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domingo, 27 de setembro de 2015

'Dilma não governou até agora e não vai governar até o final' - O fim do Lula está próximo, mais próximo que o esperado

Jurista Hélio Bicudo, que assina pedido de 'impeachment', explica por que avalia que a presidente não deve terminar o mandato

'Lula usou o prestígio dele para construir uma figura patriarcal, dono do PT e dos interesses da nação'

Aos 93 anos, o jurista Hélio Bicudo participou da resistência à ditadura militar e dos movimentos pela volta da democracia no Brasil. Engajou-se na campanha das "Diretas Já" e foi um dos primeiros a se filiar ao Partido dos Trabalhadores. Pela legenda, elegeu-se deputado federal e vice-prefeito da capital paulista na gestão de Marta Suplicy (2001-2005). 
O jurista Hélio Bicudo: 'Não acho que o Lula tenha condições de dar palestras em outros países, ainda mais ganhando o que ganha. Isso é para lavar dinheiro'(Heitor Feitosa/VEJA.com)
 
Foi também uma das primeiras vozes a se levantar contra os desvios que resultaram nos descalabros do governo Lula e acabou abandonando o partido há dez anos, quando o mensalão puxou a fila de série de escândalos que manchariam para sempre a história da legenda. "O PT desmereceu as diretrizes traçadas em seu início e se tornou um veículo para enriquecimento ilícito", afirma o jurista. Ao lado do também jurista Miguel Reale Júnior e da advogada Janaína Paschoal, Bicudo assina o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff entregue há pouco mais de uma semana ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O documento é considerado o mais robusto e bem fundamentado na pilha de pedidos para que o mandato de Dilma termine antes do prazo. Bicudo recebeu o site de VEJA em sua casa, na última quarta-feira. Leia a entrevista.

Por que apresentar um pedido de impeachment antes da decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as pedaladas fiscais ou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)? Não acho que haja vinculação entre esse pedido e os procedimentos que estão em curso nessas instâncias. Todos podem correr paralelamente. Um pedido de impeachment é, sobretudo, uma questão de atitude, para além do embasamento jurídico. Pode-se fazer um pedido de afastamento da presidente por incapacidade de governar? Acredito que sim. E a atuação de Dilma até hoje mostra que ela não tem condições de exercer o mandato. Mas é claro que nesse pedido há embasamento jurídico: as pedaladas estão aí para mostrar que há fatos concretos contra a presidente. O pedido foi feito tendo em vista os delitos que ela cometeu no exercício da Presidência.

O senhor avalia então que Dilma sabia dos esquemas descobertos pela Operação Lava Jato? Acredito que ela, como presidente da República, deveria saber. Dilma tem de estar perfeitamente consciente daquilo que interessa ao país do ponto de vista político e jurídico. A presidente não pode estar ausente de fatos que interessam ao processo de esclarecimento do escândalo. Alegar ignorância é dar chance para o impeachment. Se ela sabia, tinha todos os meios para impedir o prosseguimento do esquema. Se deixou correr, o problema é dela.

O senhor crê que há possibilidade de Dilma deixar o poder até 2018? Ela não governou até agora e não vai governar até o final. A substituição da Dilma dentro de um processo democrático é aquilo que o país espera. O Brasil está paralisado. Não vejo possibilidade de renúncia, pelo histórico dela, mas seria uma boa coisa, abrir as portas para uma nova gestão. Hoje temos uma presidente que não governa e o país precisa de pessoas que governem.

O pedido assinado pelo senhor é considerado o único com chances de seguir adiante no Congresso, e por isso foi apoiado por políticos de oposição. Não tratei com a oposição. Não sabia qual era a posição desses políticos e continuo fora dessa questão, porque é uma questão partidária. Nosso pedido não é partidário. É um pedido de cidadãos brasileiros que se viram enganados pela presidente e querem fazer valer seu direito de cidadania.

Acredita que a saída de Dilma já seria suficiente para amenizar a crise política e econômica? Evidentemente, a figura de quem vai assumir na hipótese de impedimento da presidente [no caso, o vice, Michel Temer] já desafoga bastante o problema político, mas a saída dela vai determinar um novo momento político. É preciso esperar para ver como os atores desse momento vão atuar. Acho difícil dizer 'vai acontecer isso ou aquilo'. O impeachment acende um estopim, mas não se sabe o que ocorre depois.

