O
país vive um momento de notável perda de parâmetros. Alguns valores que
pareciam imunes a ataques especulativos estão sendo rifados com
impressionante ligeireza. E mais chocantes são ora a complacência, ora a
cumplicidade de setores da sociedade civil que deveriam constituir a
vanguarda na defesa de garantias e civilidades. Refiro-me muito
especialmente à imprensa. Nota: eu a critico porque a quero mais livre;
as esquerdas, porque querem censurá-la.
A defesa impensada que
fez esta Folha da antecipação da eleição presidencial –traduzida, em
editorial, na fórmula "Nem Dilma nem Temer" integra a lista das minhas
insatisfações. A tese iguala desigualdades em favor do vício, não da
virtude. Ou, para os mais pessimistas, em favor do mal maior, não do
menor. E escolher o mal menor, quando não há saída ótima, é um
imperativo ético.
Eugênio Aragão, ministro da Justiça, comete
crimes de responsabilidade em penca quando classifica de compreensível a
promessa que fazem grupos de esquerda de reagir com violência ao
eventual impeachment de Dilma. Disse o doutor tratar-se da Lei de
Newton. E filosofou: "A manifestação de absoluta rejeição a qualquer
tipo de afastamento através de golpe me parece um movimento legítimo".
Segundo
o ministro, pois, para que não haja a violência "legítima", o Congresso
tem de votar a favor de Dilma. A "Lei de Newton" de Aragão torturou a
agora presidente da República. É um lixo moral, ético e histórico.
Leiam
a Lei 1.079. O ministro mandou às favas os incisos II, III e IV do
Artigo 4º do texto: atentou contra o livre exercício do Legislativo e do
Judiciário, que fez o rito do impeachment, contra direitos políticos,
individuais e sociais e contra a segurança interna no país. E o que
leio, ouço e vejo na imprensa vai do silêncio covarde à apologia da
violência –na pena de alguns colunistas. Afinal, se os adversários são
golpistas, Deus está morto.
Não atuou de modo diferente o
advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, na comissão especial do
impeachment. Assegurou que um eventual governo Temer será ilegítimo.
Ora, se é assim, tudo o que se fizesse de ilegal para derrubá-lo estaria
justificado pela "Lei de Newton". A propósito: que sentido faz entregar
a defesa se ele diz que só um resultado é aceitável? É um pouco mais
sutil do que Aragão, mas não menos doloso.
De igual modo agiu
Dilma Rousseff ao abrir o Palácio do Planalto ao proselitismo e ouvir,
sem sombra de reprovação, um de seus aliados a fazer terrorismo aberto:
ou o Congresso se ajoelha aos pés do PT, ou ninguém governa "estepaiz".
Em peregrinação, Lula, o presidente "de facto", promete a seus
milicianos que o próximo passo será controlar a "mídia".
Quando
esta Folha escreve "Nem Dilma nem Temer", acaba, na prática, por acatar
essas ameaças como instrumentos aceitáveis da luta política. Até que
haja, e não há, evidências de que o vice-presidente tenha cometido crime
de responsabilidade, "nem Temer" por quê? Assim como não é aceitável
que as esquerdas, no poder, legitimem as ações criminosas, não se pode
tolerar que deslegitimem as saídas preconizadas na Constituição.
Até
porque não é o PT que justifica a existência da democracia; é a
democracia que justifica a existência do PT. E, por isso, o partido tem
de parar de tentar solapá-la. Ou migrar, então, para a clandestinidade.
Fonte: Folha de São Paulo
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