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quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Apagão: governo não sabe o que ocorreu e investiga sabotagem

Nos últimos 29 meses ocorreram 57 ataques a torres de energia, com interrupções no abastecimento de Norte a Sul. Do total, 23 foram entre janeiro e maio 

Um dia depois do apagão de energia em 25 estados e no Distrito Federal, o governo ainda não sabe o que aconteceu. Mas já sabe o que não ocorreu.

O “evento zero”, nas palavras do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, foi numa linha da Chesf, do grupo Eletrobras, no Ceará. “Isoladamente, não era suficiente para causar o colapso do sistema como um todo, mas por erro de programação [uma barreira de proteção não foi acionada] levou a uma série de falhas.”

Segundo o ministro, a agência responsável pela manutenção, o Operador Nacional do Sistema (ONS), também não conseguiu identificar falha técnica que pudesse causar apagão em escala nacional, como foi registrado.

O rastreamento técnico prossegue. Em paralelo, iniciou-se uma investigação policial. As duas iniciativas confirmam: por enquanto, o que o governo sabe é aquilo que não aconteceu. Já é um começo.

A hipótese de sabotagem resiste, embora seja considerada tecnicamente pouco provável. Isso porque, nos últimos 29 meses, ocorreram 57 eventos classificados como “ataque” a torres de energia provocando interrupções no abastecimento de eletricidade em regiões de Norte a Sul.

Desse total, 23 foram registrados nos cinco primeiros meses do governo Lula, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) repassados à CPMI do Golpe.

Em fevereiro, por exemplo, houve atentados contra unidades do sistema elétrico em Santa Tereza (Goiás) e em Inhambupe (Bahia). Cortes intencionais no conjunto de fixação das torres provocaram o desligamento de quatro unidades geradoras da Usina de Belo Monte, no Pará. No interior baiano, isoladores de vidro de uma das estruturas (nº 131/2) foram destruídos a tiros, causando interrupção no suprimento de energia nos municípios de Itapicuru, Nova Soure e Olindina durante 52 minutos.

Dois meses antes, na véspera do Natal, os municípios de Balsas, Carolina, São Raimundo das Mangabeiras e Tasso Fragoso, no Maranhão, ficaram sem luz durante 1h28m por causa de um ataque à linha de transmissão — foram encontrados dois botijões de gás com maçaricos acoplados na estrutura de uma torre.

Não é possível, no entanto, atribuir-se motivação política exclusivamente contra o governo Lula. Há registros de atentados anteriores.

Em fevereiro do ano passado houve desligamento de componentes da rede elétrica na reserva do Iguaçu, no Paraná, depois de uma invasão da subestação local. Indivíduos não identificados sabotaram manualmente uma “caixa de mecanismo de acionamento da chave de aterramento” (identificada pelo número 57‐45), iniciando um curto-circuito.

Um mês antes, Maceió ficou sem energia por 18 minutos. Causa registrada: “incêndio criminoso” no sistema de abastecimento elétrico.

José Casado, colunista - Blog em Revista VEJA


domingo, 15 de janeiro de 2023

Quem sabe prender precisa saber soltar - Elio Gaspari

Desde domingo passado foram presas pelo menos 1.800 pessoas em Brasília. Delas, umas 1.300 estavam no acampamento golpista diante do Quartel-General do Exército. 
Cerca de 500 foram detidas na cena das invasões do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. 
Muitos dos que foram presos no acampamento haviam participado dos atos e retornaram à noite.

Apesar da superposição, os dois grupos são distintos. Quem estava no acampamento pedindo um golpe de Estado não pode ser suspeito de ter praticado ato de vandalismo nas sedes dos três Poderes da República. São dois comportamentos reprováveis, porém distintos.

O arrastão de Brasília foi o maior da história nacional. Superou dois outros: o do Congresso Clandestino da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna (1968); e o da PUC de São Paulo (1977), onde jovens comemoravam a refundação da UNE.

