista
assassino, né? Mas acho que combina com ele: defender
alguém como Battisti e afastar do seu mandato, impondo-lhe uma espécie
de prisão domiciliar, quem ainda nem é réu.
Sua leniência, pelo visto, não vê mal nenhum em ser parceira dos criminosos do colarinho vermelho.
Aplausos, direita xucra!
Depois solte alguns zurros da mais pura satisfação intelectual.
Ah, sim: tivesse triunfado a sua tese,
os benefícios da delação de Joesley e seu bando seguiriam intocados.
Mesmo depois de todas as fraudes que vieram à luz na delação. Para encerrar: eis um caso em que o
doutor deveria se declarar suspeito: a mãe de Fernanda Tórtima, advogada
da JBS que participou de boa parte dos “lances” de Joesley, é filha da
ex-mulher do pai de Barroso. Durante um bom tempo, os dois foram irmãos,
ainda que não de sangue.
Se seu voto tivesse triunfado, a esta
altura, Joesley estaria flanando em Nova York. Nesse caso, de que cor é o
colarinho do criminoso?
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo