O reequilíbrio econômico passa necessariamente pela reforma da Previdência e do próprio Estado
As mães de
gêmeos vivem um dilema. O ideal é programar a atenção à dupla nos mesmos
horários. Frequentemente, porém, um bebê quer mamar a cada meia hora
enquanto o outro pede o peito a cada duas. Em geral, as mães atendem os
que choram mais alto. Mas, nem sempre o choro é por fome. Pode ser uma
cólica, dor no ouvido ou simplesmente birra.
Lembrei-me das mães ao perceber a choradeira de alguns segmentos quanto à PEC 241, a do teto dos gastos. A ideia da PEC, diga-se de passagem, surgiu no Brasil há dez anos com Palocci, quando Dilma ocupava a Casa Civil. No fim da gestão do PT, quando a casa estava caindo, e o déficit primário já beirava os R$ 170 bilhões, o assunto voltou à baila.
O então ministro Nelson Barbosa pretendia estabelecer um limite percentual para as despesas no Plano Plurianual (PPA), que seria convertido em um valor máximo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Em resumo, via PPA, LDO ou PEC, com Dilma ou Temer, o limite de gastos estava no forno. De lá para cá, a patota que era a favor votou contra. E a turma que era contra apoiou agora a proposta, junto com os parlamentares que são sempre a favor de qualquer governo. Nada de novo, bem a cara dos políticos brasileiros.
Como é óbvio, “golpeados” e “golpistas” já pensavam de forma semelhante sobre o diagnóstico e a prescrição do remédio. A aplicação não ocorreu apenas pelo conturbado ambiente político. Por isso, dentre as contestações à PEC, muitas não merecem análise, pois só refletem a ressaca do impeachment. Desde as eleições presidenciais americanas de 1992 (Bush x Clinton), qualquer “estúpido” sabe que a conjuntura econômica decide eleições. Para a oposição irresponsável, portanto, às vésperas de 2018, “quanto pior, melhor”. Dane-se o interesse público.
Determinadas críticas à PEC, entretanto, devem ser consideradas, para o esclarecimento da sociedade e aprimoramento da proposta. A principal delas é a eventual redução dos gastos com saúde e educação, o que já vinha acontecendo nos últimos anos em função da própria recessão econômica. Vale alertar que a PEC não impede que o governo até amplie os gastos nesses segmentos, desde que os reduza em outras áreas.
Além disso, Saúde e Educação já possuem piso mínimo constitucional, que não será alterado. Se não bastasse, após as primeiras manifestações, a base de cálculo para esses setores será 2017 (e não 2016) e em percentual maior do que o previsto anteriormente, o que os favorece. Em resumo, aí não mora o perigo, pelo contrário.
A questão é, se as verbas para Saúde e Educação serão preservadas, quais grandes grupos de despesas podem ser objeto de “congelamento”, sem aumento real? Sobram Assistência Social, que compreende benefícios como Bolsa Família e o pagamento de um salário mínimo para idosos em famílias de baixa renda e para deficientes; Trabalho, que engloba seguro desemprego e abono salarial; Previdência Social; pessoal e, em escala menor, investimentos destinados a obras e equipamentos. Para complicar, grande parte dessas despesas é obrigatória e vinculada ao salário mínimo. Ainda por cima, temos 12 milhões de desempregados, a população está envelhecendo, e todos esses segmentos possuem grupos de pressão articulados. Enfim, passar a regra da PEC será fácil, difícil será a implementação.
A PEC pode ser melhorada com a limitação da dívida pública federal, a exclusão de investimentos do teto e/ou a criação de “gatilhos” que permitam o crescimento real dos gastos no caso de avanço significativo do PIB. O reequilíbrio econômico, contudo, passa necessariamente pela reforma da Previdência e do próprio Estado, com uma revisão completa dos programas, desonerações, benefícios sociais e privilégios. Vai ser no tranco do teto que a sociedade decidirá se quer gastar, como hoje, 14% do PIB com dez milhões de servidores públicos (federais, estaduais e municipais); com 99.248 cargos, funções de confiança e gratificações; com salários públicos que subiram até três vezes mais do que os privados e com aposentadorias aos 53 anos de idade. Ou se prefere, por exemplo, gastos com saúde, educação, segurança, saneamento. A economia está na UTI , e a PEC é um antibiótico de amplo espectro, com efeitos colaterais.
Tal como acontece com os bebês, a choradeira merece cautela. Dar imediatamente a mamadeira aos que choram mais alto não é a melhor opção. Pode ser fome, mas também cólica, dor de ouvido ou apenas birra. Mal comparando com a economia brasileira, o importante é seguir o planejado para não deixar faltar o leite dos gêmeos.
Por: Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas
gil@contasabertas.org.br
Lembrei-me das mães ao perceber a choradeira de alguns segmentos quanto à PEC 241, a do teto dos gastos. A ideia da PEC, diga-se de passagem, surgiu no Brasil há dez anos com Palocci, quando Dilma ocupava a Casa Civil. No fim da gestão do PT, quando a casa estava caindo, e o déficit primário já beirava os R$ 170 bilhões, o assunto voltou à baila.
O então ministro Nelson Barbosa pretendia estabelecer um limite percentual para as despesas no Plano Plurianual (PPA), que seria convertido em um valor máximo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Em resumo, via PPA, LDO ou PEC, com Dilma ou Temer, o limite de gastos estava no forno. De lá para cá, a patota que era a favor votou contra. E a turma que era contra apoiou agora a proposta, junto com os parlamentares que são sempre a favor de qualquer governo. Nada de novo, bem a cara dos políticos brasileiros.
Como é óbvio, “golpeados” e “golpistas” já pensavam de forma semelhante sobre o diagnóstico e a prescrição do remédio. A aplicação não ocorreu apenas pelo conturbado ambiente político. Por isso, dentre as contestações à PEC, muitas não merecem análise, pois só refletem a ressaca do impeachment. Desde as eleições presidenciais americanas de 1992 (Bush x Clinton), qualquer “estúpido” sabe que a conjuntura econômica decide eleições. Para a oposição irresponsável, portanto, às vésperas de 2018, “quanto pior, melhor”. Dane-se o interesse público.
Determinadas críticas à PEC, entretanto, devem ser consideradas, para o esclarecimento da sociedade e aprimoramento da proposta. A principal delas é a eventual redução dos gastos com saúde e educação, o que já vinha acontecendo nos últimos anos em função da própria recessão econômica. Vale alertar que a PEC não impede que o governo até amplie os gastos nesses segmentos, desde que os reduza em outras áreas.
Além disso, Saúde e Educação já possuem piso mínimo constitucional, que não será alterado. Se não bastasse, após as primeiras manifestações, a base de cálculo para esses setores será 2017 (e não 2016) e em percentual maior do que o previsto anteriormente, o que os favorece. Em resumo, aí não mora o perigo, pelo contrário.
A questão é, se as verbas para Saúde e Educação serão preservadas, quais grandes grupos de despesas podem ser objeto de “congelamento”, sem aumento real? Sobram Assistência Social, que compreende benefícios como Bolsa Família e o pagamento de um salário mínimo para idosos em famílias de baixa renda e para deficientes; Trabalho, que engloba seguro desemprego e abono salarial; Previdência Social; pessoal e, em escala menor, investimentos destinados a obras e equipamentos. Para complicar, grande parte dessas despesas é obrigatória e vinculada ao salário mínimo. Ainda por cima, temos 12 milhões de desempregados, a população está envelhecendo, e todos esses segmentos possuem grupos de pressão articulados. Enfim, passar a regra da PEC será fácil, difícil será a implementação.
A PEC pode ser melhorada com a limitação da dívida pública federal, a exclusão de investimentos do teto e/ou a criação de “gatilhos” que permitam o crescimento real dos gastos no caso de avanço significativo do PIB. O reequilíbrio econômico, contudo, passa necessariamente pela reforma da Previdência e do próprio Estado, com uma revisão completa dos programas, desonerações, benefícios sociais e privilégios. Vai ser no tranco do teto que a sociedade decidirá se quer gastar, como hoje, 14% do PIB com dez milhões de servidores públicos (federais, estaduais e municipais); com 99.248 cargos, funções de confiança e gratificações; com salários públicos que subiram até três vezes mais do que os privados e com aposentadorias aos 53 anos de idade. Ou se prefere, por exemplo, gastos com saúde, educação, segurança, saneamento. A economia está na UTI , e a PEC é um antibiótico de amplo espectro, com efeitos colaterais.
Tal como acontece com os bebês, a choradeira merece cautela. Dar imediatamente a mamadeira aos que choram mais alto não é a melhor opção. Pode ser fome, mas também cólica, dor de ouvido ou apenas birra. Mal comparando com a economia brasileira, o importante é seguir o planejado para não deixar faltar o leite dos gêmeos.
Por: Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas
gil@contasabertas.org.br
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