O
episódio da prisão de membros da Polícia Legislativa do Senado acusados
de estarem agindo para obstruir as investigações sobre senadores
envolvidos na Lava-Jato é a explicitação de uma disputa entre o
Ministério Público, a Polícia Federal e o Poder Legislativo, empenhado
em aprovar uma legislação que limite as investigações. Esses
limites, segundo os parlamentares, são os da lei, que consideram estar
sendo ultrapassada em muitos casos. Já o Ministério Público e o próprio
juiz Sérgio Moro acham que os políticos querem colocar obstáculos ao
combate à corrupção.
É provável que o presidente do Senado, Renan
Calheiros, que responde a 9 processos no Supremo, a maioria ligada à
Lava-Jato, faça reclamação ao STF pelo que teria sido invasão do Senado
pela Polícia Federal. A alegação oficial é que a ação da PF foi
contra funcionários do Senado, que não têm foro privilegiado, e por isso
ela tem validade apenas com a autorização de um juiz de primeira
instância. Como, porém, diversos computadores e outros instrumentos
eletrônicos foram apreendidos, é provável que informações sobre
senadores venham a ser reveladas.
Nesse caso, a Polícia Federal
pode alegar que é uma “prova achada”, isto é, que surgiu indiretamente
de outra investigação, não devendo ser anulada, mas o Supremo certamente
será chamado a decidir a disputa. Há rumores no Senado de que os
integrantes da Polícia Legislativa faziam trabalhos paralelos que podiam
incluir a vigilância de senadores por seus adversários políticos no
próprio Senado. Episódios recentes mostram como a disputa entre
polícia do Senado e PF vem se agravando. Além do caso do apartamento da
senadora Gleisi Hoffmann, que integrantes da Polícia Legislativa
tentaram proteger impedindo a ação da PF, houve outro caso, mais grave.
Quando
a Polícia Federal chegou à Casa da Dinda, onde reside o senador
Fernando Collor, a Polícia Legislativa foi acionada e enviou para lá um
batalhão de homens armados que tentaram impedir que computadores e
outros documentos fossem retirados da residência, inclusive a frota de
carros importados. Por pouco não houve confronto físico.
A ação
da PF no Senado reforçou a iniciativa de aprovar lei contra o abuso de
autoridade, que o MP considera um atentado à magistratura, comprometendo
o combate à corrupção. O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima
disse ao “Estadão” que a lei sobre o abuso de autoridade representa um
golpe contra a Lava-Jato: “A aprovação da lei de abuso de autoridade
pode significar o fim da Lava-Jato; inclusive eu pessoalmente, se essa
lei for aprovada, não vou continuar”.
Ele considera que o projeto
pretende criar constrangimentos para quem investiga situações
envolvendo pessoas poderosas, especialmente empresários e políticos. Com
a aprovação da lei, Carlos Fernando diz que os investigadores serão
ameaçados “por corruptos e bandidos em geral, porque vão estar expostos a
todo tipo de retaliação”. A atuação da Polícia Legislativa foi
considerada a de uma “organização criminosa armada”, e os agentes presos
estarão sujeitos às penas da lei 12.850, de 2 de agosto de 2013. As
investigações indicam que ela atuava como uma “guarda pretoriana” ou,
como registrei ontem na coluna, uma milícia a serviço da proteção dos
senadores.
Por enquanto não há denúncia direta de que esse grupo
obedecia a Renan, mas as investigações caminham nessa direção. Nesse
caso, as malhas do § 2º do art. 2º da lei que trata da organização
criminosa se abateriam sobre Renan, agravando ainda mais sua situação:
“A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo,
da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de
execução”. O artigo 2º, § 5º, esclarece: “Se houver indícios
suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa,
poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou
função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária
à investigação ou instrução processual”.
“Indícios”, diz o texto
legal, e não provas. “Investigação”, e não ação penal. Se a
Procuradoria-Geral da República, em resposta a uma provável reclamação
do Senado, encaminhar ao STF pedido de afastamento de Renan da
presidência da Casa, a crise institucional ganhará proporções perigosas.
Fonte: Merval Pereira - O Globo
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