A
votação da chamada “PEC dos gastos”, tão fundamental para interromper a
caminhada rumo ao abismo, é um excelente momento para uma reflexão
nacional: todo mundo se diz a favor das reformas, da austeridade, da
responsabilidade fiscal, desde que... não atinja a sua própria
corporação e seus privilégios.
Afora uma exceção ou outra, os
economistas e especialistas são majoritariamente a favor de um teto de
gastos públicos durante os próximos 20 anos, quando o aumento do gasto
estará atrelado à inflação do ano anterior. Tem, usa. Não tem, não usa.
Mas grupos específicos se armam até os dentes, principalmente de
pareceres técnicos, para bombardear uma medida que interessa a todo o
País, mas pode, um dia, quem sabe, vir a prejudicá-los.
Foi assim
que surgiu do nada, na noite de sexta-feira, a três dias do início da
votação, uma “nota técnica” da Procuradoria-Geral da República, mas sem a
assinatura de Rodrigo Janot, declarando que a PEC fere a cláusula
pétrea da Constituição que estabelece a independência entre os Poderes.
Pela nota, o Executivo estaria se arvorando um “superórgão” controlador
dos demais Poderes, inviabilizando o cumprimento das funções
constitucionais e institucionais do Ministério Público e prejudicando o
combate à corrupção.
Nesta segunda-feira, 10, também a Associação
Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef) recriminou a PEC. No
primeiro parágrafo, reclamou genericamente que a medida “reduzirá os
gastos federais em educação, saúde e em programas sociais relevantes”.
Só no segundo, foi ao ponto central: “A proposta compromete e limita a
atuação da Defensoria Pública da União”, pois vai “na contramão da
garantia ao acesso à Justiça pela população de baixa renda”. Para bom
leitor, o recado é claro: Não mexam nos nossos privilégios!
Pragmático,
o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso respondeu indiretamente a
essas duas críticas ao negar um pedido do PT e do PCdoB para interromper
a votação da PEC na Câmara. Ele argumentou que não houve uma “clara
violação de cláusula pétrea” e que o Congresso é a instância própria
para os debates públicos sobre escolhas políticas feitas pelo Estado e
pela sociedade. Sua conclusão: “Salvo hipóteses extremas, não deve o
Judiciário coibir a discussão de qualquer matéria de interesse
nacional”. Atenção ao “interesse nacional”.
A seu estilo, e sem
os limites de um parecer oficial, o também ministro Gilmar Mendes
classificou a nota dos procuradores de “absurdo total”, ironizando: “Ela
foge ao meu alcance, talvez seja algo muito elevado para a minha
inteligência”. E emendou a pergunta incômoda: “Será que a União deve se
endividar para pagar os ricos procuradores da República?”. A origem de
Gilmar é o MP...
Por falar em “ricos procuradores”, o pesquisador
da FGV José Roberto Afonso levantou, e o Estado publicou, que seis das
dez categorias mais bem pagas no País são do serviço público. Num
momento, aliás, em que os Estados mal conseguem pagar salários em dia e
seis deles, mais o DF, nem têm como pagar o 13.º salário dos
funcionários. Uma herança maldita, claro, de gestões populistas que, em
nome do estatismo e de um nacionalismo arcaico, incharam a máquina,
afugentaram investimentos e deixaram 12 milhões de cidadãos e cidadãs
sem emprego.
Apesar de tudo isso, é justamente do serviço público
que partem os maiores ataques contra o ajuste fiscal, o teto de gastos,
a reforma da Previdência e outras medidas essenciais para reaquecer a
economia e combater o dramático desemprego. Todo mundo deve ter direito a
bons salários, mas a calamidade atual não está em quem tem renda
garantida e, na prática, não pode ser demitido. Está, sim, em quem não
tem emprego nem renda. Essa é a prioridade.
Fonte: Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo
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