Por
que o delegado Josélio Azevedo de Sousa pede ao STF a autorização para
ouvir Luiz Inácio Lula da Silva se ele não dispõe mais de foro especial
por prerrogativa de função? Porque o pedido se dá no âmbito do inquérito
que investiga parlamentares que detêm o tal foro. Assim, há uma espécie
de contaminação. Embora Lula pudesse, sim, ser ouvido na primeira
instância, é evidente que o melhor é reunir numa mesma corte coisas
conexas.
No pedido, o
delegado afirma não haver evidência do envolvimento direto do
ex-presidente no escândalo, mas diz ser necessário apurar se ele não
acabou “obtendo vantagens para si, para seu partido, o PT, ou mesmo para
seu governo, com a manutenção de uma base de apoio partidário
sustentada à custa de negócios ilícitos na referida estatal”.
Teori
Zavascki, o relator, vai decidir. Acho difícil que, dados os termos da
petição, o ministro concorde. Eu acharia muito bom que sim. Ocorre que,
com esses critérios, pode-se ouvir quase qualquer pessoa. A ressalva,
convenham, não era necessária. Vai acabar produzindo mais calor do que
luz. Ou o delegado acha que há motivos para ouvi-lo ou acha que não.
O que me
parece impressionante, aí sim, é que nem Polícia Federal nem Ministério
Público tenham arrumado até agora um motivo mais forte para, ao menos,
chamar Lula como testemunha, não é? Sigamos.
Dilma e a Constituição
Há um dado da petição que explica por que
não se pede para ouvir Dilma, que quero aqui contestar pela enésima vez.
De fato, o Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição traz o seguinte:
“§ 4º O Presidente da República, na
vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos
estranhos ao exercício de suas funções.”
Pela ordem:
1 – Foi redigido antes da emenda da
reeleição. Havendo reeleição, considerar que o que um presidente fez num
primeiro mandato é estranho ao seu segundo mandato é uma estupidez.
2 – Ainda que prevaleça essa leitura
absurda, jurisprudência do Supremo diz que um presidente da República
pode, sim, ser investigado em inquérito. E pode mesmo ser denunciado — o
que só teria consequência depois que deixasse o mandato.
3 – De toda sorte, tal questão nunca foi
tratada a contento. O presidente do OAB, por exemplo, poderia se
mobilizar é para dar tratamento adequado e realmente conforme a
Constituição a esse caso. Ou será que a Carta garantiu a impunidade a um
presidente reeleito?
4 – Pensem: as pedaladas fiscais dadas por
Dilma tinham o objetivo de esconder a situação fiscal do país e
garantiram a manutenção de alguns programas, mesmo sem dinheiro. Isso
foi feito no primeiro mandato. Teve ou não influência no segundo,
inclusive para conquistá-lo? Tenham paciência!
Que fique claro de novo:
1 – Nada impede, nem mesmo a leitura
obtusa da Constituição, que o Ministério Público peça ao Supremo
abertura de inquérito contra Dilma;
2 – Nada impede, nem mesmo a leitura
obtusa da Constituição, que o Ministério Público ofereça denúncia contra
Dilma. Ainda que prevaleça a obtusidade, a dita-cuja pode ser aceita,
sim. Mas as consequências só viriam depois de terminado o mandato.
Chegou a hora de enfrentar esse surrealismo interpretativo.
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