Não há risco de turbulência social? Acho que a saída da Dilma seria o momento da sociedade pensar mais profundamente o problema Brasil, deixando de lado as questões políticas. É o momento de a Nação pensar a si própria e encontrar um caminho.

Michel Temer seria capaz de conduzir esse processo? 
Não é fácil dizer. Mas Temer não poderia desmerecer a história do PMDB. É preciso que, uma vez aceito o impeachment, as forças políticas permitam a discussão para o encaminhamento do Brasil, para além da questão político-partidária. É preciso encontrar um caminho para novas eleições gerais.

Mas como, se o vice assumiria o Planalto? Há um caminho constitucional. É possível criar um instrumento para isso através de um plebiscito. Caminhando nesse sentido, as coisas se esclarecem.

A atual crise é resultado da inabilidade política de Dilma? Há um conteúdo pessoal grande. Dilma é uma pessoa muito autoritária e não vê no exercício democrático a maneira mais hábil de chegar à finalidade da instituição política. Ela é muito centralizadora e não está preparada para o exercício da Presidência da República, haja vista o que está acontecendo. Como ela abandonou a direção? As coisas correm ao lado dela e ela não quer perceber...

Por que o senhor avalia que Lula tentou se desvencilhar de Dilma quando a crise se agravou? A princípio, houve uma orquestração para que Lula se mantivesse no poder até com outra pessoa no Planalto. E essa pessoa era a Dilma. Ela foi um instrumento do Lula. Agora, ele tenta se desvencilhar com vistas a 2018. Ele quer voltar como a solução para os problemas do Brasil: o que ela não conseguiu, ele conseguirá fazer. Lula só não se lançará candidato se avaliar que não tem chances de vencer.

Como encara as afirmações de que o senhor estaria sendo manipulado? É a velha história de quem não tem argumentos. Manipulado por quem? Tenho um passado que está à vista de todos. Não é o estilingue do PT que vai fazer com que eu mude de pensamento. Ao contrário.

E as acusações de que os favoráveis ao impeachment são golpistas? Essa coisa de golpe é golpe de quem não quer deixar o poder democraticamente. O impeachment não é golpe, está na Constituição. Onde está o golpe quando se atua de acordo com a lei?

Qual sua maior decepção com o PT? É o fato de que o partido se deixou dominar pelo lulismo. O uso de personalidades no exercício da política leva a uma ditadura. O sistema de personalismo não comunga com a ideia de democracia. Quando Lula chegou à Presidência, passou a se achar acima do bem e do mal. O projeto do partido de exercer o poder para o bem social foi transformado em um projeto personalista, para entregar a legenda a determinadas pessoas sob a égide de Lula. Ele hoje é o dono do PT. Quando conheci Lula, ele era um homem pobre. Hoje, é dono de uma fortuna. Como, sem trabalhar, as pessoas conseguem amealhar tanto dinheiro quanto Lula e seus filhos? Ele saiu do caminho do partido e o PT fez o que ele queria, desmerecendo suas diretrizes de início. Lula usou o prestígio dele para construir uma figura patriarcal, dono do partido e dos interesses da nação. O PT passou a ser um veículo para enriquecimento ilícito, de muitas pessoas no partido e fora dele.

De Lula inclusive? Lógico.

Acha que a Lava Jato pode levar Lula para a cadeia? Ele corre esse risco sim. Veja as questões das palestras no exterior. Não acho que o Lula tenha condições de dar palestras em outros países, ainda mais ganhando o que ganha. Isso é para lavar dinheiro.

O senhor vê futuro para a legenda? O PT perdeu a posição que deveria ter na discussão sobre os destinos do país. Sob o comando de Lula, o partido se deixou envolver por um personalismo de que a população não gosta. O partido passou a fazer o exercício da política para os que compõem a cúpula da legenda. Não acho que o PT acabou, mas perdeu muito de seu apelo.

Fonte: Revista VEJA 

 

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