Quem prende deve pensar em soltar aqueles que não constituem uma ameaça imediata à sociedade. Os arrastões de 1968 e 1977 deram-se durante a ditadura. Em Ibiúna, foram presos cerca de 1.240 jovens. Na PUC, cerca de mil.

Seis dias depois do arrastão de Ibiúna, quase todos os detidos haviam sido identificados e soltos. Continuaram presos menos de 20 jovens, contra os quais havia mandados de prisão preventiva. 
Na PUC de São Paulo, depois de três dias todos os presos estavam soltos, depois de terem sido identificados. Dezenas responderam a processos. 
 
Em 1968, antes do arrastão, grupos terroristas de direita haviam praticado seis sequestros e mais de 30 atentados com bombas, sem vítimas. Nesse mesmo período, o surto terrorista de esquerda contabilizava uma dezena de assaltos e seis mortos, entre os quais um major do exército alemão confundido com um capitão boliviano
Em 1977, não existia mais terrorismo de esquerda. 
 
No arrastão de 2023, aconteceram episódios inquietantes. Num regime democrático ameaçado por golpistas, manifestantes de Brasília, irresponsavelmente, levaram crianças para o acampamento. Segundo o Conselho Tutelar do Distrito Federal, às 15h de segunda-feira, foram atendidas 20 famílias detidas com 23 crianças ou adolescentes menores de idade. 
Isso significa que eles ficaram detidos por cerca de 24 horas. Precisava?  
Quem sabe prender precisa saber soltar. Os menores poderiam ter sido entregues a familiares em questão de horas. 
 
Na tarde de sexta-feira, centenas de pessoas continuavam detidas em Brasília
Não se sabe quantas foram apanhadas no acampamento e quantas estavam nas depredações na Praça dos Três Poderes. 
Nos arrastões de 1968 e de 1977, seis noites depois, continuavam presas menos de dez.

Aqueles que invadiram prédios cometeram um crime específico e sofrem a pena da lentidão burocrática. Os do acampamento, a maioria entre os detidos, poderiam ter sido libertados há dias, logo depois da devida identificação e tomada de depoimento.

A burocracia das prisões explica a demora pelo cumprimento dos trâmites que incluem a tomada de depoimentos e a realização de audiências de custódia. Tudo bem. Mas em outubro de 1968 (antes do AI-5) e em 1977 (às vésperas da demissão do ministro do Exército Sílvio Frota), a ditadura soltava os presos de seus arrastões com maior celeridade.

Se quem prendeu não dispunha dos meios para soltar, o problema é de quem prendeu. 

(...)


Luana e Goretti
Em maio de 2021, Jair Bolsonaro mandou demitir a infectologista Luana Araújo do cargo de secretária-executiva de enfrentamento à Covid-19.

Motivo: nas redes sociais a doutora condenava a propaganda da cloroquina como remédio eficaz na pandemia.

Em janeiro de 2023, a pediatra Ana Goretti Kalume Maranhão teve sua nomeação barrada pela Casa Civil da Presidência para a chefia do novo Departamento de Imunizações do Ministério da Saúde.

Motivo: “Restrição partidária.”

Ganha um fim de semana em Pyongyang quem souber o que isso significa.

Ela é acusada de ter escrito mensagens louvando a Operação Lava-Jato.

Tempestade perfeita
Com todas as encrencas que estão no tabuleiro, pareceu despicienda a descoberta de uma inconsistência” de R$ 20 bilhões no balanço das Lojas Americanas, grande e tradicional rede de comércio varejista de Pindorama. Coisa de mais de US$ 4 bilhões. Ervanário para ninguém botar defeito. As inconsistências parecem vir de longe.

A revelação deveu-se ao CEO da empresa, Sérgio Rial. Ele tinha nove dias no cargo e explicou: “Tive uma escolha de Sofia, eu falo ou não?”

Falou, e fez muito bem.

Folha de S. Paulo  e Jornal O Globo - Elio Gaspari - MATÉRIA C0MPLETA